40ª Ovibeja: "Precisamos de um ministro da Agricultura que dialogue com os agricultores", declara Rui Garrido

Entrevista a Rui Garrido | Presidente da Comissão Organizadora da 40ª Ovibeja

Nos 40 anos da OVIBEJA | "Precisamos de um ministro da Agricultura que dialogue com os agricultores"

No ano em que completam 40 anos, a OVIBEJA tem como tema principal o Associativismo. Num setor em que “ainda mantemos algum espírito individualista, quando comparado com o que se verifica aqui ao lado, em Espanha”, refere Rui Garrido, presidente da ACOS e da organização da OVIBEJA, o esforço associativo por parte dos agricultores “é indispensável para se ganhar escala e para podermos vender em conjunto”. Num início de ano marcado por uma grande contestação por parte dos agricultores em toda a Europa, mas também em Portugal, as associações do setor estão na expectativa face ao novo governo e ao novo ministro da Agricultura, que os dirigentes da ACOS dizem desconhecer, mas de quem esperam “que saiba ouvir e dialogar com os agricultores”.

OVELHA: Esta é já a 40ª OVIBEJA. É um caminho longo percorrido até aqui…

RUI GARRIDO: Já lá vão 40 anos. Lembro-me que uma das primeiras, se não a primeira, foi ali onde hoje está o Continente, naquela zona. Na altura, ainda não pertencia à ACOS, mas pertencia à Associação de Jovens Agricultores de Portugal (AJAP) e pusemos lá uma barraquinha numa roulotte. Foi basicamente uma exposição de ovinos, com concurso, de que me lembro muito bem.  E daí para cá as coisas têm evoluído, às vezes mais depressa do que aquilo que a gente gostava porque o tempo também vai passando para nós.

O: Nessa altura tinham alguma perspetiva de que a feira se poderia desenvolver até ao ponto em que está hoje?

RG: Eu julgo que ninguém pensava, logo de início, que pudesse tomar esta dimensão. As coisas foram evoluindo ao longo do tempo, mas não foi dum ano para o outro. Na altura, a OVIBEJA coincidia com a Feira de maio, que era organizada pela Câmara Municipal. E, bastante mais tarde, no tempo em que o professor Cavaco Silva era primeiro-ministro, é que foi entregue à ACOS o Pavilhão das Lãs, onde se começou a fazer a OVIBEJA. Mais tarde, ainda, com o PEDIZA, que foi um instrumento que apareceu para apoiar a Zona do Alqueva, conseguiu-se o financiamento para a construção do Parque de Feiras e Exposições, para o qual a Câmara e a ACOS apresentaram um projeto em conjunto que foi aprovado e a partir daí a feira começou a realizar-se aqui.

Entretanto, e até o novo espaço ser uma realidade, fomos alargando a área da feira, ocupando toda a área entre o Pavilhão das Lãs e o futuro Parque de Feiras. São 40 anos, com muita história, e que é também o objetivo deste ano da Ovibeja.

O: Pensar o associativismo agrícola…

RG: Sim, a feira é dedicada ao associativismo, que é um tema muito atual.

O: E a ACOS é uma referência nesta temática.

RG: Uma grande referência. Havia já uma associação de agricultores em Beja, que era a Associação de Agricultores do Baixo-Alentejo (AABA), mas que não estava muito vocacionada para a pecuária, uma vez que na altura havia problemas graves que tinham a ver a Reforma Agrária, a entrega de terras, com terras ocupadas, etc., e a associação estava mais virada para intervir nestas áreas e também nos temas relacionados com os cereais. Por isso, houve um grupo de pessoas que sentiu que havia a necessidade de criar uma outra associação, com as características da ACOS, mais virada para a questão da pecuária.

O: Mas o âmbito da ACOS alargou-se posteriormente a outras áreas da atividade agrícola?

RG: Sim. Embora a maioria dos associados da ACOS ainda sejam produtores pecuários, a determinada altura sentimos que a associação estava a crescer, havia novos associados que nem sequer tinham gado, e que a agricultura aqui na zona tinha perspetivas de desenvolvimento com o Alqueva, e, por isso, houve a necessidade da associação mudar os seus estatutos para que se tornasse mais abrangente. Hoje em dia temos muitos associados, entre os quais eu também me incluo, que nem sequer são produtores pecuários.

O: A região tem perdido peso na produção pecuária?

RG: Não. A pecuária tem um peso enorme quer no Baixo-Alentejo, quer no Alentejo em geral. Nós não nos cansamos de repetir que 85% da Superfície Agrícola Útil do Alentejo é sequeiro e que as terras não regadas continuam a ter um grande peso em toda a região. Como se compreende, no sequeiro estão basicamente explorações agropecuárias e florestais e se queremos manter atividade e pessoas no mundo rural, em zonas de sequeiro e de solos mais fracos, este tipo de explorações é indispensável. Por isso, este peso vai manter-se e queremos até fortalecê-lo para reforçar a presença humana no meio rural.

O: Voltando ao associativismo, costuma-se dizer que os agricultores são muito individualistas. Mantêm essa característica ou os níveis de associativismo têm aumentado em Portugal?

RG: Felizmente as coisas têm evoluído, mas mais lentamente do que aquilo que nós gostávamos. Hoje temos muitos contatos com parceiros espanhóis com quem comercializamos a lã, borregos, bezerros, compramos-lhes rações, etc. Temos grandes parcerias com os nossos vizinhos espanhóis da Andaluzia e da Extremadura e verificamos que, sobretudo no setor da agropecuária, estamos a anos-luz. Eles evoluíram muito mais e comercializam em conjunto muito mais do que nós. Incomparavelmente. Por cá, há casos de sucesso, mas as coisas fazem-se muito lentamente e ainda mantemos algum espírito individualista.

O: E como é que se manifesta esse individualismo?

RG: Por exemplo, fazemos leilões de bovinos aqui na ACOS, uma vez por mês, durante todo o ano. Havia leilões em Montemor-o-Novo e em Évora, mas sentia-se a necessidade, que muitos associados nos faziam chegar, de se fazerem também leilões aqui em Beja. Começámos a realizar esses leilões aos quais muitos dos nossos produtores foram aderindo. Há até associados que não vendem de outra forma, que não seja através da ACOS. Mas, não acontece assim com todos, alguns dos quais, sempre que podem, vendem por fora. Temos animais suficientes para fazer leilões quinzenais. É uma crítica que fazemos aqui na ACOS e que é um exemplo desse individualismo que ainda se manifesta. Muitos de nós, só quando nos sentimos apertados é que nos lembramos de que o associativismo é importante. E é importante aos mais variados níveis.

O: Quais?

RG: É importante para a gente ganhar escala, é importante para podermos vender em conjunto, para nos habituarmos a confiar nas nossas associações e cooperativas. Eu, por exemplo, fui um produtor de cereais até há pouco tempo, mas entregava o que produzia na Cooperativa de Beja e nem perguntava quando ou quanto ia receber. Nem eles sabiam. Só depois de venderem ao melhor preço possível é que pagavam aos seus cooperantes. Mas é um caminho no qual temos ainda muito que percorrer e daí este tema da OVIBEJA, quando completa 40 anos, ser tão atual.

Ainda há pagamentos que não foram feitos

A nível agrícola, os primeiros meses do ano foram marcados por muita contestação por parte dos agricultores, um pouco por toda a Europa, mas também em Portugal. Os motivos para a contestação já foram sanados ou apenas conheceu uma pausa?

RG: Os problemas ainda subsistem. As manifestações na Europa começaram por várias razões, algumas delas diferentes da contestação em Portugal mas, que tiveram uma influência muito grande nestes movimentos espontâneos que surgiram levando-os a agir de forma semelhante.

A grande contestação tinha a ver com a concorrência desleal relativa à entrada de produtos de fora da União Europeia e que chegam mais baratos porque não são produzidos com as mesmas exigências ambientais a que estamos obrigados na Europa. As referidas obrigações são para cumprir, mas depois importamos produtos de toda a parte, sem que essas mesmas exigências sejam impostas a esses países. Há, portanto, aqui uma grande hipocrisia a que a Comissão Europeia tem de pôr fim.

O: E por cá, havia exigências específicas?

RG: Este tema também existe aqui, mas ao nível português a contestação foi reforçada pelo não pagamento de ajudas. E isto foi a gota de água que entornou aqui o caldo. Em síntese, o não pagamento de 25 por cento de ajudas à produção integrada e de 30 por cento à produção biológica, esteve no centro dos protestos dos agricultores portugueses. O PEPAC vai ter que ser alterado e estruturado, uma vez que foi terminado à pressa e já no ano passado estava desajustado por não ter em conta uma série de questões relacionadas a pandemia, o aumento brutal dos fatores de produção, etc., sendo mais negativo para os agricultores do que a PAC anterior, porque trouxe menos ajudas.

O: Que se traduziam em quê?

RG: Antigamente o Regime de Pagamento Único (RPU) tinha duas componentes: a componente do RPB (Regime de Pagamento Base) e uma componente mais ambiental que era o Greening, e as ajudas eram divididas – 60% para um lado e 40% para o outro, respetivamente. Com esta PAC o Greening desapareceu, mas continuámos obrigados a manter a mesmas regras ambientais, mas sem qualquer tipo de compensação. Para os substituir foram criados os chamados ecorregimes, onde estava integrada a produção integrada e a produção biológica. Naturalmente que os agricultores aderiram em massa superando em muito as candidaturas esperadas. Foi anunciado por isso que iria haver cortes, naqueles dois ecorregimes, mas também nas ajudas às pastagens. A juntar ao que estava a acontecer na Europa, o desmantelamento do Ministério da Agricultura, a sua perda de importância e de imagem, a confusão e dificuldade que foram as candidaturas, etc, fizeram com que os agricultores reagissem.

O: Os protestos, entretanto, pararam por a situação ter sido minimamente resolvida?

RG: Houve logo negociações, nomeadamente numa reunião entre a CAP e o anterior primeiro-ministro António Costa, em que foi prometido que as ajudas iriam ser totalmente pagas. Mas no momento em que estamos a falar (início de abril) tal ainda não aconteceu. A antiga ministra também reuniu com os vários movimentos em protesto, onde manteve as promessas, embora sabendo nós que provavelmente já não iam ser cumpridas no seu tempo de governação.  Cabe agora ao novo governo dar os passos necessários para a revisão do PEPAC e garantir os pagamentos em falta não só para este, como também para os próximos anos.

Esperamos que o novo ministro saiba ouvir a produção

O: Qual o posicionamento da ACOS face a este novo ministro que parece não ter grandes pergaminhos no que ao setor agrícola diz respeito? Que expectativas têm?

RG: Nós não conhecemos este novo ministro, só sei o que li na comunicação social. Tem sido eurodeputado, conhece bem como funcionam as negociações, o que é importante. Julgo que é um homem fora da agricultura, mas também já me disseram que é uma pessoa que sabe ouvir e é isso que pretendemos agora. Queremos que haja um ministro que saiba ouvir a produção, que saiba falar connosco, que saiba escutar os nossos problemas e que, juntamente connosco, encontremos soluções. É isto que esperamos deste novo ministro e é isso que esperamos de qualquer ministro da Agricultura.

No ano passado, nem o governo, nem a anterior ministra da Agricultura, foram convidados a visitarem a OVIBEJA. Agora com a OVIBEJA à porta, será uma boa oportunidade para os agricultores alentejanos conhecerem o novo ministro.

RG: Esperemos que venham. Este ano fizemos questão de convidar o primeiro-ministro e o ministro da Agricultura. No ano passado não convidámos pelas razões que explicámos na altura, mas este ano queremos tê-los cá e queremos conversar com eles, naturalmente, e apresentar-lhes as questões que temos em aberto. E que são muitas. Desde a reforma do PEPAC, aos problemas mal resolvidos da seca. Além do pagamento das ajudas de que já falámos, e que implicará um reforço anual do Orçamento de Estado em cerca de 60 milhões de euros, iremos seguramente abordar temas que têm a ver com a o investimento na agricultura, a não elegibilidade do olival na zona de influência do Alqueva, a criação de pequenos regadios nas explorações pecuárias, entre outros.

O: A questão da seca ficou resolvida com as chuvas deste ano?

RG: Felizmente este ano tem sido chuvoso. Basta olhar para os nossos campos e para o arvoredo que nem parecem os mesmos. Mas ainda temos deficiências hídricas nalgumas albufeiras, nomeadamente nas situadas mais a sul. Todas elas têm metido água, mas o seu nível estava tão baixo que esta chuva, apesar de benéfica e razoável, não foi suficiente. Este ano ainda não se regou. Mas, no ano passado, em abril, estava-se em plena campanha de rega.

O: Falou há pouco do olival. Os preços altos que se verificam atualmente no setor do azeite são estruturais ou meramente conjunturais?

RG: É conjuntural. O que está basicamente por detrás disto é o facto de nos últimos anos não ter havido azeitona em Espanha devido à seca, com a consequente redução das reservas de azeite. Espanha, que é o maior produtor mundial de azeite, e onde a área de sequeiro é muito relevante com várias centenas de milhar de hectares de olival na Andaluzia, sofreu quebras de produção muito acentuadas, e isso fez aumentar o preço a nível mundial.

O: Este aumento do preço também tem feito reduzir o consumo de azeite. Ou não?

RG: Já está a reduzir o consumo. Esse é o grande problema. Só em Portugal, onde existe tradição no consumo deste produto, a redução no consumo já atingiu os 30%. Isto para não falar noutro tipo de mercados onde o hábito de consumo deste óleo é bastante inferior. Ou seja, pontualmente poderá ser bom para a produção estes preços elevados, mas em termos futuros poderá ter consequências graves.

Graça Carvalho é praticamente da casa

O: Voltando à OVIBEJA, esta 40ª edição mantém o formato dos últimos anos ou apresenta algumas novidades?

RG: Este ano a OVIBEJA tem basicamente a mesma estrutura. Existem apenas pequenas alterações, algumas melhorias que fomos introduzindo. Por exemplo, vamos ter uns ecrãs gigantes este ano na feira, que transmitirão os concertos à noite, e durante o dia passarão publicidade dos patrocinadores e todo o tipo de informações úteis. Uma outra novidade tem a ver com a criação de um espaço localizado no pavilhão do cante onde será montado um pequeno palco para artistas locais, de Beja e arredores, poderem atuar entre as 18h30 e as 20h00. Foi algo que já aconteceu na OVIBEJA e que decidimos retomar. No campo da Feira será instalado um bar de apoio aos expositores, bem como uma Tenda – Pavilhão de Inovação e Tecnologia - onde acontecerão várias realizações relativas aos Centros de Competências, tais como demonstrações de novas tecnologias e colóquios sobre temas da atualidade.

O: E como é que foi a adesão de expositores à OVIBEJA este ano?

RG: A feira está cheia. Este ano temos mais expositores do que o ano passado e, desde o início das inscrições, que notámos essa afluência muito grande. Esperamos, por isso, que esta seja uma grande OVIBEJA, com destaque também para a habitual zona de exposição, a realizar no mesmo local do ano passado, este ano dedicada ao tema do associativismo e à história da ACOS e da Ovibeja. Perto dessa área haverá também um pavilhão do PEPAC que irá dispor igualmente de vários materiais sobre o associativismo.

O: E o preço dos bilhetes de entrada mantém-se este ano?

RG: Mantêm-se os preços de entrada. E, por tudo isso, esperamos uma grande OVIBEJA, assim o tempo nos ajude. Tem chovido até agora suficientemente para que possamos desejar uns bons dias de sol durante os seis dias da nossa grande feira.

O: Já disse que tinham sido enviados convites aos membros do governo. Beja volta a ter uma ministra no novo elenco governativo, Maria da Graça Carvalho, que até agora ocupava o cargo de deputada no Parlamento Europeu, é a nova ministra do Ambiente e Energia, depois de ter sido, no governo de Durão Barroso, ministra da Ciência e Ensino Superior. Sendo de Beja, é alguém com quem a ACOS espera poder contar para um maior diálogo?

RG: Sim, com certeza. Mas há uma outra ministra que também está ligada a Beja e que andou aqui no liceu, que é a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco… Mas relativamente a Graça Carvalho tem uma pasta que conhece muito bem e a cujos assuntos, mesmo em termos europeus, se tem dedicado muito. Já foi ministra e tem muita experiência. Conhece muito bem a OVIBEJA e temos expectativas elevadas para o seu desempenho e desejamos-lhe as melhores felicidades.

O: E vai estar na OVIBEJA?

Sim. É praticamente uma pessoa aqui da casa, já falámos com ela, já confirmou a sua presença e, como tal, em tudo o que precisar de nós, também estaremos dispostos a ajudá-la, dentro das nossas possibilidades, naturalmente.

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