Opinião: É preciso pagar pensões

Por: Manuel Rui Azevedo Alves

Diretor, Professor Coordenador

Grupo de Engenharia Alimentar 

Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Este editorial está a ser escrito no auge dos debates, comícios e arruadas para as eleições legislativas que se avizinham. Entenda-se para memória futura: as eleições que decorrerão em Março de 2024. Quis o destino que eu desenvolvesse a minha vida profissional na área alimentar, inicialmente muito dedicada a trabalho com a indústria, e depois com particular relevo para a formação de técnicos para a indústria alimentar. Assim, como não podia deixar de ser, interessa-me perceber quais as propostas das diferentes forças políticas para a área alimentar.

Creio que este meu interesse será partilhado por quem ler este editorial. De uma forma ou de outra, os leitores da Tecnoalimentar também dedicaram as suas vidas, ou pelo menos parte delas, à área alimentar. Uns mais interessados na política, outros menos, todos teremos algum interesse em perceber o que pensam os nossos futuros governantes sobre esta área e quais as suas propostas.

É certo que a campanha para as legislativas ainda não acabou. Também é verdade que não assisti a todos os debates, nem vou tendo paciência para andar nas campanhas. Muita coisa pode ter-me escapado. Mas, até hoje, não me foi dado perceber que discutir políticas para a área alimentar tenha sido uma preocupação.

No entanto, já assistimos a muitas discussões. Já vimos muitas abordagens sobre o sistema nacional de saúde e propostas políticas para apaziguar médicos e enfermeiros. Já vimos discussões sobre a segurança pública e propostas para apaziguar polícias e guardas. Já se discutiu o ensino e educação, avançando soluções para apaziguar os professores. Já presenciámos conversas sobre a justiça e ideias para apaziguar os funcionários judiciais. Vemos falar dos jovens e de propostas para lhes facilitar a vida. Ou seja, já vimos os políticos a falar, ou ter de falar, sobre os grupos sociais que se têm manifestado nos últimos anos com veemência, e que têm poder para, de alguma forma, ocuparem o espaço comunicacional e fazerem chegar até nós os seus problemas e preocupações.

E depois há aquele "leitmotiv" que não pode ser ignorado pelos políticos em campanha: as pensões dos reformados. Estes não precisam de se manifestar, basta-lhes o facto de ser cada vez maior o seu número e consequentemente a importância do seu voto! Por isso não admira que a campanha esteja muito acesa no que toca aos reformados.

Mas também vimos, nos últimos tempos, agricultores que se manifestaram por este e outros países da Europa em que vivemos. Percebemos que houve algumas estradas cortadas, aqui e ali umas fronteiras onde o trânsito foi dificultado, e… por cá mais nada! E não me foi dado perceber que as manifestações dos agricultores tivessem provocado um impacto que levasse os políticos a abordar a área alimentar na campanha. Porquê? Só posso dar uma opinião pessoal. Todos temos a percepção que não precisamos dos agricultores. Se não houver agricultores, importa- se de outros lados. A indústria alimentar não tem matérias-primas? Não faz mal, importam-se. Na verdade, também podemos perguntar se precisamos de indústria alimentar. E pela mesma ordem de razão, a resposta é óbvia: também não, se não a tivermos, importa-se o que precisarmos para comer! Precisamos de estar preocupados? Claro que não, nas prateleiras dos supermercados encontramos tudo aquilo de que precisamos. A fome é a última das nossas preocupações!

Se levarmos este raciocínio ao absurdo, podemos resolver todos os nossos problemas e atender a todos os nossos anseios de forma fácil, consumindo os recursos que outros produzem, quer sejam recursos humanos, quer materiais. Podemos importar coisas, gente e até muitas ideias e soluções. Mas há uma coisa que não podemos importar e que ninguém nos vai dar: as pensões dos reformados, pois ninguém estará interessado em pagar os pensionistas portugueses!

Gostava de ver discutir uma política nacional assente no pressuposto de que é necessário garantir o mais básico: a alimentação. É necessário ocupar o território e produzir alimentos, transformá-los, conservá-los e distribuí-los. O país ficará mais bonito e a população alimentada. Só por si, não chega, mas gostava que todos concordássemos que não há países desenvolvidos sem um sector agro-industrial desenvolvido. Eu não conheço nenhum. E todos os países desenvolvidos têm capacidade para pagar pensões.

Por opção do autor, este texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

Regiões

Notícias por região de Portugal

Tooltip