Opinião: Ainda sobre o melhoramento de framboesas

Opinião de Pedro Brás de Oliveira

Pedro Brás de Oliveira pertence ao Instituto Nacional para a Investigação Agrária e Veterinária (INIAV, I.P., UEIS-SAFSV) e é diretor do suplemento Pequenos Frutos, da revista Agrotec

Pedro Brás de Oliveira

Permitam-me que volte ao tema do melhoramento e que reconheça, aqui, os diferentes professores que me ajudaram a construir o grande interesse por todas as áreas que são importantes para a construção de um programa de melhoramento em pequenos frutos.

Numa primeira fase da minha formação, foram determinantes os conhecimentos, e a sua emotiva transmissão, do saudoso professor Pereira Coutinho e da professora Wanda Viegas, cujas aulas eram escutadas com tal interesse, que o tempo decorria sem que ninguém se apercebesse. Os diferentes temas da genética, do melhoramento e da biologia molecular eram explicados de uma forma simples, mas rigorosa. Foram as bases fundamentais para a compreensão dos processos biológicos inerentes à biodiversidade dos organismos vivos.

Em termos biológicos, a diversidade é fundamental para assegurar a continuidade das espécies. No entanto, em melhoramento, pretendemos obter um indivíduo que consiga combinar todas as características pretendidas, utilizando para tal a recombinação genética que se verifica aquando da união dos gâmetas. Esta recombinação é aleatória, mas compete ao melhorador conhecer bem os progenitores e tentar que o novo indivíduo congregue as boas características de ambos.

O conhecimento das leis da genética que conduzem os processos de recombinação é fundamental, tal como as inúmeras exceções à regra que se verificam, particularmente abundantes no género Rubus. Assim, procede-se à autofecundação, hibridação, retrocruzamentos, entre outros, sempre com o objetivo de combinar as melhores características num único individuo.

A aleatoriedade deste processo obriga à sua repetição, pelo que são utilizados grande número de sementes para assegurar que a probabilidade de se terem verificado todas as recombinações favoráveis aconteceu. Os processos de melhoramento tradicional são os mais utilizados baseando-se, fundamentalmente, na emasculação das flores, onde são retirados todos os estames e os estiletes são mantidos isolados, até se encontrarem recetivos, momento em que são “pincelados” com o pólen do individuo selecionado. Assim se processam os cruzamentos dirigidos.

Hoje em dia existem, também, ferramentas biotecnológicas, os chamados marcadores genéticos, que nos permitem rapidamente saber se um determinado individuo possui, ou não, uma característica desejada.

Todos estes conhecimentos de biologia celular e molecular, genética e melhoramento não nos servirão de muito sem os conhecimentos da agronomia. Chegamos então a uma segunda fase, para a qual fui desperto há muitos anos por um dos maiores melhoradores de pequenos frutos que nos visitou e connosco trabalhou em diferentes projetos ao longo de mais de oito anos, o professor Derek Jennings.

Como excelente melhorador que era, sempre nos incentivou a iniciar um programa de melhoramento em framboesas em Portugal pois, dizia ele, que era no sul da Europa que se devia melhorar as plantas que aí iriam ser plantadas.

À minha argumentação de que não tinha tido formação específica de melhoramento de plantas contrapunha o meu conhecimento da planta e da sua agronomia, dizendo que já tinha mais de metade do conhecimento necessário para o sucesso. Fica evidente que um dos processos mais críticos de qualquer programa de melhoramento é a fase de seleção. A pergunta é selecionar o quê e para quê.

A hierarquização das características pretendidas é onde reside o sucesso ou a derrota do melhorador. Todos aceitamos que uma framboesa deve ser clara, brilhante e grande, ter entre cinco e oito gramas, deve ser resistente ao transporte e ter uma vida útil após-colheita de pelo menos sete a dez dias. Mas o que deve estar primeiro? Um fruto grande sem resistência ao transporte não serve, assim como um fruto com uma grande vida útil e escuro está votado ao fracasso.

Acresce a tudo isto a produção. Menos que 1,5 kg por lançamento não é satisfatório. Mas estamos a falar do lançamento do ano ou do lançamento de segundo ano? Produção de estação ou em fora de época? Este pequeno exemplo exemplifica bem todo o conhecimento agronómico que é necessário para escolher bem os progenitores. Outro ponto importante é a obtenção de plantas sem acúleos.

O professor Jennings dizia-nos que esta devia ser a primeira condição de um programa de melhoramento de framboesas e explicava que era muito fácil de selecionar as plantas ainda na fase cotiledonar.

Folhas cotiledonares com pelos dão lançamentos com acúleos. Assim, também muito do conhecimento advém da prática que é adquirida ao longo dos anos de acompanhamento da cultura.

Falta-nos, ainda, uma terceira componente deste processo de melhoramento, a componente económica. Há trinta anos contavam-se pelos dedos de uma mão os programas privados de melhoramento. Destacava-se o programa de melhoramento da Sweet Briar, hoje Driscolls, e muitas foram as conversas tidas com Carlos Fear, um dos seus exímios melhoradores.

O principal ensinamento que obtive estava intimamente ligado ao que o professor Jennings me tinha dito anos antes, o segredo é selecionar, selecionar, selecionar para o ambiente em que se quer produzir. No entanto, nessa época, esta era uma área tipicamente ligada aos Institutos de Investigação e Universidades, pois era uma atividade muito cara e com resultados a muito longo prazo.

Com o evoluir da cultura e o aumento de consumo, passou a ser claro que o melhoramento era também ele, por si só, um negócio. A obtenção de cultivares exclusivas, em que apenas alguns membros do clube podem aceder, fez com que hoje proliferem inúmeros programas de melhoramento privado. O principal objetivo será o de fugir aos elevados valores que têm que ser pagos na compra das plantas, mas fundamentalmente para a comercialização do fruto.

Surge então a pergunta, porque não se deu início mais cedo a um programa de melhoramento para benefício dos produtores portugueses? A resposta é simples, não existiam! Em 1989 a área de pequenos frutos em Portugal, excluindo a do morango, era inferior a 100 hectares. Quem iria beneficiar desse esforço? Hoje, Portugal já tem mais de 1100 hectares de produção só de framboesa com um mercado de exportação consolidado.

Foi assim, por conhecimento adquirido em todas estas valências e pela conjugação da vontade de Bernardo Horgan, que o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), em parceria com a empresa privada Beira Baga, deram início a um pequeno programa de melhoramento de framboesas (quatro mil seedlings/ano), que se encontra instalado na Herdade Experimental da Fataca, em Odemira.

O conhecimento técnico/científico do Instituto, associado ao conhecimento empresarial, dão-nos garantias de que o programa será bem-sucedido na criação de uma cultivar que estará disponível para os produtores portugueses.

Artigo originalmente publicado na Agrotec 36

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