Organizações de produtores: nova portaria traz simplificação administrativa

No início do mês de junho de 2015 foi publicada, em Diário da República, a portaria 169/2015, que regulamenta as novas regras para as Organizações de Produtores (OP). O documento contempla as condições de estabelecimento para as OP em todas as áreas de produção agrícola e traz uma novidade: os agrupamentos de produtores.O Agronegócios foi perceber o que muda com o documento. A CAP - Agricultores de Portugal, a Federação Nacional das Organizações de Produtores de Frutas e Hortícolas (FNOP) e Bruno Santos, da Loja do Agricultor, refletem sobre as mudanças em curso no setor.

produtos agricolas

João Machado, Presidente da CAP, começa por dizer que a portaria que regulamenta o reconhecimento das organizações e agrupamentos de produtores e suas associações, «vem permitir que possam novamente ser reconhecidas estas estruturas, as quais visam a concentração da oferta e a colocação no mercado da produção dos seus membros».

«Esta portaria apresenta uma mais-valia significativa ao nível da simplificação administrativa, uma vez que concentra num só diploma as duas portarias anteriores, que abrangiam o setor das frutas e hortícolas, por um lado, e os restantes setores e produtos, por outro», refere, acrescentando que «a harmonização das regras de reconhecimento das organizações de produtores para todos os setores de atividade é um ponto positivo a assinalar».

Por outro lado, João Machado afirma que «a criação da nova figura dos agrupamentos de produtores, como estádio intermédio para o reconhecimento do estatuto de organização de produtores – para todos os setores e produtos exceto o das frutas e hortícolas – constitui um fator positivo que devemos reconhecer, pois os requisitos mínimos relativos ao número de produtores e ao valor da produção comercializada, necessários para esse reconhecimento, são menos exigentes, podendo o agrupamento, no período de três anos atingir os requisitos necessários para o reconhecimento como organização de produtores».

Ainda assim, «embora se reconheça a relevância do objetivo da concentração da produção, os valores mínimos de produção comercializada exigidos para o reconhecimento de agrupamentos e organizações de produtores são elevados para alguns setores e regiões do país, o que pode tornar difícil a sua constituição», sustenta o presidente da CAP.

Também a FNOP, pela voz da responsável Alexandra Diogo, afirma que no que diz respeito à portaria, «e tendo em conta o setor das frutas e hortícolas, consideramos que de base não foram introduzidas grandes alterações relativamente à anterior legislação mas a Federação congratula-se por esta portaria clarificar algumas situações mais dúbias e simplificar procedimentos».

«Como aspetos positivos podemos também salientar, o aumento dos requisitos mínimos relativos ao número de produtores e ao valor da produção comercializada para o setor no geral (o que poderá conduzir à fusão de algumas das Organizações já existentes e à criação de Organizações de Produtores de maior dimensão) e a separação dos pequenos frutos e das plantas aromáticas e medicinais (PAM) das frutas e hortícolas no seu todo, o que lhes permite terem requisitos mínimos de reconhecimento menos exigentes», argumenta a FNOP.

Como aspetos negativos, a FNOP realça o facto de «os valores mínimos de produção comercializada estabelecidos não terem tido em conta todas as assimetrias existentes no território nacional, quer em relação ao grau de organização do setor nas diferentes regiões do país quer em relação a determinados produtos, neste último caso consideramos que além dos pequenos frutos e das PAM, mais produtos deveriam ter tido um tratamento diferenciado (exemplo cogumelo)».

«Podemos ainda referir como aspeto negativo, a redução de 1/3 para 20% do máximo que um membro produtor pode deter direta ou indiretamente do capital social ou de direitos de voto, o que irá obrigar a reestruturar algumas das Organizações de Produtores já existentes, sem contrapartida visível no funcionamento das mesmas», conclui Alexandra Diogo.

Impacto no setor do vinho

Bruno Santos, consultor de Gestão Especializada em assuntos Agrícolas, Agroambientais e Associativos da Loja do Agricultor, fala, por seu turno, do impacto da legislação ao nível das organizações de produtores de vinho.

vinho

Começa por dizer que «a organização da produção em Portugal carece de grande envolvimento para o desenvolvimento, sendo uma fragilidade reconhecida pelos organismos nacionais e comunitários».

«Havendo um envelope comunitário próprio para o setor do vinho não deverá levar à penalização das adegas cooperativas e dos seus associados,por já há muito estarem organizadas conforme é pretendido para outros setores, através do aumento descabido dos limites minimos de volume de produção comercializada que comprometem o acesso ao reconhecimento como OP’s da grande maioria das adegas cooperativas», realça.

Um objetivo bem definido para o período 2014-2020 «traduz-se em aumentar significativamente a produção comercializada através de OP’s, atingindo em 2020 os quantitativos médios europeus», recorda Bruno Santos.

Para alterar o cenário atual, defende, «são identificadas fragilidades e estratégias para dotar o setor de valias, de forma a atingir os objetivos delineados».

Quanto à promoção da organização das cadeias alimentares, de forma a aumentar o poder negocial dos produtores primários na cadeia alimentar«poderá passar por investimentos nos sistemas de qualidade e de apoio à criação de mercados locais e de cadeias de abastecimento curtas».

Para o consultor, «o modelo de base sustentável com a organização da produção, deverá ter fatores na produção que se transformem em vantagens competitivas no mercado».

Para a concretização destes objetivos, o responsável diz que «os incentivos vão no sentido da melhoria da organização estrutural de modo a: promover a concentração da oferta, através do apoio à fusão/integração de OP’s e ao seu aumento de dimensão; criação de novas OP’s, fundamentalmente nos setores em que não existem(Medida A 5.1 Criação de Agrupamentos e Organização de Produtores); promover a autorregulação, através do apoio às organizações interprofissionais».

Ganhos competitivos

Bruno Santos refere que a «concentração da oferta permite um fortalecimento negocial, permitindo uma simplificação na comunicação e marketing, bem como a capacidade de garantir padrões de qualidade uniformes, diminuindo substancialmente os custos de produção e comercialização, traduzindo-se em ganhos imediatos e diminuindo os intervenientes em todo o processo comercial».

«Os canais curtos de distribuição permitem ganhos significativos ao produtor, assim como ao consumidor, que além de terem acesso aos mesmos produtos, estes são mais baratos e com a possibilidade de serem de maior qualidade, nomeadamente os produtos frescos. O cumprimento das diversas normas impostas às pequenas explorações é muitas vezes economicamente inviável, só possível com a produção em escala», acrescenta.

O consultor de Gestão Especializada em assuntos Agrícolas, Agroambientais e Associativos afirma que «a descida do peso na produção por parte das estruturas associadas, que no ultimo ano representam 38%, quando representavam em 2004 51%, quantitativo que poderá ser potenciado com a utilização eficaz da “ferramenta” que é a regulamentação para reconhecimento como OP, nomeadamente no que se refere às obrigações dos membros e da própria organização».

Com uma produção média de 28.788,85hl na campanha de 2013/2014, «as 83 adegas cooperativas produzem 1.696.309 hl de vinho com indicação de casta, IGP e DOC, 71% da produção total. De salientar que a tendência de produção é decrescente».

Por outro lado, lembra, «estão registados mais de 2000 operadores económicos produtores, dos quais menos de 5% são adegas cooperativas, mas que são responsáveis por 38% da produção nacional».

Dimensão produtiva das adegas cooperativas

As representações gráficas mostram a estrutura produtiva das adegas cooperativas portuguesas, na campanha de 2014/2015, «onde podemos constatar que 35% da produção é da responsabilidade de 7% das adegas».

adegas

producao

Por outro lado, «31% da produção são da responsabilidade das adegas com produções entre os 15.000hl e os 45.000 hl, que tem a mesma representação percentual no numero de adegas».

Bruno Santos salienta ainda que «52,44% do numero de adegas tem níveis de produção inferiores a 15.000hl, representando apenas 9,88% da produção total das adegas cooperativas».

Por fim, o consultor recorda que o atual enquadramento legislativo, publicado pela portaria 169/2015, «vem alterar a unidade de referência para a dimensão mínima para reconhecimento, dado que antes estava definido o quantitativo em volume de 7.000hl, passando para um valor da produção comercializada de 3.750.000€».

«Se tivermos por base o preço médio por litro apurado pelos elementos do INE, atingirão os quantitativos mínimos 14 adegas com o equivalente superior a 45.000 hl, representando apenas 17% das adegas cooperativas com produção em 2014», afiança.

E explica que «a abrangência subirá aplicando o disposto no art.º 10º, em particular considerando que as adegas cooperativas tem na sua maioria mais de 36 membros produtores».

Outro elemento relevante «é o facto de podermos apurar uma média de 13.200 hl para as adegas com produção inferior a 50.000 hl».

A aprovação de valores excessivos, como mínimos, sustenta, «acarretará prejuízos para o setor, permitindo aniquilar as pequenas cooperativas que garantem a receção da produção de largos milhares de produtores, que de outra forma abandonariam a atividade e produções características de regiões nobres deixariam de estar no mercado de referência dos vinhos portugueses».

Bruno Santos relembra que a grande maioria das adegas cooperativas têm mais de 50 anos de existência e «dada a natureza económica e social destas organizações, a atualização das saídas como cooperadores aquando do abandono da atividade vitícola não é feita em muitos casos, o que faz aumentar o rácio de membros não produtores nos detentores de capital sendo fator impeditivo ao reconhecimento quando esse indicador é superior a 51% de membro não produtores».

Por fim, o consultor diz que a expressão “a união faz a força”, aplica-se num todo «quando nos referimos às vantagens competitivas da organização e concentração da produção».

«Dada a dimensão média das organizações deste setor, segue-se o caminho da concentração estruturada ou da extinção natural», remata Bruno Santos.

Leia mais sobre a nova Portaria aqui:

Publicada Portaria sobre as organizações de produtores 

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