Produção de Alimentos

Este é um tema recorrente, focado cada vez com maior incidência. Embora o tenha sempre presente, nos últimos dias, em dois eventos aos quais tive oportunidade de assistir, a importância e relevância do tema ficaram mais fortemente vincadas. No dia 5 de fevereiro, em Tours (França), realizou-se a 17ª Jornada da Fileira do Trigo duro («17ème Journée Filière Blédur») e no dia 11 e 12 deste mesmo mês decorreu em Lisboa o X Congresso Nacional do Milho.

Em qualquer destes eventos, o problema da necessidade crescente da produção de alimentos para satisfazer as necessidades da população mundial, bem como a sua distribuição/comercialização, estiveram em plano de destaque.
No evento que ocorreu em França, a comunicação intitulada “Trigo no coração das questões geoestratégicas globais” proferida por Sébastien Abis (CIHEAM – Centre International de Hautes Études Agronomiques Méditerranéennes / IRIS – Institut de Relations Internationales et Stratégiques) foi particularmente interessante, mas também preocupante. A importância da produção endógena de cada país, de modo a diminuir a sua dependência externa é determinante, não só do ponto de vista económico, como estratégico. Considerando o que foi referido, gostaria ainda de destacar o seguinte:

  • vivemos uma nova geopolítica dos recursos, decorrente de desigualdades socioeconómicas e espaciais e falhas dos sistemas de governança. Por outro lado, o crescimento económico e da população e os problemas ambientais ao nível dos solos, da energia e especialmente da água, com riscos de escassez, revoltas sociais, anseios e conflitos;
  • assistimos a grandes desigualdades globais no trigo; de 1914 a 2014 a população mundial foi multiplicada por 4, enquanto que o consumo e produção de trigo se multiplicou por 7. A produção tem respondido à procura, mas entre 1998 e 2013, um ano em cada dois, o consumo foi superior à produção. O trigo ocupa 225 milhões de hectares, o que equivale a 15% das terras cultivadas e à superfície da Argélia. Dez países suportam 80% das terras de trigo e 85% da produção. A Europa Comunitária (28 países), em conjunto com a China, produzem mais de 100 milhões de toneladas (40%) do total mundial, mas com grande disparidade de rendimentos e variações interanuais;
  • a procura de trigo duplicou depois dos anos 70, sendo consumido atualmente por 2,5 a 3 mil milhões de pessoas. Em 2050, o consumo per capita anual será de 160 kg de cereais, com um expectável maior consumo na Ásia e na África, o que se poderá traduzir numa necessidade de produção de mil milhões de toneladas;
  • atualmente temos 1,8 mil milhões de jovens entre os 10 e os 24 anos, sendo que 90% vivem em países em vias de desenvolvimento;
  • o comércio é necessário porque a produção está concentrada. Hoje, um homem em seis depende dos mercados internacionais para cobrir as suas necessidades alimentares e, em 2050, será metade da humanidade. Como tal, precisamos de produzir, preservar, inovar e repartir.
    Para Sébastien Abis é uma grande sorte para um país ter a possibilidade de produzir trigo. O orador referiu várias vezes que era muito importante que os políticos e a população francesa tivessem bem presente a sorte que têm em ser um país produtor de trigo (até comparando à sorte que é um país ter petróleo…).
    Na comunicação que apresentou no X Congresso Nacional do Milho intitulada “Os novos desafios que se colocam à agricultura mundial”, Hélder Muteia, Representante da FAO em Portugal/CPLP, adicionou mais alguns elementos que merecem ser assinalados. A relação entre a demografia e alimentação em 2050, aponta para o seguinte:
  • a população mundial atingirá 9,2 mil milhões de pessoas (70% da população urbana);
  • aumento da procura de alimentos, de 2,1 para 3 mil milhões de toneladas de cereais e de 270 para 470 milhões de toneladas de carne;
  • 60% de aumento global da produção agrícola;
  • apenas 20% de potencial expansão sustentável dos terrenos agrícolas.

Por outro lado, os sistemas alimentares modernos caracterizam-se por:

  • maior produção alimentar da história;
  • má distribuição (falta para uns, excesso para outros);
  • maior pressão sobre os recursos naturais (água, solo e biodiversidade);
  • alargamento da cadeia de valor (agroindústria);
  • 1/3 dos alimentos produzidos é desperdiçado.

Perante estes elementos e considerações não há dúvida de que se torna imperioso aumentar a produtividade (novas variedades), conquistar terrenos não utilizados devido a stresses abióticos (biotecnologia), diversificar a produção, utilizar de forma mais eficaz e sustentável os recursos naturais, bem como melhorar a eficiência de utilização fatores de produção (agricultura de precisão, robotização).

O caminho que é necessário percorrer para atingir estes objetivos será obrigatoriamente assente num trabalho de intensa cooperação entre todos os agentes das fileiras (produção, investigação e indústria), desenvolvendo projetos de investigação aplicada com transferência de conhecimentos e tecnologia, por forma a uma utilização racional e eficaz do dinheiro público e privado disponível para o efeito.

In Grandes Culturas nº 4 (Editorial).

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