Maturação: condição essencial à valorização da qualidade de uma carne

Por: José Estevam da Silveira Matos, Universidade dos Açores

As exigências do mercado, dos consumidores, por produtos de maior qualidade, devem mobilizar os produtores e a indústria da carne a adequarem os seus sistemas de produção por um lado, do abate e da comercialização, por outro, a esta procura cada vez mais exigente. Diferentes atributos organoléticos da carne, percebidos como um todo, determinam a maior ou menor aceitabilidade por parte do consumidor e a sua  disponibilidade para pagar um preço mais elevado e repetir a experiência. Entre os atributos da carne que mais influenciam a  satisfação do consumidor, destacam-se a tenrura, a sucosidade, a textura, o marmoreado e  o flavour (conjunto de sensações que incluem o aroma e o gosto). De entre estes  fatores, a tenrura - que pode ser  definida como a maior facilidade em que esta é mastigada - desempenha certamente um papel mais decisivo na preferência do consumidor, embora também seja o atributo da carne mais sujeito a variações (Lagerstedt et al., 2008; citados por Carolino et al., 2009).

Os fatores pré-abate influenciam muito a qualidade final da carne mas não bastará ter a melhor genética, uma alimentação equilibrada e de boa qualidade, o melhor maneio, os melhores cuidados durante o transporte e a melhor higiene, para obter uma carne de excelente qualidade. Sendo tão importante a qualidade organolética da carne, toda a fileira deverá preocupar-se, não só com as questões relacionadas com a genética, a qualidade da alimentação dos animais e todos os cuidados que rodeiam o seu abate, mas também  com a maturação da carne (transformação dos músculos em carne) e com os fatores e tecnologias que possam influenciar esta transformação.

O MÚSCULO

As carnes são compostas por quatro tipos de tecidos: tecido muscular, tecido conjuntivo, tecido epitelial e tecido nervoso. O mais importante componente da carne é o músculo, que é dividido em músculo estriado (esquelético e cardíaco) e músculo liso. O músculo esquelético é o mais abundante  na carcaça e o que tem maior valor económico. É composto esssencialmente por proteínas, gordura, água e, em menor quantidade, por substâncias azotadas não-proteicos, carbohidratos e minerais.

As proteínas dos músculos podem ser divididas em três classes: miofibrilares, sarcoplasmáticas e proteínas do estroma.

A unidade estrutural essencial do músculo é a fibra muscular, que é uma célula longa, estreita, multinucleada, que pode estender-se de uma extremidade à outra do músculo, alcançando aproximadamente 10 a 100 µm de diâmetro. Os diâmetros das fibras musculares diferem entre os diversos músculos e entre espécies, sendo influenciada pela raça e pelo sexo do animal, pela castração e  pela alimentação. Tendem a aumentar com idade e a atividade física (Vestergaard et al., 2000).

As proteínas sarcoplasmáticas constituem 30% a 35 % da proteína total do músculo esquelético. Entre elas, estão a mioglobina e as enzimas responsáveis por todos os processos de síntese  e de produção de energia necessária à contração muscular. As proteínas do estroma (10% a 15%), são as proteínas do tecido conjuntivo, menos solúveis, constituidas principlamente por colagénio e elastina. As  fibras de colagénio - cuja quantidade  influencia muito a tenrura da carne - são relativamente insolúveis e pouco extensíveis e a sua quantidade é  influenciada também pela genética, sexo e idade do animal .

O músculo é um tecido cujas funções fisiológicas são facilitar o movimento e manter a postura durante a vida do animal. A força que é gerada pela contração muscular é transmitida através de tecido conjuntivo aos tendões causando o movimento do esqueleto. Geralmente, os músculos com um maior papel na locomoção são mais ricos em tecido conjuntivo. Os músculos mais ligados à manutenção da postura, por exemplo os músculos situados ao longo da coluna, têm muito menos tecido conjuntivo, e fazem parte das peças de talho que atingem maior preço.

A célula muscular (fibra muscular) é composta por um certo número de fibras paralelas, as miofibrilas, que contêm as proteínas responsáveis pela contração, numa série de unidades repetidas, chamadas sarcómeros. Estas proteínas contrácteis consistem principalmente em miosina e actina (esta mais fina que a primeira). Para além disso, existem proteínas reguladoras (troponina e tropomiosina).

Após o abate, o evento mais significativo para a célula muscular é a falta de oxigénio. Em consequência disso, esta passa a funcionar anaerobicamente metabolisando o açucar, a glicose, em ácido láctico, que se acumula, causando uma acidificação da célula muscular e uma consequente descida do pH muscular.

A transformação do músculo em carne – maturação

Rigor mortis

Do ponto de vista fisiológico, só podemos considerar como carne o músculo que ultrapassou o processo designado por rigor mortis ou rigidez cadavérica. Este corresponde ao endurecimento dos músculos após a morte do animal (perda de elasticidade e extensibilidade e aumento de tensão), um fenómeno diferente da contração muscular normal uma vez que, nesta, se dá o relaxamento muscular, após esta. Este fenómeno deve-se à falta do oxigénio e à paragem das enzimas responsáveis pela respiração celular, o que faz com que não seja mais possível, pelo processo fisiológico normal, reverter o processo de contração muscular.

O arrefecimento rápido da carcaça, durante o estabelecimento do rigor mortis, favorece a contração do músculo aumentando a sua intensidade, diminuindo a tenrura da carne (fenómeno designado por “Cold shortening” ou, traduzindo, endurecimento pelo frio). Para além disso, o arrefecimento rápido da carcaça, nesta fase, limita o necessário abaixamento do pH, provocando uma desnaturação excessiva das proteínas, com deslocação da água para os espaços intercelulares, o que faz com que a carne fique mais seca e mais dura durante os processamentos culinários. Na prática, para evitar este fenómeno, as carcaças deverão ser refrigeradas logo após o abate a 10°C, durante 10 horas, antes de passar à refrigeração a temperaturas abaixo dos 4°C, para que haja um bom compromisso entre o desenvolvimento microbiano e o impedimento do “cold shortening” e o endurecimento permanente da carne. Esta contração da fibra muscular pelo efeito do frio pode ainda controlar-se pelo uso da electroestimulação da carcaça, de alta ou baixa voltagem, que produz uma descida rápida do pH prevenindo este fenómeno. Para além disso, a electroestimulação produz a rutura ("fragmentação") das fibras musculares acelerando a maturação e melhorando a tenrura da carne.

A IMPORTÂNCIA DO pH

Após o abate, as reservas energéticas musculares, sobre a forma de glicogénio, são degradadas, por via anaeróbica, e transformadas em ácido lático. Uma vez que já não há circulação sanguínea, este ácido acumula-se nos músculos, contribuindo para o abaixamento do pH. Quanto mais o pH baixa, mais o músculo endurece, atingindo o máximo de dureza cerca de 24 horas após o abate (variando este tempo com o tipo de músculo, a raça do animal e a temperatura a que se encontra a carcaça), estabilizando-se o pH em torno de 5,5. A velocidade de descida do pH, bem como o pH final da carne é muito variável, estando dependente da quantidade de glicogénio muscular inicial. Se as reservas de glicogénio forem baixas (o que acontece muitas vezes quando os animais são abatidos já cansados, stressados, devido às más condições de transporte, ou de falta de condições de “descanso” na abegoaria) obtêm-se carnes de má qualidade,  carnes escuras, firmes  e secas (designadas por DFD) desprovidas de flavour, cujo pH é superior ao normal (superior a 6).

Porque o pH tem um papel determinante na qualidade da carne, influenciando muitas das suas características, côr, capacidade  de retenção de água, textura, suculência e estabilidade microbiológica deve ser considerado um critério importante, especialmente no caso das carnes que se destinam a ser comercializadas com rótulos, ou classificações, identificadoras de qualidade (Stephens et al., 2006; citados por Carolino et al., 2009). Uma vez que o valor ótimo do pH da carne, medido 24 horas após o abate, deverá ser 5,5 ou inferior, nos casos em que este valor for superior a 6, as carnes deverão ser desclassificadas.

OS PROCESSOS BIOQUÍMICOS DA MATURAÇÃO

Os três fatores que determinam a tenrura da carne são: a sua dureza intrínseca (característica ante mortem), o rigor mortis e a maturação (fenómenos post mortem). A dureza intrínseca é devida essencialmente à quantidade de tecico conjuntivo, característica influenciada, como vimos, pela genética do animal, sexo, castração, idade e nutrição.

A degradação das proteínas miofibrilares, resultantes da ativação de um sistema enzimático, causa um enfraquecimento da estrutura do músculo, levando ao amaciamento da carne. Os fenómenos  bioquímicos responsáveis pelas alterações que ocorrem durante a maturação da carne não são ainda totalmente conhecidos, sendo sugeridos  pelos diversos especialistas fatores e mecanismos muito variados, entre os quais  a alteração do pH, pressão osmótica, iões cálcio, processos oxidativos, enzimas não proteolíticos (enzimas glicolíticas, ATPases e glicosidases) e peptidases (catepsinas, calpaínas, complexo endopeptidásico multicatalítico e outras endopeptidases) (Koohmaraie e Geesink, 2006; citados por Luciano et al., 2007).

Existem três sistemas enzimáticos responsáveis pela proteólise dos componentes estruturais das miofibrilas: o sistema das catepsinas; o complexo multicatalítico de proteases (MCP); e o sistema enzimático das calpaínas/calpastatina. Estas últimas são consideradas o principal mecanismo relacionado com a proteólise que conduz à maturação da carne. A proteína calpastatina exerce uma ação inibidora das calpaínas. Entre os diversos músculos, nomeadamente os do quarto dianteiro vs. quarto traseiro, a diferença de tenrura é devida à diferente atividade da calpastatina nos mesmos. O seu ritmo de “maturação” também é diferente pela mesma razão. Os músculos de contração rápida, típicos do quarto traseiro, apresentam carne mais macia devido a menor atividade da calpastatina. Pelo contrário, os músculos do quarto dianteiro,  conhecidos como sendo de pior qualidade, refletem uma menor atividade de calpaínas, devido à maior concentração de calpastatina, ocorrendo menor degradação muscular e dando origem a uma carne mais dura (Geesink et al., 2006; citados por Luciano et al., 2007).

Por outro lado, as peças de carne de 2ª e 3ª categoria, geralmente mais ricas em colagénio, são intrinsecamente mais rijas por este facto. Contrariamente às fibras musculares, o colagénio não evolui com a maturação. Um músculo rico em colagénio, como são geralmente os do quarto anterior, permanecerá duro, independentemente da maturação. Só a cocção em meio húmido é suscetível de atenrar este tipo de carne por solubilização do colagénio, que se transforma em gelatina. Assim, em boa verdade, são os quartos posteriores, com músculos mais pobres em colagénio e em calpastatina, que mais poderão beneficiar do processo de maturação. Durante o processo de maturação as proteínas musculares estão também sujeitas a um processo de desnaturação, o qual se encontra ligado à descida do pH. Esta desnaturação tem, ainda, um efeito facilitador da proteólise.

As reações bioquímicas da maturação atingem também as gorduras, sobre a ação de  enzimas designadas por lipases, que transformam os lípidos e desenvolvem o flavour caraterístico da carne “madura”. Se a maturação se prolonga por tempo demasiado longo, estas enzimas podem induzir a formação de aromas indesejáveis na carne, nomeadamente a ranço.

A duração necessária para uma boa maturação das carnes depende de muitos fatores: a espécie animal (a carne de porco matura mais rapidadmente - em menos de 48 horas); a carne de vitela necessita, em média, de 5 dias para a maturação, enquanto que a de bovino adulto precisa de pelo menos 7 dias (duração ótima de 10 a 14 dias).

A genética contribui significativamente para a maturação da carne, sendo esta  diferente entre raças e a nível individual. Estas diferenças são particularmente evidentes entre Bos indicus e Bos taurus, mas tudo indica que as diferenças na tenrura da carne entre os reprodutores da mesma raça são maiores do que as diferenças entre várias raças, sendo certo assim que  a seleção dos reprodutores para melhorar a tenrura pode ter efeitos muito positivos a médio longo prazo, uma vez que se trata de carateres com heritabilidade elevada. A identificação de marcadores genéticos relacionados com tenrura e outras características organoléticas da carne e a utilização da seleção assistida por marcadores é, neste aspeto, muito promissora. Os marcadores moleculares para a tenrura são já exemplos clássicos da tecnologia genómica para o melhoramento animal em particular, em relação à tenrura da carne. Os genes das calpainas -µ (CAPN1) e calpastatina (CAST) têm sido estudados extensivamente na sua associação com a tenrura. A título de exemplo, a plataforma genética HD 50K para Angus, desenvolvido recentemente pela empresa  Pfizer Animal Genetics, em parceria com a  Angus Genetics, Inc. (AGI), uma subsidiária da American Angus Association (AAA), permite identificar 50.000 marcadores por cada animal genotipado.

Outro teste, o  GeneSTAR®, inclui um conjunto de marcadores genéticos: 4 marcadores para o marmoreado; 4 marcadores para a tenrura e 4 marcadores para a eficiência alimentar. A seleção e o Maneio Assistida por Marcadores genéticos (MAM) desempenharão certamente, no futuro, um papel relevante no melhoramento dos carateres organoléticos da carne e não só (Van Eenennaam, sem data).

TECNOLOGIA DA MATURAÇÃO

O processo de maturação da carne ocorre, habitualmente, em todos os músculos, quer na carcaça inteira ou nas peças de talho, embaladas, ou não, em vácuo.

Dois tipos de maturação são usados comercialmente (Laster et al., 2008; Smith et al., 2008):

Maturação a seco (“Dry aging”) - que se refere à maturação sob refrigeração por períodos longos, de carcaças,  ou peças não embaladas. Neste caso, são críticas as condições de refrigeração para evitar, por um lado, o crescimento microbiano indesejável e, por outro, as perdas por desidratação. Neste caso, a maturação  é feita geralmente em câmara de refrigeração, a 0 – 2° Celsius e 80-85% humidade relativa, com velocidades do ar de 0,5 a 2,5 m/sec.

Maturação em húmido (“Wet aging”) - diz respeito ao armazenamento em ambiente refrigerado da carne já desmanchada em peças de talho  e embalada em vácuo. Neste caso, a humidade ambiente e a circulação de ar não são fatores importantes. No entanto, o controlo estrito das temperaturas de refrigeração, 0 - 2° Celsius, é muito importante.

Estes dois tipos de maturação têm o mesmo efeito na tenrura da carne embora, hoje em dia, a maturação em húmido seja o método mais usado. No armazenamento muito prolongado, na maturação a seco, para além de resultar em perda de peso por desidratação, há crescimento microbiano indesejável à superfície da carcaça, resultando em perdas que podem variar de 5 a 20%. A embalagem em vácuo anula este tipo de perdas, em particular das peças mais nobres. A maturação a seco é normalmente indicada no caso da carne destinada a ser vendida no mercado “gourmet” e restauração de luxo, a preços  mais elevados. Os requisitos necessários a este tipo de maturação da carne dizem respeito a quatro tipo de fatores primários: (1) dias de maturação; (2) temperatura de armazenamento; (3) humidade relativa, e (4) fluxo de ar (Savell, sem data). Nalguns casos, para evitar o crescimento  microbiano à superfície,  tem sido utilizada a luz ultavioleta, diretamente na câmara, ou para tratar o ar que recircula na mesma.

Tempo de maturação

O número de dias de maturação é muito variável (de 7 a 28 dias), variando muito em função de cada operador. Infelizmente, a literatura científica não é muito esclarecedora sobre o assunto. Campbell et al., (2001), comparando períodos de  cura de 7, 14, e 21 dias, chegaram à conclusão que não haverá vantagens significativas em extender o período de maturação da carne para além dos 14 dias.

Temperatura de armazenamento

A temperatura recomendada varia entre os  0 e os 4°C. Será de evitar o arrefecimento rápido das carcaças logo após o  abate, por forma a evitar o encurtamento pelo frio (cold shortening). Este ocorre quando a temperatura dos músculos desce abaixo de 10ºC, nas  8 a 12 horas postmortem, enquanto o  pH se situa acima de 6,1. Se o pH do músculo se situar abaixo de 6,1 quando a temperatura atingir 10ºC, o encurtamento (cold-shortening) raramente ocorre. Este desiderato é atingido  com maior facilidade com a estimulação elétrica da carcaça. Tem havido também interesse na pré-maturação  a temperatura elevada (15 a 19° C) tempo curto (até 12 horas) para acelerar o processo. A carcaça transitará depois para uma câmara entre os 0 e os 2° C, onde permanecerá até completar o processo de maturação.

Humidade relativa

O controlo deste parâmetro é muito importante. Se a humidade na câmara de cura for muito elevada, os microrganismos contaminantes desenvolvem-se. Se for muito baixa, as perdas por desidratação serão elevadas. A humidade relativa geralmente recomendada situa-se em torno dos  80-85%. A gordura superficial protege a carcaça da desidratação. A maturação de carcaças, magras, sem gordura de cobertura superficial, resulta numa maior quantidade de aparas de limpeza e perda de peso por desidratação, pelo que estas não devem ser maturadas para além dos 5 dias.

Efeito da estimulação elétrica de carcaças no amaciamento da carne

Foi demonstrado que a estimulação elétrica de carcaças resulta no melhoramento da tenrura da carne. O mecanismo desta ação reside, em primeiro lugar, em danos estruturais (ruturas) causadas nos tecidos em consequência das contrações violentas dos músculos, quando estes são submetidos a um estímulo elétrico. Para além disso, a estimulação elétrica tem efeitos significativos na atividade enzimática proteolítica nos tecidos, nomeadamente no sistema calpaina. A estimulação elétrica produz uma rápida descida do pH, ainda quando a  temperatura da carcaça permanence elevada, encurtando o período de rigor mortis e prevenindo a rigidez muscular causada pelo frio (cold-shortening) (Stiffler, sem data).

p20 fig1

A estimulação elétrica acelera e acentua os efeitos da maturação permitindo obter melhorias de até 44% nos índices de tenrura da carne. Para além disso, quase todos os atributos organoléticos da carne são melhorados: tenrura; flavour; cor; marmoreado; tempo de prateleira; e qualidades de processamento.

Tem ainda efeitos benéficos sobre o sangramento do animal, se for aplicada logo após a morte deste. A magnitude destes efeitos varia, contudo, em função do tipo de estimulação elétrica. A estimulação elétrica poderá ser de baixa voltagem (LVES), geralmente aplicada  durante a sangria, através de um elétrodo aplicado nas narinas do animal, ainda antes da descida da temperatura do animal recém-abatido. Isto melhora a sangria e acelera o processo do rigor mortis, prevenindo o “cold shortening”, geralmente despidas de cobertura adiposa, que são depois refrigeradas de imediato. A estimulação elétrica de alta voltagem (HVES) é normalmente aplicada no final da linha, em zona protegida, com a carcaça já limpa, na primeira hora após a sangria. Este tipo de estimulação elétrica melhora a tenrura através de uma melhoria evidente dos índices de maturação em resultado dos danos estruturais (ruturas) causadas ao músculo em consequência de contrações muito violentas  da carcaça. A utilização de corrente elétrica de alta voltagem é a forma mais prática de se garantir uma aceleração dos processos de maturação da carne  e dos índices de tenrura da carne mas, sendo potencialmente letal para os seres humanos, o seu uso deve rodear-se de precauções especiais de segurança. Os equipamentos mais modernos são desenhados com esta preocupação em vista.

Suspensão pélvica

Tradicionalmente, a carcaça é suspensa pelo tendão de Aquiles. Constatou-se, porém, que este tipo de suspensão contribui para um maior encurtamento de vários músculos do quarto posterior, em particular os da perna.  Várias alternativas a este método tradicional de suspensão têm sido propostos, nomeadamente a suspensão pelo osso pélvico (osso da bacia). Vários trabalhos  comprovam a vantagem deste tipo de suspensão relativamente à melhoria na tenrura de várias peças nobres, nomeadamente para os músculos Longissimus dorsi, Abdutor, Semimembranoso e Glúteos (Lundesjo et al., 2012).

No entanto, este tipo de suspensão alternativa faz com que o membro posterior passe a formar um ângulo diferente do habitual com a carcaça (90°)(Figura 2), o que exige que os talhantes sejam alertados para este facto, informando-os da razão de ser desta forma “estranha” de apresentação da carcaça. Este ângulo da perna obriga ainda à necessidade de providenciar maior quantidade de espaço nas câmaras de cura/refrigeração e a alterações das linhas de abate,  dificuldades que colocam reservas à sua adoção, apesar das vantagens para a qualidade da carne.

p20 fig2

Um método alternativo, denominado “tendercut”, introduzido por cientistas do Virginia Polytechnic Institute and State University, dos EUA, consiste na execução de cortes em sítios específicos da carcaça, antes de se instalar rigor mortis, mantendo a suspensão pelo tendão de Aquiles, método este que requer, no entanto, trabalho adicional especializado. Outros autores defendem ainda uma outra alternativa, a suspensão pelo quarto anterior, com resultados positivos sobre a qualidade da carne nas peças de talho de primeira categoria que, como se sabe, estão situadas no quarto posterior da carcaça (CRC, 2004).
Outros métodos

Alguns  outros métodos têm vindo a ser estudados, como o uso de infusões de sais de cálcio,  ondas de choque (Hydrodyne – um processo patenteado) (Solomon et al., 1997). Estes novos métodos, ou estão ainda em fase de desenvolvimento, ou têm tido um limitado uso na prática.

CONCLUSÃO

Para além do melhoramento genético, boa alimentação dos animais, transporte e abate, minimizando-se o stress, a maturação das carnes é uma condição essencial para que estas cheguem ao consumidor com os melhores atributos organoléticos. A estimulação elétrica garante, de forma eficaz, e barata,  o aceleramento dos desejáveis processos de maturação da carne.

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