Conheça a Raiz, startup de agricultura vertical que pretende mudar a nossa relação com os alimentos

As necessidades de terra arável ​​da agricultura tradicional são elevadas e invasivas, sendo difícil que permaneçam sustentáveis ​​para as gerações futuras. À medida que a taxa de crescimento da população mundial aumenta, a agricultura vertical apresenta-se como uma proposta para a consequente escassez de alimentos. Este método de cultivo, ambientalmente mais responsável, foca-se na redução da quantidade de terras agrícolas, economizando recursos naturais, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa e reduzindo a água necessária para cultivo.

Alinhada com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050) (que aponta a agricultura de precisão como uma das linhas de ação para uma agricultura mais sustentável), e com a Agenda 20|30 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a startup “Raiz” apresenta um sistema de agricultura vertical inovador no quadro português. Produzindo culturas em comunidades, para comunidades, por comunidades, a “Raiz” pretende mudar a forma como nos relacionamos com os alimentos. Através da agricultura vertical, o projeto tem como objetivo trazer de volta a vida aos espaços não utilizados da Europa, a começar por Lisboa. 

Quando questionados sobre qual a razão para terem escolhido iniciar o projeto na capital portuguesa, a equipa da “Raiz” salienta «três aspetos principais que conferem à cidade de Lisboa uma grande atratividade no setor: um ecossistema em ascensão em termos de inovação e consciencialização do mercado; uma menor concorrência comparativamente a outros países como a Alemanha ou os Estados Unidos, que permite captar participação de mercado desde o início e desenvolver a marca de forma mais eficiente; um clima altamente ensolarado e um contexto nacional forte no que concerne a energia limpa, o que nos permite testar o modelo de energia híbrida utilizando luz LED e luz solar que temos vindo a desenvolver.»

Para assinalar o lançamento da campanha de crowdfunding da "Raiz", a Agrotec esteve à conversa com a equipa por detrás deste ambicioso projeto.

Em que consiste o projeto de agricultura urbana da start-up Raiz?

A Raiz pretende desenvolver redes de hortas verticais distribuídas pelos bairros das grandes cidades. O grande objetivo é transformar os espaços urbanos que não servem atualmente qualquer propósito, convertendo-os em pólos descentralizados de produção agrícola, que fornecerão vegetais ao consumidor moderno e aos restaurantes locais.

Em termos de oferta, a Raiz foca-se em produtos de especialidade e em variedades altamente proteicas e repletas de nutrientes, procurando não só colmatar necessidades do mercado, mas também aumentar a familiaridade do público com novas soluções saudáveis.

Raiz Flagship Farm que será lançada por volta de junho de 2022

Contem-nos sobre a "Flagship Farm". Que plantas irão cultivar?

A Flagship Farm (FF) terá, no começo, seis torres de hidroponia, que conseguirão cultivar aproximadamente 792 plantas por mês, nos cerca de 18m2 que a horta ocupa.

As plantas que vamos cultivar serão de especialidade, por exemplo:

  • Vegetais com alto teor proteico e que virão diversificar a oferta para o nicho das dietas à base de plantas e das proteínas alternativas, em grande crescimento. Iniciámos já algumas experiências em torno dos germinados de ervilha e de tremoço.

  • Plantas vivas como o manjericão verde, o manjericão vermelho, a hortelã, a mostarda, e a couve pak choi.

  • Flores comestíveis como o nasturtium ou a borragem. Esta última é uma planta autóctone em Portugal, usada tradicionalmente em chás medicinais; a flor é azul e sabe a pepino (na Raiz, há quem diga que sabe a ostras!)

  • Produtos de especialidade como o tomate de casca, ou tomatillo, uma variedade de tomate muito usada na gastronomia mexicana.

Um dos objetivos centrais da FF é testar diferentes produtos, de forma que possamos selecionar o nosso mix de cultivo final de acordo com a real demanda do mercado local.

Até ao fim do mês, podem apoiar-nos contribuindo para a nossa campanha de crowdfunding. Toda a ajuda é bem-vinda. Venham plantar as sementes de um setor agroalimentar mais responsável, connosco!

Como vê a evolução do interesse pela agricultura vertical nos últimos anos?

Existe um enorme interesse no desenvolvimento deste tipo de projetos nas áreas urbanas. A ideia da Raiz surge, efetivamente, como resultado da identificação a nível global de uma tendência crescente da produção de vegetais em grandes cidades. Esta tendência advém, em parte, da intensificação do impacto negativo do ser humano no meio natural, mas também das previsões futuras de crescimento populacional a nível global. Estes dois fatores acarretam consequências como a intensificação das alterações climáticas e a deterioração do ambiente biofísico, o que aumenta consideravelmente a insegurança alimentar.

Encontramo-nos num momento de charneira na mentalidade global, que deve ser acompanhado pela integração de práticas sustentáveis e de menor impacto ao longo das cadeias de valor e abastecimento. Isto é crítico para a nossa sobrevivência e para o nosso bem-estar.

Parece lógico, então, que o interesse pela agricultura vertical seja elevado, já que com esta tecnologia é possível otimizar o uso da água, do espaço e dos nutrientes, o que nos permite poupar recursos de elevado valor, e produzir alimentos com grande qualidade, localmente claro.

Maria, Emiliano, Aidan da Raiz no Arroz Estúdios, em Lisboa

De olhos postos no futuro, poderá uma cidade tornar-se autossuficiente?

Conforme afirmado por Dickson Despommier, Professor Emérito de Microbiologia e Saúde Pública e Ambiental, e autor do livro "The Vertical Farm: feeding the world in the 21st Century", não se pode esperar que esta forma de agricultura substitua a totalidade dos bilhões de hectares dedicados à produção agrícola no século 21 [1]. Há certos cultivares cuja produção em sistemas verticais ainda não é possível, e outros ainda - como o arroz - cuja produção é demasiado cara para os sistemas indoor (i.e., com ambiente totalmente controlado e iluminação artificial).

Por outro lado, e tomando como exemplo a organização dos sistemas ecológicos “naturais”, a diversidade e a redundância são fatores chave para a resiliência de um sistema (i.e., a capacidade de um sistema sofrer uma perturbação ou assimilar alterações e ainda assim manter os seus processos e funções intactos).

Neste sentido, o cultivo de vegetais nas cidades pode se tornar uma importante fonte de alimento, conferindo independência e resiliência às metrópoles. Efetivamente, ainda que o cultivo vertical indoor não substitua totalmente a agricultura tradicional, se implementado de forma responsável, virá complementar o atual sistema agro-alimentar, contribuindo para a sua evolução em direção a uma situação de equilíbrio capaz de enfrentar as pressões do crescimento demográfico e das alterações climáticas.[2]

Em termos da autossuficiência na Raiz, temos como objetivo primário alcançar um sistema circular no qual sejam produzidos zero resíduos através da redução dos inputs e da reorientação dos excedentes para novas utilizações, sejam internas ou externas.

A nossa visão a longo prazo é então de tornar as nossas quintas autossuficientes, capazes de operar em ambientes hostis, reciclar a água da chuva, captar dióxido de carbono da atmosfera e operar num ciclo fechado. Estamos bastante longe, mas a ambição está cá.

Manjericão Verde (Ocimum basilicum) 

Acredita que a agricultura na cidade será fundamental na gestão das cidades e no seu desenvolvimento sustentável?

Como sublinhado pelas Nações Unidas, o desenvolvimento das técnicas hidropónicas “abrange todas as dimensões da segurança alimentar”. Destacam também que o cultivo sem solo e o cultivo vertical se tratam de alternativas eficientes e sustentáveis, e que devem ser incentivadas.

Na Raiz, acreditamos no papel fundamental que a agricultura urbana terá na gestão das cidades inteligentes do futuro, e na sua transição para modelos mais sustentáveis. Uma horta destas introduz na matriz urbana o centro ideal para o desenvolvimento de redes colaborativas de produtores, retalhistas e consumidores. É também um ponto ideal para se explorar de forma colaborativa a interseção entre as diferentes dimensões da sustentabilidade - social, económica e ambiental - procurando responder a alguns dos mais complexos desafios globais como a segurança alimentar, a redução da disponibilidade de recursos ou a criação de uma economia verdadeiramente circular.

A logística mais local, por exemplo, permite que haja uma redução dos custos de transporte e da vulnerabilidade das cadeias de distribuição. O ambiente controlado, por sua vez, permite um cultivo completamente livre de pesticidas e outros fitofármacos - “o cultivo de alimentos em ambientes fechados pode ter um impacto significativo na saúde global [3]”.

Talvez mais importante ainda, uma horta como a Flagship Farm da Raiz é a oportunidade ideal para receber o público com experiências educativas e enriquecedoras, fortalecendo a comunidade, aumentando a literacia agroalimentar e ambiental dos cidadãos, e reconectando-os com os alimentos que consomem.

Fotografias: Raiz | Vertical Farming Evolution

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