O impacto da futura PAC pós-2020 na produção de leite do continente português

O processo de definição da Reforma da Politica Agrícola Comum (PAC) encontra-se em avançado estado de discussão a nível europeu. Sendo certo que podem ser estabelecidas regras com um forte impacto ao nível do rendimento dos Produtores de Leite nacionais, a FENALAC promoveu a realização de um estudo visando evidenciar essas consequências, de acordo com vários cenários possíveis que se perspetivam para a PAC nos próximos anos.

Vaca leiteira

Da autoria da Católica Porto Business School, o estudo apresenta propostas visando a remediação das perdas de rendimento dos produtores de leite, através da utilização de novos instrumentos da PAC.

Sumário Executivo

Geograficamente a produção e leite de vaca na União Europeia (UE 27) e no Reino Unido (RU) é consideravelmente concentrada, com seis países a serem responsáveis por 42 por cento da produção total, a saber e por ordem decrescente de importância, a Alemanha, a França, o Reino Unido, a Holanda, a Polónia e a Itália. As cooperativas têm na UE um peso preponderante, sendo responsáveis por 64 por cento da recolha e processamento do leite produzido.

A UE como um todo é não só autossuficiente como exportadora líquida de leite e produtos lácteos, sendo a principal região mundial fornecedora dos mercados internacionais de leite para beber, queijo e leite magro em pó. Por sua vez, a China destaca-se como a principal (e crescente) região compradora.

A produção de leite de vaca na UE caracteriza-se por ser cada vez mais concentrada em explorações de leite com elevados encabeçamentos, produtividade e intensidade de capital. Em termos de produção de leite por vaca (produtividade), as explorações europeias destacam-se ao nível mundial, sendo apenas suplantadas pelas explorações da região constituída pelos EUA e o Canadá. Contudo, verifica-se uma tendência de redução do desfasamento existente nas produtividades por vaca, entre as zonas do globo de maiores produtividades e as restantes.

As explorações de leite de vaca em Portugal têm vindo, de uma forma consistente, a aumentar a produção de leite por vaca, situando-se esta produção, no presente, acima da média da UE 27 e do Reino Unido.

Verifica-se, em simultâneo, uma redução significativa do número de explorações de leite, um aumento da sua intensidade em capital e tecnologia e uma substituição de trabalho familiar, menos qualificado, por trabalho assalariado, mais qualificado, na composição do trabalho empregue. Assiste-se por fim a uma tendência de envelhecimento dos responsáveis das explorações e, ao mesmo tempo, a uma melhoria dos seus níveis de qualificação.

O setor do leite em Portugal

O setor do leite em Portugal representa 28 por cento da produção animal e 12 por cento da produção agrícola. Na Indústria Alimentar, o Leite e Lacticínios, representa 15 por cento da faturação total, sendo o subsetor mais importante desta indústria em termos de faturação. O setor do leite é também uma fonte de emprego, gerando cerca de 11500 postos de trabalho (nas explorações de leite e na indústria associada).

Ao nível das vendas na categoria leite em Portugal, o principal operador no mercado interno é a empresa Lactogal, que representa cerca de 66 por cento do total das referidas vendas. Esta empresa tem como principais acionistas as uniões de cooperativas de produtores de leite (Agros, Proleite e Lacticoop). Ainda no que refere ao mercado interno, Portugal tem sido autossuficiente na produção de leite para beber e em manteiga, produtos de menor valor acrescentado, e deficitário nos iogurtes e nos queijos, produtos de maior valor acrescentado.

A produção de leite em Portugal tem manifestado uma tendência regular de crescimento, apesar da redução em 90 por cento do número de explorações, entre 1989 e 2013. Esta dinâmica foi acompanhada de um aumento do número médio de vacas leiteiras por exploração no mesmo período, de 4 para 34.

O preço mundial do leite tem manifestado uma tendência de médio prazo de subida, impulsionada por um crescimento regular da procura deste produto nos mercados internacionais, nomeadamente nas economias emergentes asiáticas, em particular a China, embora para já com maior incidência em produtos lácteos com um menor grau de processamento. Contudo, tem existido, no curto prazo, uma acentuada volatilidade dos preços do leite. Acresce que em Portugal o preço do leite ao produtor tem sido, sistematicamente, inferior ao preço médio ao produtor na UE, nos últimos anos.

No que refere à estrutura dos custos da produção de leite, na UE e em Portugal, a produção de alimentos para animais na exploração é uma fração importante do total dos custos operacionais das explorações, mas mais em Portugal. Contudo, a produção de leite, tanto na UE como em Portugal, continua muito dependente da aquisição no exterior das explorações de alimentos compostos, embora esta dependência seja agora inferior em Portugal relativamente à média europeia, depois de, no período 2007-2016, se ter reduzido em 22 pontos percentuais.

A última reforma da PAC em vigor, de 2013, consubstanciou-se numa redução do peso da PAC no orçamento da União. Caraterizou-se também por uma maior diferenciação entre as políticas do 1º e 2º Pilar e, simultaneamente, por uma maior integração entre os 2 pilares, em termos orçamentais, e por uma maior liberdade concedida a cada Estado membro em termos de implementação e financiamento das políticas da PAC. Na UE, o 1º Pilar da PAC passou a representar 75 por cento do total das verbas da PAC.

Um dos aspetos mais características da reforma da PAC de 2013 foi o reforço da sua orientação para as questões ambientais, com a introdução de um novo tipo de pagamento no âmbito do 1º Pilar visando a promoção de práticas mais favoráveis ao ambiente pelas explorações agrícolas, o designado Pagamento Verde ou greening. Outro carácter distintivo desta reforma foi o reforço da orientação das explorações agrícolas para o mercado, de que foi emblemática a eliminação das quotas leiteiras, em 2015.

Sistemas de leite, pagamentos e resultados no cenário base

A amostra RICA 2018 de explorações de leite especializadas (OTE 450) inclui 116 explorações que operaram no Continente. A localização geográfica e os escalões de produção destas explorações permitiram identificar 3 regiões e 6 sistemas de produção: Litoral Norte e Centro (LNC, 4 sistemas), Interior Norte e Centro (INC, 1 sistema) e Sul (SUL, 1 sistema).

No que refere ao peso das explorações de leite do Continente no cômputo nacional, mais de 2/3 da produção de leite de vaca nacional é realizada no Continente e quase 3/4 da produção de leite de vaca do Continente é realizada em explorações especializadas da OTE 450.

Considerando agora só a produção de leite de vaca com origem nas explorações especializadas do Continente (OTE 450), a região LNC é responsável por mais de 4/5 da referida produção. Em média e no Continente, as explorações da OTE 450 tinham, em 2018, 35,2 vacas leiteiras. Dos 6 sistemas de produção de leite identificados, 3 são do tipo familiar (S3 e S4, do LNC, S5, do INC) e 3 são do tipo empresarial (S1 e S2, do LNC, e S6, do SUL).

Observa-se uma estrutura dual da produção de leite especializada no Continente, em particular no LNC, com uma fração importante de explorações a ser responsável por uma fração menos importante do leite total produzido. Por exemplo, ao sistema S4 do LNC (escalão 0 a < 250.000 litros) correspondem mais de metade das explorações da OTE 450 do Continente, mas só 16 por cento do leite produzido por estas explorações.

O modelo de leite da Comissão Europeia utilizado permite separar os resultados da atividade leite dos resultados das explorações como um todo. Em seguida, descrevemos os principais resultados obtidos para a atividade leite e para as explorações como um todo, a preços de 2019, aplicando o modelo à amostra RICA 2018 de explorações da OTE 450.

O preço por tonelada de leite recebido pelas explorações de leite do Continente está pouco acima ou mesmo abaixo dos 300 euros. Em média e no Continente, os pagamentos ligados à produção de que beneficiam os produtores de leite são inferiores a 10 euros por tonelada de leite produzida.

No que refere aos custos com alimentos comprados, estes oscilam entre os 44,7 por cento dos custos operacionais, no SUL, e os 72,3 por cento, no INC, apresentando valores intermédios no LNC. O valor médio para o conjunto das explorações da OTE 450 do Continente é de 52,9 por cento.

Quanto às margens brutas e líquidas, com e sem pagamentos ligados, estas são positivas em todos os sistemas. Relativamente à margem económica líquida (que entra em conta com os custos atribuídos ao trabalho familiar e ao capital próprio), esta é negativa apenas no sistema S4 do LNC (0 a < 250.000 litros), com e sem pagamentos ligados. A atividade leite deste sistema não é competitiva, sendo que o mesmo representa 53 por cento das explorações da OTE 450 no Continente e 16 por cento do leite produzido por estas explorações. O Valor Acrescentado Líquido da Exploração (VALE), o Rendimento Líquido da Exploração (RLE) e a Remuneração do Trabalho Familiar (RTF) são positivos em todos os sistemas.

Com a atual PAC, os 6 sistemas são, em média, viáveis. Cerca de 86,9 por cento dos pagamentos recebidos pelos produtores de leite têm origem no 1º Pilar da PAC. O Sistema S5, do INC, destaca-se por ter um peso maior do que a média no total de pagamentos recebidos do 2º Pilar (25,1 por cento). Há um relativo equilíbrio da importância de três pagamentos do 1º Pilar da PAC: Pagamento Base, Pagamento Verde (greening), e Pagamentos Ligados à Produção (Prémio às vacas leiteiras).

No Continente, cerca de 2/3 dos pagamentos do 2º Pilar recebidos pelos produtores de leite correspondem a pagamentos para a manutenção de atividade agrícola em zonas desfavorecidas (MZD) e 1/3 a pagamentos agroambientais.

Cenários da futura PAC, indicadores de análise de impacto e discussão dos resultados obtidos

Os produtores especializados na produção de leite de vaca do Continente beneficiam atualmente de pagamentos do 1º e 2º Pilar da PAC por hectare de SAU cerca de 3 vezes superiores à média recebida por todas as explorações nacionais.

Os Pagamentos da PAC do 1º e 2º Pilar que atualmente mais pesam nos apoios recebidos pelos produtores de leite especializados do Continente são os seguintes: Pagamento Base (36 por cento), Pagamentos Ligados à Produção (25 por cento), Pagamento Verde ou greening (24 por cento), Pagamentos à manutenção da atividade agrícola em zonas desfavorecidas (MZD, 4 por cento) e Pagamentos Agroambientais (2 por cento).

Para os produtores de leite especializados na produção de leite de vaca do Continente (OTE 450), têm atualmente mais importância do que para as restantes explorações agrícolas nacionais: o Pagamento Base (mais 7 pontos percentuais), os Pagamentos Ligados à Produção (mais 7 pontos percentuais) e o Pagamento Verde (mais 4 pontos percentuais).

Aceda ao restante sumário executivo.

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