A fileira da castanha em Portugal: uma fileira de oportunidades

A fileira da castanha em Portugal: uma fileira de oportunidades

Por: José Gomes Laranjo, CITAB-Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro | RefCast- Associação Portuguesa da Castanha, ;

A produção mundial de castanha representa atualmente cerca de 1,9 milhões de t (FAO, 2013), das quais cerca de 1,7 milhões de t são produzidas na Ásia, contribuindo a Europa com cerca de 200 000 t. Em termos Europeus, Itália é o maior produtor de castanha com cerca de 50 000 t, sendo Portugal igualmente um dos maiores produtores com cerca de 47 500 t segundo estimativa da RefCast – Associação Portuguesa da Castanha.

Estima-se que a castanha portuguesa possa valer anualmente, cerca de 70 M €, valor pago à produção, podendo ainda movimentar cerca de 30 M € em fatores de produção. A seguir à pêra rocha é o fruto com maior exportação, valendo cerca de 30 M €.

Conforme se pode observar na Figura 1, a área de produção de castanheiro para fruto que era em 1980 de 14 000 ha, duplicou durante a década de 90 (do séc. XX), para cerca de 30 000 ha, sendo atualmente de 35 000 ha.

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Esta notável performance da castanha só é possível graças a um conjunto de pontos fortes que passamos a apresentar. Assim, o fato de a produção portuguesa ser baseada nas variedades nacionais (principalmente Amarela, Bária, Martaínha, Boaventura, Judia e Longal, apresentadas por ordem de maturação da mais precoce para a mais tardia) constitui um importante fator de diferenciação a favor daquilo que é cada vez mais uma marca identitária “Castanha Portuguesa”. Na verdade, a “Castanha Portuguesa” é hoje reconhecida a nível internacional, pela sua qualidade, não só organolética mas também pela excelente aptidão para a transformação industrial, fazendo com que haja atualmente uma forte pressão de procura externa sobre a nossa castanha. Somos, por isso, contrários à introdução massiva nos soutos portugueses de variedades híbridas, que embora sendo bastante precoces e tendo calibres grandes, são muito inferiores em termos das suas qualidades organoléticas.

A qualidade dietética da castanha é indubitavelmente um ponto forte e aptidão tecnológica. Salientamos, o fato de ser apropriada para a alimentação dos doentes celíacos, ter baixo nível de gordura e ser isenta de colesterol. Muitos trabalhos têm sido feitos nesta área, visando a caraterização de variedades, mas também o conhecimento mais profundo das suas qualidades nutritivas e desenvolvimento da aptidão tecnológica, destacando-se neste particular a participação da UTAD, ESAB e IPV. A castanha está assim muito ligada a aspetos de saúde e bem-estar que devem ser realçados. Neste particular, há um longo caminho a percorrer quanto à promoção do consumo de castanha fora da época do S. Martinho, assim como quanto à utilização da castanha na gastronomia.  

Outro aspeto importante tem a ver com a existência de unidades industriais de média/grande dimensão, que ajudam a organizar a comercialização da castanha, quer no nosso país quer ainda para exportação.
Por fim, desde 2013, existe a RefCast (http://www.refcast.pt) que tem dado um forte contributo na organização e desenvolvimento da fileira, juntando no seu seio os produtores, os prestadores de serviços, as associações e cooperativas, a indústria e ainda a investigação, num total de 30 associados fundadores, individuais ou coletivos, do setor público ou privado. A RefCast é membro fundador da Comissão Interprofissional Europeia da Castanha, um órgão criado no seio da AREFLH.

No entanto, a fileira enfrenta algumas ameaças que nos preocupam a todos. Desde logo, as doenças da tinta e do cancro cortical. Estima-se que cerca de 10% dos soutos de Trás-os-Montes (representa cerca de 85% da área nacional) estejam doentes, equivalendo a cerca de 300 000 árvores, ou seja a cerca de 3000 hectares. É um prejuízo considerável, correspondendo a cerca de 6000 toneladas de castanha, que a preços de 2012, podem valer 9 M € /ano. Neste caso, existem algumas soluções que constituem verdadeiras oportunidades. Desde logo, a existência de porta-enxertos híbridos (cruzamentos de C. sativa x C. crenata), Ca90 e ColUTAD, entre outros, resistentes à doença da tinta, sendo portanto altamente recomendável o seu uso nas novas plantações. Estão em curso novos programas de melhoramento (Figura 2), com a participação do INIAV, UTAD, ESAC e BioFIG visando a obtenção de porta-enxertos resistentes assim como a compreensão dos mecanismos envolvidos na resistência à doença.

Relativamente à doença do cancro, que afeta a parte aérea, logo a parte enxertada, não podemos usar material híbrido em substituição. Aqui a solução reside num controlo efetivo por parte dos agricultores, estando a luta biológica através da introdução de estirpes hipovirulentas a ser estudada com apreciável sucesso. Este estudo decorre com apoio de projeto FCT e outro PRODER, em parceria constituída pela ESAB, UTAD, INIAV, Sortegel.

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Ainda em termos sanitários, existe a ameaça do bichado da castanha, uma praga que anualmente pode chegar a dizimar 10 a 25% da colheita. A utilização de luta biológica tem sido experimentada com algum sucesso, tendo trabalhado nesta área a ESAB e a U. Madeira. Eventualmente a melhor solução será um compromisso entre a monitorização através de armadilhas e o controlo químico da praga. A fim de melhorar a monitorização dos soutos, a UTAD e a Cooperativa de Penela da Beira, através de um Vale Inovação, com a colaboração da DGADR, estão a desenvolver um modelo de estação de avisos para o castanheiro.

A proibição pela UE da utilização na Europa de brometo de metilo para desinfestação de castanhas criou uma dificuldade inesperada à indústria. A substituição deste, pela imersão em água quente não parece ser uma solução eficaz, e capaz de satisfazer com rapidez as necessidades de comercialização. Neste âmbito está em curso um projeto de investigação (promovido pela ADI) com participação da ESAB, UM, Agroaguiar, entre outros parceiros, visando a utilização de radiações ionizantes para destruir o bichado e gorgulho da castanha e outros microrganismos que possam estar na castanha.

O desenvolvimento técnico da produção, que levará seguramente a um aumento da produção, é outro ponto fraco a carecer de investigação. Aqui realçamos as questões do maneio do souto, que têm sido alvo de intensa investigação através de vários projetos onde a UTAD tem estado muito envolvida. Referimo-nos às questões da não mobilização do souto, da fertilidade do souto (controlo da acidez, fósforo, cálcio e boro), ensaio de outras formas de condução das árvores (como por exemplo em eixo central ou em palmeta) que levarão a um aumento da densidade de plantação, ou ainda da .... necessidade de se estudar a rega no souto (está em curso um projeto em parceria UTAD/Hubbel Verde/Sortegel).

Neste particular, merece destaque o protocolo estabelecido entre a UTAD e o Município de Sernancelhe para a realização de trabalhos de demonstração e apoio técnico, visando o aumento da produtividade dos soutos do concelho (Figura 3). O protocolo inclui mais de 80% da área de soutos do concelho, estando a decorrer com assinalável sucesso.

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A outro nível referimo-nos à necessidade de realização de programas de melhoramento para as principais variedades. A UTAD em conjunto com INIAV participou no melhoramento da Judia, estando atualmente selecionados 10 clones. Estes, estão já estabelecidos em campo, numa parceria UTAD/Junta de Freguesia Torgueda/Serviruri, estando prestes a entrarem na agricultura.

As alterações climáticas constituem também uma ameaça. Desde logo induzindo uma maior debilidade das árvores, predispondo-as mais às pragas e doenças; favorecendo flutuações consideráveis na produção anual de castanha, em função da quantidade de precipitação do ano e deslocalizando a cultura para zonas de maior altitude no interior de Portugal. Neste particular, a UTAD tem vindo a promover um conjunto de estudos visando conhecer as potencialidades desta espécie, e a utilização de estratégias para mitigar. São o caso da utilização do silício na fertilização como elemento indutor de tolerância ao calor e às doenças. A utilização do Cillus Plus, bioproduto que acelera a mineralização do fósforo orgânico no solo e por esta via a proteção dos castanheiros contra a doença da tinta (Figura 4), ou ainda a utilização de zeólitas, para aumentar o poder de retenção de água do solo.

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A utilização de castanheiros micorrizados, como forma de conferir proteção aos castanheiros contra a doença da tinta, e ainda vir a promover a produção de cogumelos tem sido outra vertente em estudo na fileira, com envolvimento da UTAD, da ESAB e da U. Católica.

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Na tentativa de conhecer biologia do funcionamento do oomiceta e o desenvolvimento de potenciais mecanismos de controlo a partir do solo, também a U. Minho e a U. Algarve têm desenvolvido trabalhos com potenciais agentes bióticos supressivos Merece ainda destaque a existência na UTAD de um dos mais importantes Bancos de germoplasma (Figura 5) de castanheiro do país. Neste banco estão instaladas 34 variedades de castanha de todo o país, constituindo um extraordinário laboratório para o castanheiro.

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