Opinião: Segurança alimentar no âmbito da Covid-19

Artigo de opinião pelo Major Médico Veterinário Pedro Tomás Silva

Pedro Tomás Silva é chefe do Gabinete de Segurança Alimentar da Unidade Militar de Medicina Veterinária do Exército Português. É, também, especialista de Segurança Alimentar do Exército Português no Painel da OTAN “Food and Water Safety and Veterinary Support”.

Major Médico Veterinário Pedro Tomás Silva

No dia 11 de março de 2020, a Covid-19 foi declarada pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Neste seguimento, várias medidas têm sido adotadas para conter a expansão da doença. As medidas no âmbito da Saúde Pública, na prevenção e controlo, são fundamentais para a mitigação da transmissão comunitária do coronavírus SARS-CoV-2, principalmente o distanciamento físico entre as pessoas.

A segurança alimentar compreendeas normas e regulamentos, os sistemas e mecanismos, as ações e comportamentos destinados a proteger os géneros alimentícios de contaminações ao longo da cadeia alimentar, garantindo que não provocam danos ao consumidor. O conceito envolve múltiplos aspetos e tem evoluído ao longo do tempo (Comissão Europeia, 2014).

No âmbito da pandemia da Covid-19, os colaboradores do setor alimentar não têm a oportunidade de trabalhar em casa e garantir o distanciamento físico, mas é sim fundamental que continuem a trabalhar nas diferentes etapas da cadeia alimentar (nomeadamente, na produção, na transformação, no transporte, no armazenamento e na distribuição), para que as pessoas tenham acesso aos diferentes géneros alimentícios e possam sobreviver à pandemia, mas também por forma a garantir a confiança do consumidor na segurança e na disponibilidade dos produtos.

Este setor tem desenvolvido e implementado, de uma forma efetiva, vários sistemas de segurança alimentar e planos de certificação reconhecidos globalmente, nomeadamente a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo (HACCP), o International Food Standard (IFS), o British Retail Consortium (BRC), o National Sanitation Foundation (NSF) e a Foundation for Food Safety Certification (FSSC 22000), baseada nas normas ISO 22000 e ISO 22000-1.

Os planos de segurança alimentar implementados no setor alimentar, que têm na sua base a avaliação do risco de perigos, têm vindo a ser considerados suficientes para garantir a proteção da cadeia alimentar (Banjari, 2018). Neste sentido, será importante que os operadores do setor alimentar, através dos responsáveis dos planos de segurança alimentar, identifiquem o perigo biológico – o coronavírus SARS-CoV-2 – e elaborem a sua avaliação do risco.

Como consequência, e de forma a garantir a segurança alimentar, deverão ser adotadas medidas para proteger os colaboradores contra a Covid-19, impedir a exposição ou a transmissão do vírus e reforçar as práticas de higienização nas diferentes etapas da cadeia alimentar (OMS, 2020).

Segundo a OMS, é improvável que as pessoas se possam infetar pelo vírus da Covid-19 a partir de alimentos ou embalagens de alimentos. A Covid-19 é considerada uma doença respiratória e a principal via de transmissão é o contacto de pessoa a pessoa – a pessoa infetada transmite o vírus através de gotículas quando tosse ou espirra. Até ao momento, não há evidências de que o vírus seja transmitido através de alimentos ou embalagens de alimentos.

Os coronavírus não têm a capacidade de se multiplicar em alimentos; estes vírus necessitam de um hospedeiro animal ou humano para se multiplicar (OMS, 2020). A U.S. Food & Drug Administration (FDA) também considera que não existem evidências de que alimentos ou embalagens de alimentos estejam associados à transmissão do vírus da Covid-19. Ao contrário dos vírus gastrointestinais de origem alimentar, como o norovírus e o vírus da hepatite A, o SARS-CoV-2 é um vírus que causa doenças respiratórias.

A exposição de origem alimentar ao vírus não é considerada como uma via de transmissão (FDA, 2020). O U.S. Centers for Disease Control and Prevention (CDC) considera que não há evidências na transmissão do vírus da Covid-19 através de alimentos e que, apesar de ser possível uma pessoa infetar- se tocando numa superfície ou num objeto contaminado e, em seguida, tocar na boca, no nariz ou possivelmente nos olhos, a transmissão através de alimentos não é considerada uma via de transmissão do vírus, uma vez que este tem uma baixa capacidade de sobrevivência nas superfícies e os alimentos e as suas embalagens demoram, normalmente, dias ou semanas até chegarem aos consumidores (CDC, 2020).

A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), que tem acompanhado de perto a situação do surto de doença Covid-19, refere que não há evidências de que os alimentos sejam uma fonte ou via provável de transmissão do vírus.

A investigadora da EFSA, Marta Hugas, afirmou que: «as experiências de surtos anteriores relacionados com coronavírus, como o do vírus da síndrome respiratória aguda (SARS-CoV) e do vírus da síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS-CoV), demostraram que a transmissão pelo consumo de alimentos não ocorre». O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) considera que, embora os animais na China sejam a provável fonte da infeção inicial, a principal via de transmissão é o contacto de pessoa a pessoa (EFSA, 2020).

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) refere que não há evidências de que o vírus da Covid-19 seja transmitido por alimentos ou por animais domésticos de produção, como galinhas, patos, outras aves, porcos, bovinos, camelos, cavalos, ovelhas, cabras, coelhos, porcos- da-índia ou peixe ou por alimentos de origem selvagem legalmente comercializados, que são seguros para consumo se forem seguidas práticas adequadas de manipulação e preparação.

Todos os tipos de alimentos podem ser potencialmente contaminados pelo contato com equipamentos, superfícies ou ambientes contaminados pelo que, a higienização adequada e a prevenção das contaminações cruzadas são fundamentais no controlo de doenças de origem alimentar. Relativamente aos animais vivos, apesar de poderem ser uma fonte de agentes patogénicos, a aplicação de princípios sólidos de higienização nas instalações, de higiene pessoal e de boas práticas de segurança alimentar no fornecimento de alimentos, reduzem a probabilidade da sua existência, independentemente da sua proveniência, de grandes produtores, pequenos produtores ou da vida selvagem (FAO, 2020).

Apesar de não existirem evidências da transmissão do vírus através de alimentos, pesquisas recentes em laboratório avaliaram a sobrevivência do vírus da Covid-19 em diferentes superfícies e verificaram que o vírus pode permanecer viável até 72 horas em plástico e em aço inoxidável, até quatro horas em cobre e até 24 horas em cartão (van Doremalen N, Bushmaker T, Morris DH et al., 2020).

É imprescindível que o setor alimentar reforce as medidas de higiene pessoal e a formação dos colaboradores, de forma a eliminar ou reduzir o risco de transmissão do vírus a partir de colaboradores infetados, nomeadamente em contacto com as superfícies dos alimentos e materiais de embalagem. Os equipamentos de proteção individual (EPI), como máscaras e luvas, podem ser eficazes no combate à transmissão, mas somente se for utilizado adequadamente.

Além do uso do EPI, os operadores do setor alimentar devem tomar medidas de forma a garantir o distanciamento físico entre colaboradores, a lavagem de mãos e a higienização das instalações e dos equipamentos nas diferentes etapas da cadeia alimentar (OMS, 2020).

A Food Standards Scotland (FSS) apesar de considerar que o risco de infeção do vírus da doença Covid-19 através da cadeia alimentar é muito baixo, uma vez que não existem evidências nesse sentido, considera que, no âmbito dos planos de segurança alimentar, os seguintes riscos devem ser avaliados (FSS, 2020):

O risco dos alimentos estarem contaminados com o vírus – As evidências sugerem que este risco é muito baixo. É improvável que o coronavírus possa multiplicar-se em alimentos, contudo, como em outras infeções, as boas práticas de higiene devem ser seguidas na preparação dos alimentos;

  • O risco dos manipuladores de alimentos estarem infetados – As evidências sugerem que a principal via de transmissão é o contacto de pessoa a pessoa. O setor alimentar deve garantir o controlo dos colaboradores e das instalações de forma a evitar a contaminação dos alimentos e das suas embalagens e das instalações de acordo com os planos de segurança alimentar implementados;

  • O risco dos materiais de contacto dos alimentos estarem contaminados com o vírus – As evidências sugerem que este risco é muito baixo. As boas práticas de higiene devem estar implementadas nas diferentes etapas da cadeia alimentar de forma a reduzir significativamente o risco de contaminação de quaisquer materiais de contacto com alimentos.

  • Num mundo dominado pela globalização, pela urbanização, pelo aquecimento global e pelas mudanças nos hábitos de consumo, a questão da segurança alimentar deve ser uma prioridade para os governos, para os produtores e para os consumidores, sobretudo, pela possibilidade de os alimentos poderem ser contaminados nas diferentes etapas da cadeia alimentar, nomeadamente na produção, na transformação, no transporte, no armazenamento e na distribuição, causando efeitos prejudiciais à saúde (Krivohlavek A, 2018).

Apesar de a OMS considerar que a Covid-19 é uma doença respiratória, sendo a principal via de transmissão é o contacto de pessoa a pessoa, e de as diferentes instituições de referência a nível mundial, como o CDC, ECDC, EFSA, FAO e OMS, referirem que não existem evidências de que o vírus é transmitido através de alimentos ou embalagens, é fundamental que os operadores do setor alimentar sejam responsáveis por garantir medidas para fazer face a esta pandemia, nomeadamente, garantir o distanciamento físico entre colaboradores, a lavagem de mãos e a higienização das instalações e dos equipamentos nas diferentes etapas da cadeia alimentar.

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