Gestão Sustentada e Valorização das Florestas de Carvalho

Gestão Sustentada e Valorização das Florestas de Carvalho

Por: João P. F. Carvalho, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Dep. Ciências Florestais e Arquitectura Paisagista; José A. Santos e Joana Santos, Laboratório Nacional de Energia e Geologia

IMPORTÂNCIA DAS FLORESTAS DE CARVALHO

As florestas de carvalho constituem um património natural de grande valor providenciando importantes funções ambientais, ecológicas e socio-económicas. São uma fonte de recursos lenhosos e não-lenhosos, cumprem diversas funções ecológicas relacionadas com a protecção do meio ambiente e a conservação da biodiversidade, e desempenham uma importante função paisagística e recreativa. Os carvalhais são importantes na regulação e mitigação climática bem como no sequestro de carbono da atmosfera contribuindo para a redução do ‘efeito de estufa’. São formadores de um bom húmus, promovendo a conservação do solo e da água. O carvalhal age também de forma positiva ao nível dos ciclos biogeoquímicos promovendo a qualidade da água.

p89 fig1

Os carvalhais constituem as formações florestais naturais das regiões norte e centro de Portugal pelo que desempenham uma função única na conservação da fauna e flora, incluindo espécies raras e ameaçadas. Criam o habitat natural para a vida selvagem, providenciando alimento e abrigo para muitas espécies. Os carvalhais podem também fornecer diversas espécies de cogumelos comestíveis com interessante valor culinário e comercial. O carvalho produz uma madeira nobre, de grande qualidade, muito valorizada pela sua beleza, boas propriedades mecânicas e durabilidade natural, podendo ter variadas aplicações. Devido à sua menor combustibilidade, os carvalhais reduzem a propagação dos fogos florestais, possuindo assim uma importante função preventiva o que é importante em ambiente mediterrânico. Adicionalmente, são relevantes na conservação da paisagem natural, com um importante valor cultural e recreativo. O carvalho possui um grande significado histórico e cultural que caracteriza muitas das nossas regiões. Um carvalhal pode desempenhar todas estas funções de forma simultânea, tornando-se num tipo de floresta de grande interesse. Pela sua importância e múltipla funcionalidade, uma gestão florestal apropriada e valorização são essenciais de modo a permitirem um adequado rendimento e providenciar um desenvolvimento florestal sustentado.

p89 fig2

Apesar da sua importância, muitas das nossas florestas, e em particular as florestas de carvalho, não são geridas de forma adequada, tendo sido progressivamente destruídas e danificadas, assistindo-se a um fraco aproveitamento dos nossos recursos naturais e de potencialidades produtivas de qualidade. Tal tem consequências negativas ao nível ambiental, social e económico. As florestas de carvalho ocupam actualmente apenas 8% da área florestal das regiões norte e centro, e encontram-se frequentemente degradadas e subaproveitadas. A composição da floresta portuguesa é muito desequilibrada com predomínio, nas regiões norte e centro, de pinhal e eucaliptal, os quais representam 72% da floresta naquelas regiões, sem interesse para a conservação da biodiversidade e da paisagem, com produção de baixo valor, e envolvendo riscos sanitários e de fogo devido, entre outros, à sua fácil inflamabilidade e combustibilidade devido à presença de resina e outros compostos voláteis.

A situação actual de gestão e aproveitamento das florestas de carvalho encontra-se limitada devido principalmente às seguintes razões: falta de conhecimento sobre os potenciais usos da madeira; valorização inapropriada da madeira; falta de conhecimento sobre um adequado processamento tecnológico da madeira; desconhecimento sobre as suas características ecológicas e silvícolas; desconhecimento sobre uma adequada silvicultura que providencie uma produção de qualidade e de uma gestão florestal sustentável e multifuncional. Estes factores têm conduzido a um abandono e degradação da floresta com consequências ambientais, ecológicas e socioeconómicas adversas. Muitas das florestas são privadas (85% privada, 12% comunitária, 3% estatal) e os carvalhais são maioritariamente geridas como talhadia para a produção de lenha, o que tem um valor económico, ecológico e ambiental muito baixo. Muitas áreas não têm uma intervenção específica e orientada com vista a uma silvicultura de qualidade. Outras áreas são também substituídas por plantações de pinheiro e eucalipto, levando à acidificação do solo, erosão e degradação, sendo frequentemente destruídas pelo fogo, o que conduz a mais problemas ambientais, ecológicos e sociais.

ACÇÕES DE INVESTIGAÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO

Diferentes actividades de investigação e de desenvolvimento foram realizadas com vista a obter um melhor conhecimento a vários níveis sobre o carvalho e as suas florestas, nomeadamente acerca da ecologia, produção, silvicultura e tecnologia da madeira. O conhecimento adquirido é essencial para o desenvolvimento de adequadas estratégias de valorização e de melhoria da gestão dos carvalhais. Os trabalhos de investigação, inseridos em diversos projectos e programas nacionais e internacionais desde 1990, incidiram sobre os seguintes aspectos essenciais:

  • estudo das características físicas, mecânicas e tecnológicas da madeira de carvalho;
  • estudo e desenvolvimento da tecnologia de processamento da madeira;
  • estabelecimento de padrões de qualidade da madeira para diferentes usos potenciais;
  • desenvolvimento de protótipos de madeira de carvalho, com posterior utilização em acções de formação e de divulgação;
  • estudo de características ecológicas da espécie;
  • estudos de produção e de padrões de crescimento da espécie;
  • estudo de práticas silvícolas específicas para a produção madeira de qualidade;
  • desenvolvimento de um programa de gestão florestal sustentada considerando diferentes aspectos ecológicos, ambientais e socioeconómicos.

Estes estudos foram desenvolvidos em toda a área de distribuição do carvalho, onde se procedeu à medição de diferentes parâmetros, à colheita de diferentes amostras e ao abate de árvores para os diversos estudos referidos. Um total de 110 parcelas de estudo e 190 árvores abatidas foram utilizados.

De forma sucinta, foram medidos e avaliados parâmetros climáticos (regime hídrico e térmico, índices climáticos), topográficos e fisiográficos (altitude, exposição, declive, fisiografia), edáficos (tipo de solo, profundidade, propriedades físicas, químicas e biológicas), florísticos (vegetação acompanhante), biométricos e silvícolas (idade, número de árvores, diâmetro, altura dominante, crescimento, volume e biomassa).

p89 fig3

Foram estudados diversos modelos matemáticos e biológicos relacionados com o crescimento das árvores e a produção dos povoamentos de carvalho. Foram estabelecidos diversos indicadores auxométricos e de produtividade dos povoamentos. Diversas características e factores ecológicos relevantes, incluindo a composição, estrutura e biodiversidade das florestas de carvalho foram igualmente analisadas, permitindo um melhor conhecimento acerca das características ecológicas e funcionais dos carvalhais. As árvores abatidas foram também utilizadas para a realização de estudos sobre as propriedades físicas e mecânicas da madeira (densidade, retracção tangencial radial e volumétrica, compressão e tracção paralela e transversal, flexão estática, módulo aparente de elasticidade), bem como sobre propriedades tecnológicas (serragem secagem e laboração). Os troncos foram serrados num total de 650 tábuas de diferentes espessuras (30, 35, 45 e 70 mm) para as diversas avaliações. Foram definidos padrões de serragem optimizados que permitem um maior aproveitamento da madeira e redução de defeitos.

p89 fig4

Foram efectuados ensaios de secagem natural e artificial da madeira, tendo-se estabelecido um procedimento optimizado de secagem, considerando aspectos como a formação da pilha de secagem, espessura das pranchas, gradiente de temperatura e humidade de secagem, dando-se indicação dos tempos previsíveis de secagem. Para situações mais exigentes, foi também testada a estabilização dimensional da madeira por vapor quente. A secagem com recurso a estufa solar foi igualmente testada, o que pode ser uma solução interessante nas nossas condições climatéricas. Por outro lado, foram também desenvolvidos critérios e padrões de qualidade, tanto da madeira redonda como da madeira serrada, permitindo a classificação do material para diferentes usos potenciais. Diferentes usos requerem especificações próprias das características do material. Em utilizações mais exigentes é procurada uma madeira de melhor qualidade enquanto em outras aplicações mais rústicas é admitida madeira com mais singularidades. O sistema de classificação considera características dimensionais e estruturais assim como singularidades presentes nas árvores e na madeira (diâmetro, largura dos anéis de crescimento, proporção de cerne, curvatura, excentricidade, tipo, dimensão e número de nós, fendas, fio espiralado, deterioração biológica, manchas e outras singularidades, e o teor de água final). A definição de critérios de classificação é bastante útil pelo facto de distintos usos e a valorização dependerem das características presentes e dos requisitos definidos, providenciar uma orientação na silvicultura, permitir a normalização do material para a indústria, e facilitar as negociações na venda da madeira entre produtores e compradores. Foram produzidas diferentes peças de madeira ao nível industrial (pavimento, janela, móveis de interior e de jardim), avaliando as diversas operações de transformação e produção (corte, molduração, furação, lixagem, colagem, acabamentos superficiais) revelando um excelente comportamento. Com estes desenvolvimentos, permite-se a transformação tecnológica da madeira de carvalho em produtos de elevado valor, mesmo a partir de pequenos diâmetros (> 30 cm). Com a tecnologia desenvolvida torna-se possível a valorização da madeira de carvalho e, portanto, dos nossos recursos naturais. Deste modo, estimula-se a gestão das florestas de carvalho com os consequentes benefícios ao nível ambiental e socioeconómico.

Foram, igualmente, estabelecidas áreas experimentais permanentes com aplicação de tratamentos silvícolas. Parcelas com diferentes intensidades de desbaste, num total de 18.000 m2; parcelas com diferentes técnicas de limpeza do povoamento, num total de 11,500 m2; e parcelas com tratamentos de regeneração e estruturação, num total de 12,000 m2. Nestas parcelas é avaliada a resposta das árvores e do povoamento a diferentes práticas silvícolas, o crescimento e qualidade das árvores, características do povoamento e da sua biodiversidade. Estas áreas experimentais são de grande interesse científico e técnico dado providenciarem informação sobre as melhores práticas de condução para proprietários e gestores florestais.

Até ao momento, estes estudos permitiram dar indicações sobre os seguintes aspectos:

  • É possível aplicar uma silvicultura específica que permite um adequado crescimento e produção das florestas de carvalho, com produção de árvores de qualidade para uso industrial de grande valor;
  • Fornecimento de procedimentos de transformação industrial da madeira de carvalho com vista ao fabrico de produtos de alto valor acrescentado;
  • Desenvolvimento de uma gestão florestal sustentada das florestas de carvalho que atende à produção de qualidade com importantes retornos financeiros, e ao mesmo tempo providenciar funções ambientais, ecológicas e sociais relevantes.

p89 fig5

Os estudos levados a cabo revelaram que a produção de madeira de qualidade requer uma silvicultura apropriada. A produtividade e rentabilidade dos carvalhais estão dependentes de um variado número de factores, encontrando-se situações muito diversificadas. A beleza da madeira, as suas boas propriedades mecânicas e durabilidade natural permitem a sua utilização em diversas aplicações (pavimento, carpintaria, marcenaria), permitindo um maior rendimento monetário comparativamente a outras madeiras. Foram desenvolvidas indicações e práticas de gestão dos povoamentos de modo a permitir a obtenção de madeira de melhor qualidade e dimensão. Os principais factores ecológicos e florestais foram definidos possibilitando uma gestão multifuncional e sustentada. Os diversos estudos desenvolvidos ao nível ecológico, produtivo, silvícola e tecnológico foram usados na definição de modelos de gestão sustentada, de melhoria de qualidade e uso múltiplo das florestas de carvalho.

Diversas actividades de investigação encontram-se actualmente em curso e outras estão planeadas para um futuro próximo. Os estudos na área florestal são muitas vezes de médio-longo prazo devido à natureza do estudo e do próprio ciclo de crescimento das árvores e dos povoamentos. Esta continuidade dos estudos é também um elemento importante na qualidade dos próprios resultados obtidos. Estudos futuros irão considerar aspectos como a regeneração e dinâmica dos povoamentos, e o desenvolvimento de aplicações de madeira está também planeado.

p89 fig6

ACTIVIDADES DE FORMAÇÃO E DE DISSEMINAÇÃO

Têm sido desenvolvidas diversas actividades de disseminação e formação a diferentes níveis envolvendo proprietários florestais, gestores florestais, industriais da madeira, estudantes do ensino superior e ao público em geral. Nestas actividades, são apresentados os estudos e desenvolvimentos realizados sobre a ecologia, gestão sustentada, valorização e uso da madeira de carvalho. Diversa informação é fornecida sobre a importância ambiental e sócio-económica das florestas de carvalho, formas de exploração e melhoria, práticas silvícolas para a produção de árvores de qualidade, bem como indicações sobre processos tecnológicos de transformação e laboração de produtos de valor, assim como outra diversa informação relevante no desenvolvimento de estratégias de rentabilização e de gestão e multi-funcional. Será importante continuar a realizar estas actividades a diferentes grupos profissionais e em diversas regiões do país.

p89 fig7

REPERCUSSÕES DOS TRABALHOS REALIZADOS NA SOCIEDADE E NO MEIO AMBIENTE

Os resultados obtidos até ao momento nos trabalhos de investigação e de desenvolvimento realizados conduzem a uma nova perspectiva de uso, exploração e gestão das florestas de carvalho no nosso país.

Diversos trabalhos colaborativos com entidades governamentais e organizações não-governamentais, como sejam a Autoridade Florestal Nacional, o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, e Associações de Produtores Florestais, tem levado à realização de planos de gestão florestal com vista a uma orientação no tratamento das florestas de carvalho. Diversos planos regionais de ordenamento florestal têm dado prioridade a estas florestas em futuras acções de reflorestação e gestão. Colaborações com indústrias da madeira têm resultado em apropriados processamentos da madeira e sua consequente valorização.

Considerando as características naturais destas florestas bem como as múltiplas funções e usos que podem proporcionar é importante uma melhoria da gestão pelos seus contributos para o meio ambiente e para a sociedade. Estas florestas podem contribuir para a promoção do turismo, da caça e outras actividades recreativas, para a produção de madeira de qualidade e de outros produtos não-lenhosos, melhorando as condições de vida das populações rurais. Estas orientações enquadram-se nas políticas da União Europeia para a preservação e valorização dos recursos naturais e a prevenção contra a desertificação humana das zonas rurais.

Um adequado aproveitamento deste recurso providenciará uma melhor relação entre o desenvolvimento florestal e a conservação dos recursos naturais, com efeitos positivos ao nível ambiental e socioeconómico. Os conhecimentos adquiridos poderão ser utilizados para evitar processos degradativos e o subaproveitamento de potencialidades naturais.

A adopção de adequadas práticas de silvicultura e de procedimentos de transformação industrial torna possível a obtenção de importantes bens e serviços por parte das nossas florestas de carvalho. A silvicultura do futuro deverá considerar não apenas o contexto socioeconómico mas também os requisitos de conservação e uso múltiplo da floresta. Esta ideia de uso múltiplo não é nova mas ganha hoje uma nova expressão em face do contexto de desenvolvimento da sociedade moderna.

Bibliografia

  1. Carvalho, J.; Oliveira, A. e Loureiro, A., 1994. Enquadramento Fitoclimático da Quercus pyrenaica Willd. em Portugal Continental Com Base nos Diagramas Bioclimáticos. In: III Congresso Florestal Nacional, Figueira da Foz, 15-17 Dez, SPCF, 386-396.
  2. Carvalho, J. and Parresol, B., 2004. A site model for Pyrenean oak (Quercus pyrenaica Willd.) stands using a dynamic algebraic difference equation. Can. Journal Forest Research 35: 93-99.
  3. Carvalho, J.; Santos, J.A.; Reimão, D.; Rodrigues, A. P.; Borges, A.; Alves, E. e Duro, M.R., 2004. Potencialidades da madeira de carvalho para a indústria da construção. In: 1º Congresso Ibérico “A Madeira na Construção - CIMAD04”, Guimarães, 25-27 Mar, 133-140.
  4. Carvalho, J., 2005 (Ed.). O Carvalho negral. Sersilito, Maia, 206 pp.
  5. Carvalho, J., Santos, J., Reimão, D. e Santos, J., 2007. A Valorização dos Carvalhais. In: Silva, J. (Ed.), Os Carvalhais – O Carvalho-negral. FLAD - LPN, II.2, 121 – 136.
  6. Carvalho, J., 2007. Conservação, Regeneração e Exploração do Carvalho-roble. In: Silva, J. (Ed.), Os Carvalhais – O Carvalho-roble. FLAD - LPN, III.4, 229 – 248.
  7. Carvalho, J., 2011. Composition and structure of natural mixed-oak stands in northern and central Portugal. Forest Ecology and Management 262: 1928-1937.
  8. Santos, J., Santos, J. e Gonçalves, C., 2004. Estudo Comparativo dos Processos de Secagem para a Espécie Carvalho Negral. In: 1º Congresso Ibérico “A Madeira na Construção - CIMAD04”, Guimarães, 25-27 Mar, 95-102.

Regiões

Notícias por região de Portugal

Tooltip