O setor pratense e forrageiro em análise

Os números atuais estimam que 26% da área terrestre mundial e 70% da área agrícola mundial são cobertos por pastagens e forragens, que contribuem para a subsistência de mais de 800 milhões de pessoas. Estas são uma fonte de bens e serviços (alimentação para animais, habitat para a vida selvagem) promovem a fixação de carbono e água, protegem muitos sistemas fluviais e são importantes para a conservação in situ dos recursos genéticos vegetais.

Prados, pastagens e forragens

Por: Teresa Carita, Investigadora no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), Estação Nacional de Melhoramento de Plantas, e secretária-técnica da Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens (SPPF)

O rápido aumento da população, juntamente com os efeitos das alterações climáticas, têm aumentado a pressão sobre as pastagens do mundo, particularmente em ambientes áridos e semiáridos (FAO, 2019). 

Na Europa, as pastagens cobrem um terço da área agrícola e fornecem uma parte substancial das necessidades de alimentação de ruminantes, da indústria de laticínios e carnes. Além disso, e a acrescentar aos bens e serviços referidos no início deste texto, estes ecossistemas são muito eficazes na prevenção da erosão do solo e de fogos florestais, na construção da fertilidade do solo, requerem o mínimo de uso de pesticidas e contribuem com múltiplos efeitos positivos sobre o meio ambiente e também sobre a paisagem.

Em Portugal, as pastagens e matos representam a segunda categoria mais expressiva de uso do solo (31%), registando um crescimento contínuo da área ocupada desde 1995 (ICNF, 2019). As pastagens permanentes têm visto a sua área aumentada nos últimos anos, em troca com as terras aráveis (perdas de 1,8% ao ano em 2013/16).

Segundo o Recenseamento Agrícola de 2009 (INE, 2009), estas ocupam cerca de 1,8 milhões de hectares (50% da SAU de Portugal), 75% dos quais sem qualquer melhoramento e 25% de pastagens melhoradas por fertilização e/ou sementeiras.

São insuficientes os registos relativos à evolução da ocupação do solo com culturas/misturas forrageiras anuais em Portugal. Atualmente, o INE só contabiliza a superfície ocupada por milho e aveia forrageira. No entanto, anualmente, são semeados muitos campos com misturas forrageiras anuais (sequeiro e regadio) com composições botânicas muito diversas. Segundo os dados da DGAV, entre 2013 e 2017 foram certificados 9.431.371 kg de misturas forrageiras.

Na Região Autónoma dos Açores (RAA) as pastagens, segundo dados do INE (2009), ocupam 88% da superfície agrícola útil. Em 2016, nesta região, produziu- se aproximadamente 33% da produção nacional de leite (Eurosat, 2019). Nos Açores, o sistema de alimentação para produção de leite de vaca é baseado na pastagem, já que há disponibilidade de pastagem ao longo de todo o ano, sendo que ocorrem flutuações de produção em função das condições edafoclimáticas, da altitude e do declive. Nos períodos de escassez recorre-se à silagem de “erva” e de milho.

Têm sido feito esforços no sentido de melhorar as pastagens existentes através da introdução de variedades melhoradas, especialmente leguminosas, e misturas biodiversas certificadas com o objetivo de promover e otimizar o sistema de produção de leite açoriano, melhorando a qualidade do leite, a eficiência e rentabilidade dos produtores, e a sustentabilidade das explorações.

Pastagens, forragens e ambiente

Segundo Avillez et al. (2019), no âmbito do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050) identificaram-se três tipos de medidas descarbonizadoras e de promoção da circularidade, que são:

  • As medidas mitigadoras, associadas com a eficiência da alimentação animal, com a gestão dos efluentes pecuários e com a agricultura de precisão;

  • As medidas sequestradoras, associadascom a agricultura de conservação (ou regenerativa) e com as pastagens melhoradoras;

  • As medidas de promoção da circularidade relacionadas com o modo de produção biológico, com as tecnologias de precisão e com a compostagem.

Considerando que as pastagens e forragens ocupam uma vastíssima área da SAU nacional, que deve contribuir de forma decisiva para a satisfação do aumento da procura de produtos de origem animal (porque devem ser a base da alimentação dos ruminantes), e o afirmado por Avillez et al. (2019), é clara a importância relevante no setor agrícola das pastagens e forragens.

Sendo assim, é fundamental que o setor pratense e forrageiro esteja atento às necessárias adaptações/atualizações produtivas para que consiga, de forma eficiente e sustentável, aumentar a produtividade, qualidade e persistência das pastagens e obter forragem de qualidade. Para alcançar estes ambiciosos objetivos, é fundamental realizar um correto diagnóstico da situação inicial em causa, para posteriormente se investir na melhoria das pastagens e/ou conseguir optar-se pela produção da melhor forragem e método de conservação.

Consegue-se melhorar uma pastagem, principalmente, através da correção do solo, da introdução de espécies vegetais melhoradas e selecionadas para cada ambiente em particular e do aperfeiçoamento de itinerários técnicos (fertilizações dirigidas, monitorização da produção e qualidade da pastagem com recurso a técnicas de agricultura de precisão, utilização de espécies e raças de animais adaptadas ao ambiente e ao sistema de exploração, melhoria da gestão do pastoreio).

Para se conseguir garantir a estabilidade da produção animal, diminuir a dependência do clima e mercado e planificar os investimentos é fundamental haver disponibilidade de forragem de qualidade para as épocas de escassez de pastagem ou de necessidades alimentares específicas.

Considera-se que a tecnologia de produção de forragem pode evoluir, i.e., tornar- se cada vez mais eficiente económica e ambientalmente, i.e., produzir bem com menores custos, com uso mais racional de agroquímicos (principalmente herbicidas e fertilizantes azotados) ao mesmo tempo que se contribui para a melhoria da fertilidade e controlo da erosão do solo.

As estratégias para tal, poderão passar, por exemplo, por optar por práticas de agricultura de conservação como a sementeira direta e mobilizações mínimas, pelo uso de máquinas e técnicas agrícolas de precisão (para a preparação do solo, para a aplicação de agroquímicos, estimativa da produtividade e qualidade da biomassa), pela utilização de sistemas de gestão da rega energeticamente pouco dispendiosos, pelo uso de fórmulas ou misturas fertilizantes com boa absorção de nutrientes e pela utilização de misturas biodiversas certificadas e criteriosamente escolhidas em função das condições ambientais existentes e dos objetivos pretendidos.

Tão importante como o atrás descrito é conseguir definir a(s) data(s) de corte(s), ou seja, o(s) momento(s) em que a forragem apresenta elevada qualidade e produção de matéria seca interessante que, normalmente, será quando as leguminosas iniciam a floração e as gramíneas estão na fase de “grão-pastoso”.

Atualmente a produção de forragens não é só uma necessidade mas também um negócio, daí estarem a crescer o número de empresas que produzem unicamente ou em grande quantidade forragem para comercialização.

Só investindo em algumas das técnicas de melhoramento de pastagens e de forragens referidas se conseguirá alcançar objetivos tão importantes para o setor agro-silvo- pastoril e para o ambiente como sejam: (i) melhorar: a digestibilidade da “erva”, a gestão de agroquímicos, a gestão energia despendida e a eficiência do uso da água; (ii) aumentar o teor de matéria orgânica do solo e (iii) adequar a carga animal.

Pastagens e forragens em modo de produção biológica

A correta condução de uma pastagem permanente combina com algumas das práticas ambientais que definem a agricultura biológica: mantém um elevado nível de biodiversidade, preserva recursos naturais e permite/desenvolve padrões de produção baseados em processos naturais.

Em 2017 as pastagens permanentes ocupavam a maior fração da área em Modo de Produção Biológica (MPB) na União Europeia, com 5,6 milhões de hectares (44%) (Eurostat, 2019). Segundo os últimos dados disponíveis, referentes ao ano de 2015, a superfície em Agricultura Biológica (AB) em Portugal continental é de 239.864 hectares. As áreas de pastagens e forragens representam cerca de 69,5% e 9,0% desta superfície, respetivamente (MAFDR, 2016).

Relativamente às regiões autónomas, a área em MPB assume uma maior dimensão na Região Autónoma dos Açores (RAA) do que na Região Autónoma da Madeira (RAM). Nos Açores, a área agrícola explorada em MPB tem vindo a aumentar de forma consistente desde 2009, e em particular nos anos mais recentes, atingindo os 664,5 ha em 2016. Este valor inclui as áreas em conversão para MPB, que constituem cerca de 50% da área, com maior expressão das pastagens e prados permanentes (MAFDR, 2016).

Salientamos que na RAA pretendem alcançar, entre várias metas, a duplicação da produção pecuária em MPB e assegurar que os produtos de origem animal em MPB sejam comercializados como produtos biológicos (Governo dos Açores et al., 2018).

Revestimentos do solo

Os cobertos vegetais da entrelinha de pomares, vinhas e olivais podem contribuir duma forma eficiente para a proteção e conservação do solo.

A correta escolha, instalação e utilização de misturas pratenses com espécies (principalmente leguminosas anuais de ressementeira natural) de ciclo curto (pequeno período decorrido desde a emergência á formação da semente) são uma opção válida para muitos sistemas produtivos de sequeiro ou regadio já que não competem de forma significativa com a cultura principal pela água e nutrientes, fixam azoto atmosférico, evitam o desenvolvimento de infestantes, aumentam o sequestro de carbono e não exigem nem sementeiras nem mobilizações de solo frequentes.

Além do referido, este tipo de ocupação do solo auxilia os sistemas de proteção integrada e biológico já que contribui para a fixação e aumento das populações de insetos e ácaros auxiliares, com ação muito positiva na limitação de pragas das culturas.

O revestimento do solo contribui também para a existência permanente de boas condições para a entrada das máquinas no terreno e para o embelezamento da paisagem. Existem situações particulares, que exigem soluções diferentes das anteriormente referidas. Exemplo disso são solos que apresentam excesso de fertilidade e/ou árvores ou vinhas com demasiado vigor vegetativo. Para estes casos, as misturas a semear devem ser muito ricas em gramíneas.

Em algumas situações o pastoreio pode conjugar-se com o revestimento do solo. Pela importância que o revestimento do solo pode ter, é fundamental continuar a investigar/a procurar novas soluções para os diferentes sistemas e ambientes de forma a manter os seus benefícios mas que diminuam os custos de gestão destes, i.e., reduzir custos com cortes e destroçamentos da biomassa produzida pelo coberto vegetal.

Para tal, será necessário criar novas misturas com espécies que para além de se caracterizarem pela sua precocidade, relativamente à época de produção da cultura principal, apresentem elevada capacidade de recobrimento do solo mas com moderado a reduzido vigor vegetativo.

Desafios

O contributo das pastagens e forragens para a agricultura portuguesa deve ser reconhecido e apoiado através da definição de estratégias nacionais que permitam incentivar o uso de espécies/variedades e misturas mais produtivas, de melhor qualidade e mais resilientes. É necessário continuar a desenvolver programas/ projetos de investigação e experimentação neste setor.

Neste sentido, a Estação Nacional de Melhoramento de Plantas (INIAV-Elvas) desenvolve programas de melhoramento genético vegetal de diversas espécies pratenses e forrageiras para obtenção de variedades mais produtivas, nutricionalmente mais interessantes e melhor adaptadas, tendo sido inscritas nos últimos anos diversas novas variedades no Catálogo Nacional de Variedades.

A Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens (SPPF), com o apoio dos seus sócios e colaboradores, continuarão a promover o debate, a partilha de conhecimento e a divulgação do papel das pastagens e as forragens nos diferentes sistemas agrários nacionais.

Artigo publicado na Agrotec 32

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