Por: Emanuel Moreda, Estudante da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima
Hoje Portugal, à semelhança de quase toda a Europa, enfrenta uma séria crise estampada a variadíssimos níveis, sentida em todos os sectores socioeconómicos. E a agricultura não foge à regra: o motor tradicional de importância vital nos países da Europa sofre o contágio de tal conjuntura. Perante esta realidade, cabe ao agricultor decidir por que métodos optar no desenvolvimento da sua actividade.
O conhecimento de culturas não muito praticadas no contexto agrícola nacional poderá abrir horizontes em busca da inovação e maior sustentabilidade. Hoje propomo-nos apresentar a beterraba forrageira.
Cientificamente conhecida por Beta vukgaris L., entra no grupo das culturas que em Portugal não têm grande notoriedade mas que, comparativamente com países europeus tais como França, têm vindo a marcar importante presença na alimentação animal, já ao longo de vários anos.
Esta raiz tuberosa da família Chenopodiaceae caracteriza-se por ser um alimento apropriado ao arraçoamento de vários animais, servindo a ovinos, caprinos, equinos e até suínos, mas é para os bovinos que a beterraba forrageira tem maior interesse, – tanto na produção de leite como de carne.
Sob o ponto de vista do agricultor, a cultura da beterraba forrageira, embora exija algum conhecimento especializado traz, mesmo assim, grandes vantagens, entre as quais se destacam a grande quantidade de matéria seca (MS) produzida por hectare, a relativa resistência da cultura a más condições climatéricas em relação a outras culturas forrageiras, a adaptação a vários climas e, ainda, a possibilidade de total mecanização.
A descrição de algumas características, bem como as técnicas de cultivo utilizadas na produção da beterraba forrageira parece pertinente. A beterraba destinada à alimentação animal possui diferenças em relação à que se destina à alimentação humana. Com efeito, a primeira, dita beterraba forrageira, apresenta uma raiz mais volumosa, um desenvolvimento foliar visivelmente inferior e, ainda, um porte mais pequeno do que a segunda, chamada beterraba sacarina.
O teor de MS é um dado de extrema importância quando se pretende obter um alimento de qualidade para administrar aos animais. Neste sentido, ao longo do tempo, a selecção direccionou-se para as variedades de beterraba mais ricas em MS. Estas beterrabas podem apresentar um peso de MS cerca de 15% a 25% a mais, em relação a outras variedades de beterraba, desde que as técnicas culturais sejam bem escolhidas.
Deste modo, no quadro 2 estão evidenciadas as principais variedades de Beterraba forrageira cultivadas para a alimentação animal, as quais se dividem em três grupos, de acordo com o seu teor em MS.
As variedades do terceiro grupo, apesar de possuírem uma percentagem de MS mais elevada podem, quando dadas em grande quantidade, ser prejudiciais na alimentação dos ruminantes devido ao seu elevado teor de açúcar. Este componente tem influência, portanto, na digestão dos animais, por interferir com a flora microbiana do rúmen e por provocar um efeito laxante. Assim sendo, o grupo das forrageiras-sacarinas, segundo estudos realizados nesta área, é o que melhores resultados permite quando em rações de bovinos.
As sementes de beterraba
Apresentam-se, normalmente, agrupadas em glomérulos de até três sementes, pelo que na sementeira profissional se devem usar sementes isoladas e não tal como obtidas na planta. A semente é muito pequena, logo, é importante o solo, à superfície, ser fino de modo a que a germinação e subsequente emergência da planta seja mais fácil e, em profundidade, o solo deverá ser solto, para que a raiz se desenvolva devidamente. Quanto ao pH, a espécie em questão necessita de valores entre os 6,5 e 7, pois valores de pH ácidos podem comprometer seriamente a produtividade.
Nesta cultura o método mais utilizado é a sementeira directamente no campo, embora a transplantação de plântulas seja uma opção válida quando a área é exígua. A sementeira deve ser feita na Primavera, e tão cedo quanto possível, logo que o solo atinja temperaturas entre 7°e 10° C.
As sementes, nuas ou revestidas, devem ser monogérmicas, ou seja, uma semente dará origem a uma só raiz, assegurando, assim, a permanência desta no lugar definitivo desde o início. A colocação das sementes no solo, por sua vez, deverá ser executada através de um semeador de ar ou mecânico, até uma profundidade de 2 a 3 cm.
Sementeira feita com uma distribuição homogénea
Geralmente tem-se como meta a densidade de 120 a 130.000 plantas/ha, considerando que a taxa de germinação deve ser em torno de 90%.
Se possível, a colocação de estrumes no solo é benéfica – recomendando-se cerca de 30 a 40 toneladas por hectare, aplicados ao solo no início do Inverno. Quanto a fertilizantes e minerais, as quantidades a aplicar variam bastante, dependendo directamente da anterior colocação ou não de estrumes. Interessa, ainda, salientar a sensibilidade desta cultura às carências de boro no solo sob pena de ocorrerem doenças fisiológicas causadoras de grandes estragos, como, por exemplo, o coração oco. Pertinente será dizer, ainda, que a preparação prévia do solo com estrumes poderá limitar esta deficiência. O quadro seguinte (Quadro 3) representa um exemplo de fertilização mineral, tendo em consideração a deposição de estrumes.
O primeiro indicador de que as beterrabas estão prontas a ser recolhidas do solo, é quando se observa o amarelecimento da base das folhas. No entanto, o processo de recolha poderá ser atrasado, uma vez que a planta possui a capacidade de se conservar no solo por mais algum tempo.
Caso existam meios, a colheita poderá ser totalmente mecanizada. No entanto, o procedimento manual também será uma opção no mini-fundio. Deverá ter-se, também, em consideração a delicadeza de todo este processo, de modo a evitar o escalpamento das plantas e, assim, criar as melhores condições para o seu armazenamento posterior.
Por sua vez, o armazenamento é realizado em silos, sendo, na situação mais rudimentar em montes de beterrabas cobertas por uma capa de palha (cuja função é a de proteger as raízes do frio) e ainda uma lona de plástico. Convém ainda ter em consideração arejamentos periódicos de forma a evitar a fermentação. Cumpridas estas regras de armazenamento, a qualidade das beterrabas é assegurada até um máximo de 6 meses.
Na fase inicial de desenvolvimento será de extrema importância evitar as infestantes, pois estas poderão comprometer o crescimento inicial da cultura, ao competir directamente com nutrientes do solo. Em fases mais tardias do desenvolvimento ao nível de pragas, a Beta vulgaris L. poderá ser alvo de ataque de, principalmente, afídios e nóctuas. Ao nível de doenças, o caso mais perigoso é a cerospoporiose. Qualquer distúrbio provocado por estes inimigos poderá ser prevenido/solucionado com relativa facilidade através de recursos existentes no mercado, nomeadamente químicos de acção especializada.
A beterraba forrageira tem várias vantagens quando comparada com outras forrageiras, entre as quais, o facto de ser um alimento com grande capacidade digestiva para os animais, levando-os a consumir mais palha ou seja, maiores quantidades de fibras. Embora seja pobre em proteínas, esta deficiência pode ser colmatada com a associação de produtos proteicos (por exemplo luzerna) à ração. Por outro lado apresenta-se como um excelente lactígeno, daí o seu interesse na incorporação no racionamento de bovinos de produção de leite. Ainda em termos comparativos, toma-se como exemplo o milho – uma das culturas forrageiras mais produzidas no País para alimentação animal – para acrescentar que a beterraba forrageira detém valores energéticos ligeiramente superiores. No entanto, não funciona como um substituto do milho, antes um complemento da dieta.
Para efeitos mais práticos, a Beta vulgaris L. é um alimento apetecível aos animais que poderá ser administrado fresco ou em silagem, de acordo com a dieta estabelecida. Assim sendo, no caso dos bovinos, este alimento poderá incorporar dietas desde cedo – sensivelmente a partir dos três meses de idade – em quantidades que aumentam gradualmente desde 4 kg (0,6 kg de MS) até um máximo de 40 kg (6 kg de MS) por animal, por dia, valor que não deverá ser ultrapassado, uma vez que a beterraba é rica em potássio, elemento este que produz efeitos laxantes.
No momento em que a agricultura portuguesa carece de um sério virar de página, devido à cada vez maior competitividade no agro-sector, é oportuno levar até ao agricultor mais informação, para que encontre novos meios que respondam às suas reais necessidades. A beterraba forrageira poderá ser uma cultura interessante no contexto nacional.
Por vezes, o arrojo e a ousadia de escolher/praticar algo diferente daquilo que é comum pode, eventualmente, trazer algumas vantagens. Cabe ao agricultor escolher a forma de dinamizar/rentabilizar a sua actividade, nomeadamente aproveitando um “saber-fazer” herdado da cultura da beterraba sacarina, que se encontra em declínio no nosso país.