A SEMENTE: Fator de Valorização da Produção

A SEMENTE: Fator de Valorização da Produção

Por: António Sevinate Pinto

Numa altura em que tanto se fala da nossa Agricultura como se, por milagre, ela tivesse ressuscitado após tantas vezes a terem dado como moribunda ou mesmo já inexistente, continua o setor dos cereais a ser encarado como o «patinho feio» pela fraca representação da sua produção face ao consumo, cerca de 25%.

Estaremos sempre longe da autonomia do setor, mas é nossa convicção que muito ainda pode e deve ser feito no sentido do aumento das produtividades atuais e sua melhor valorização, através de opções culturais levando em conta critérios de gestão racional dos recursos disponíveis e visando reais oportunidades de mercado.

Uma primeira e importante decisão prende-se com a escolha das culturas adaptadas a cada tipo de solos e a sua organização em rotação. A vantagem económica de produzir mais algumas centenas de quilogramas por unidade cultivada pode ser facilmente ultrapassada pelo resultado anual do conjunto de culturas que compõem a rotação.

Várias vantagens poderão ser simultaneamente aproveitadas: redução de aportações de azoto se, por exemplo, se alternarem cereais com proteaginosas; redução dos níveis de infestação e maiores facilidades no seu controlo; menor incidência de ataques de pragas e doenças; eventuais facilidades no planeamento do trabalho e utilização de máquinas e, fator cada vez mais influente nas opções a tomar, melhor distribuição das necessidades de tesouraria.

Uma vez tomada a opção sobre as espécies a cultivar, deverá ser planificada para cada cultura e para cada itinerário técnico a sua total necessidade em factores de produção.

Qual a variedade e que tipo de semente nos dá as melhores garantias de obtenção dos objectivos, quantitativos e qualitativos que esperamos atingir? Uma má opção pode hipotecar à partida as nossas expectativas.

As Variedades e o Melhoramento

Infelizmente, neste capítulo sobre variedades e sementes temos que considerar que os cerealicultores portugueses não têm tido muitas razões de satisfação. Apesar dos esforços dos nossos técnicos do melhoramento, a verdade é que o mercado foi, nas últimas décadas, inundado de variedades oriundas do melhoramento estrangeiro, estudadas em e para condições diferentes das nossas.

Este facto, que deixa em mãos estranhas o «controlo» da disponibilidade e qualidade das sementes a utilizar pelos agricultores portugueses, origina ainda a situação caricata de serem os mesmos agricultores a contribuir para a manutenção desses planos de melhoramento, através da incorporação no custo da semente das necessárias royalties a pagar aos obtentores das variedades pela utilização das suas sementes.

Assim a nossa agricultura paga parte dos recursos necessários ao melhoramento estrangeiro, que logicamente não controla, quando os resultados do nosso melhoramento são manifestamente insuficientes, por falta de recursos.

A escolha da Variedade a cultivar

Selecionar uma nova variedade demora, na melhor das hipóteses, uma dúzia de anos, em ensaios sucessivos, visando o apuramento dos melhores resultados, em condições reais de cultura, de adaptação aos diversos tipos de solos, resistência a pragas e doenças, potencial produtivo e parâmetros de qualidade visando as diversas oportunidades do mercado. Quando todo esse trabalho é executado durante esse tão longo percurso, em solos e condições diferentes das nossas, com diferentes objectivos e tudo sob gestão estranha aos interesses nacionais, as expectativas sobre os resultados têm que ser limitadas. Um bom exemplo prende-se com a atual urgência da adaptação ao regadio das culturas tradicionais de sequeiro nas novas zonas irrigadas do sul do País.

Pela legislação em vigor nos estados membros da UE «apenas podem ser multiplicadas, certificadas e comercializadas, Variedades inscritas no Catálogo Nacional de Variedades (CNV) e/ou nos Catálogos Comuns de Variedades, de espécies Agrícolas e Hortícolas, salvo os casos previstos na Lei, desde que devidamente autorizados». Todo este processo de inscrição das variedades pode e deve ser acompanhado pelos agricultores e suas organizações, visando adquirir o maior número de informações sobre o comportamento da variedades que mais lhe podem interessar, após a necessária inscrição. Igualmente, durante ou imediatamente após a conclusão deste processo, deve a indústria expressar a sua opinião sobre o interesse de cada variedade nos seus diversos parâmetros de análise da qualidade.

Esta aproximação entre a Produção e a Indústria e, por sua vez, a indicação para o melhoramento, dos critérios e parâmetros de qualidade a atingir com as novas variedades, é, na nossa opinião, um passo indispensável para a global melhoria de todo o setor.

Alguns exemplos do bom funcionamento interprofissional confirmam essa mesma importância. É o caso da produção de cevada dística para malte, em que a indústria seleciona as variedades através de um programa anual de ensaios de campo e laboratoriais, e publica a lista das variedades autorizadas. Define igualmente os respectivos parâmetros de qualidade e compromete-se contratualmente com a aquisição da produção nessas condições a preços calculados segundo método previamente definido. O melhoramento e seleção tem assim indicações preciosas para o seu desempenho. O agricultor sabe o que tem que produzir e em que condições, e a indústria assegura localmente o aprovisionamento da sua matéria-prima, respeitando os diversos parâmetros de qualidade. Em normais condições de sementeira, pode a produção de cevada dística atingir valores superiores a 50% do consumo e valores bastante superiores serão facilmente atingidos com a ocupação de dez ou doze mil hectares dos novos regadios.

Acelerar a criação de variedades nacionais, sucessivamente testadas nas diferentes redes de ensaios, com características e potencial conhecidos, determinar os respetivos itinerários técnicos adaptados, promover a sua utilização pelos agricultores, são passos fundamentais para a melhoria da produtividade e qualidade da produção de cereais.

A Semente

Os resultados esperados com a escolha de uma variedade bem adaptada às condições específicas de cada caso, só pode ser assegurado pela utilização de uma BOA semente.

A semente deve garantir as características e o potencial da variedade, através de uma elevada taxa de germinação e pela pureza específica e varietal, isto é, pela ausência de misturas de outras variedades ou espécies, garantia da qualidade homogénea da colheita e fator importante da valorização final.

Uma boa semente deve ser igualmente isenta de pragas ou doenças que possam pôr em causa o normal desenvolvimento da cultura.     

A garantia da qualidade das sementes adquiridas é legalmente assegurada pela atual regulamentação sobre a obrigatoriedade de comercialização de sementes certificadas, ou seja, sementes cuja preparação obedeceu a um criterioso acompanhamento técnico desde a origem da variedade até à fase de comercialização, o que significa mais três a quatro anos de multiplicações sucessivas, complexas análises e procedimentos rigorosos.

O profundo conhecimento da variedade, do seu ciclo, capacidade de afilhamento, fertilidade da espiga e peso de mil grãos (PMG) e a garantia da qualidade da semente (semente certificada) pode permitir uma significativa economia no custo da sementeira, sem colocar em risco a produção final.

A tradicional quantidade de semente a utilizar por hectare, cerca de 200 quilos no caso dos trigos, pode ser significativamente reduzida, desde que conhecido o peso de mil grãos e que possamos contar com a garantia da germinação e purezas referidas para a certificação. O peso de mil grãos viáveis pode, para a mesma variedade, sofrer variações superiores a 20%. Por outro lado, uma boa produção (6000 a 7000 quilos de trigo por hectare) pode ser assegurada por cerca de 600/650 espigas por metro quadrado de cultura à floração. Para obter essa população de espigas bastam-nos cerca de 350 grãos por metro quadrado, desde que esses grãos sejam viáveis e de elevada qualidade.

A tabela 1, representa a correlação entre o peso de mil grãos e número de grãos por metro quadrado a semear para obter o indicado número de espigas à floração, podendo-se assim confirmar a possibilidade de economia de semente. Para PMG de 40 gr. e 350 G/m2, 150 quilos de semente são suficientes.

Economizam-se assim cerca de 50 quilos de semente em relação às densidades de sementeira habituais.

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De notar ainda o excelente trabalho desenvolvido pelos técnicos do pólo de Elvas do INIAV, antiga ENMPE, que em anos sucessivos têm demonstrado a possibilidade de uma economia de semente bastante superior, seguindo um esquema de sementeira em «linhas pareadas», ou seja, suprimindo uma linha do semeador em cada três linhas. Atingem assim densidades de sementeira de 110/120 quilos por hectare, mantendo os níveis de produção praticamente sem alteração. Neste caso, há que ter particular cuidado com o combate às infestantes por alguma redução do ensombramento do cereal.

Há que seguir com o máximo rigor possível todo o itinerário técnico de cada variedade. Em particular, na fertilização azotada, número de unidades e repartição ao longo do ciclo; controlo de infestantes e proteção sanitária prevenindo ataques de doenças e pragas.

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