Diversidade de parasitas gastrointestinais em bovinos da raça Minhota: estudo preliminar

Por: Sérgia Pimenta1, Aníbal Malheiro2, Jorge Dores2, Manuel Dantas2, Teresa L. Mateus1*
1 Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo
2 Associação Portuguesa de Criadores de Bovinos de Raça Minhota, Ponte de Lima
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Resumo

Os bovinos de raça Minhota são produzidos essencialmente no Noroeste de Portugal e representam um importante suporte económico para muitos dos seus criadores. As parasitoses gastrointestinais podem ter efeitos graves na saúde e na economia duma exploração. O objectivo deste estudo é fazer um levantamento do tipo e grau de parasitismo gastrointestinal nos bovinos de raça Minhota no Noroeste de Portugal. Para o efeito, recolhemos 48 amostras de fezes de bovinos desta raça em 12 Concelhos no Noroeste de Portugal e analisamos por coprologia parasitária. Identificamos formas parasitárias em 40 amostras, grande parte delas (45%) com infecções múltiplas, e pelo menos 6 formas parasitárias distintas. Os animais produzidos em sistema intensivo aparentemente tem maior frequência de positividade. É importante sensibilizar os produtores para a necessidade de desparasitar os animais e executar um bom maneio higiosanitário dos mesmos.

Palavras-Chave: Bovino, Raça Minhota, Parasita, Zoonose

Introdução

Os bovinos de raça Minhota (Figura 1), cujo solar da raça corresponde aos Concelhos de Viana do Castelo, Ponte de Lima, Vila Nova de Cerveira e Caminha, estão hoje dispersos por todo o Noroeste de Portugal, graças ao seu desempenho produtivo. A diversidade climática e orográfica que caracteriza a área de produção da Minhota influencia directamente os sistemas de produção. O sistema intensivo caracteriza-se pela permanente estabulação, o sistema semi-intensivo (o mais comum), pela permanente estabulação dos vitelos enquanto que as vacas saem para a pastagem, e o sistema extensivo em que vacas e vitelos estão permanentemente em pastoreio. A Minhota é uma raça de tripla aptidão (carne, leite e trabalho), mas actualmente a principal será a carne(1).

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Nos bovinos as parasitoses gastrointestinais têm grande impacto socio-económico (provocam diminuição da condição corporal, perdas de produção e rejeições no matadouro) e na Saúde Pública. Os seus agentes etiológicos podem ser zoonóticos e susceptíveis de causar danos, não raras vezes irreversíveis, no Homem(2,3,4). Denomina-se por zoonose uma doença que resulta da transmissão a humanos, de parasitas normalmente encontrados em animais(5).

Duma forma geral, os principais sintomas provocados por estas infecções parasitárias são a falta de apetite, debilidade, desnutrição, cólicas dolorosas, enterite e diarreia(6,7). Contudo, na infecção por Toxocara (Classe Nematoda) pode ainda ocorrer migração da larva para o sistema respiratório e esta provocar dificuldade respiratória(8). No que diz respeito à Classe Cestoda, as infecções mais comuns em grandes ruminantes são por Moniezia(2), nomeadamente M. benedeni e M. expansa(9), que provocam transtornos gastrointestinais(2). Alguns dos parasitas da Classe Trematoda (nomeadamente dos géneros Dicrocoelium e Fasciola) são responsáveis também por reações inflamatórias crónicas e agudas do fígado e ductos biliares, com graves consequências económicas na produção animal, altas taxas de rejeições em matadouro(5,10,11), e uma maior susceptibilidade a infecções bacterianas secundárias(5). Estas parasitoses precisam de moluscos gastrópodes para completar o seu ciclo (hospedeiros intermediários). A prevenção destas infecções deveria compreender a aplicação correcta e integrada de medidas como a desparasitação, e a diminuição de possibilidade de infecção e redução do número de moluscos hospedeiros intermediários(12). Uma boa drenagem das zonas mais encharcadas onde existem moluscos é um bom método, embora com efeitos apenas a longo prazo. A construção de bebedouros adequados previne que os animais se dirijam a zonas mais húmidas(12). Em relação à Classe Coccidia, nos ruminantes os protozoários do género Eimeira são os mais relevantes, afectando sobretudo os vitelos nos quais podem provocar uma diarreia hemorrágica grave e uma perda rápida da condição corporal(3,13).

Alguns parasitas dos bovinos são zoonóticos, ou seja, infectam o Homem. Dentro da Classe Nematoda, Toxocara vitulorum é um deles. Este parasita pode ser transmitido ao Homem pela ingestão dos ovos e/ou larvas nos alimentos (carne e fígado mal cozinhados, vegetais crus e mal lavados e leite não pasteurizado) e/ou água contaminada(6,14). Assim, os vegetais não cozinhados, principalmente aqueles provenientes de quintas que utilizam excrementos de origem animal ou humana como fertilizante podem apresentar um elevado risco de infecção(14,15), daí a importância da lavagem das mãos e dos alimentos crus antes de serem ingeridos pelo Homem(7,15). Para o Homem evitar a infecção por tremátodes zoonóticos (Dicrocoelium e Fasciola) a correcta lavagem e confecção dos alimentos mantém-se como boa medida profilática(11).

Considerando a importância socio-económica que a produção de bovinos da raça Minhota tem no Noroeste do país, e o impacto produtivo, económico e sanitário que as infecções parasitárias podem ter num animal, numa exploração e no Homem, o objectivo deste estudo é fazer um levantamento do tipo e grau de parasitismo gastrointestinal nos bovinos de raça Minhota no Noroeste de Portugal.

Material e Métodos

A recolha de amostras foi de conveniência e feita de forma aleatória, em função dos pedidos de identificação dos vitelos recebidos na Associação Portuguesa de Criadores de Bovinos de Raça Minhota, pelo que recolhemos amostras exclusivamente em bovinos desta raça, entre os meses de Abril e Junho de 2013. As amostras foram recolhidas em bovinos com mais de um mês de idade - duma forma directa nos vitelos (até um 1 ano de idade), e indirecta nos adultos (idade superior a 1 ano). Todas as amostras foram identificadas com um número, tendo sido feito o registo de outros dados (nomeadamente: marca de exploração, data, idade, localização, sistema de produção, entre outros). Depois de recolhidas foram armazenadas a temperatura de refrigeração e mais tarde processadas em laboratório. Para a pesquisa de parasitas gastrointestinais, todas as amostras foram sujeitas a análises coprológicas qualitativas de flutuação (Método de Willis)(13) e ainda foi analisado o sedimento resultante deste método com a adição de azul de metileno para a pesquisa de possíveis formas parasitárias de tremátodes, uma vez que estas são mais pesadas e portanto sedimentam.

Resultados e Discussão

Foram recolhidas 4 amostras de explorações diferentes em cada um de 12 Concelhos assinalados na Figura 2.

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Das 48 amostras recolhidas, 23 eram de vitelos e 25 de bovinos adultos. No total das amostras analisadas (n=48) foram identificadas formas parasitárias em 40 (83%) (Gráfico 1).

A frequência de positividade foi igual (83%) quer em animais adultos quer em vitelos, uma vez que nas 30 amostras de adultos, 25 são positivas, e nas 18 amostras de vitelos, 15 também o são.

No que diz respeito ao tipo de infecção (número de diferentes formas parasitárias encontradas), 22 (55%) amostras tinham infecções simples, 15 (37%) amostras tinham infecções duplas e 3 (8%) infecções triplas (Gráfico 2).

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As formas parasitárias identificadas pertencem, por ordem decrescente de ocorrência, às Classes Nematoda (n=36), Coccidia (n=21), Trematoda (n=3) e Cestoda (n=2) (Gráfico 3).

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Das 36 amostras com formas parasitárias da Classe Nematoda, em 31 identificamos ovos tipo estrongilídeo (Figura 3) e nas restantes 5, ovos de Toxocara (Figura 4). No que diz respeito às amostras da Classe Trematoda (n=3), identificamos ovos de Dicrocoelium numa, e nas restantes duas ovos cuja morfologia é compatível com Fasciola ou Paramphistomum. As amostras positivas para a Classe Cestoda correspondiam ambas a infecções por Moniezia (Figura 5).

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Tentamos perceber se existem diferenças no que diz respeito à frequência de positividade entre os 12 Concelhos estudados nesta amostragem (Gráfico 4).

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Apesar de aparentemente os Concelhos de Monção e Ponte da Barca apresentarem frequências de positividade mais baixas, devemos ter presente que o número de amostras por Concelho é muito reduzido, pelo que somos cautelosos nas considerações.

Quisemos também saber se existiam diferenças na frequência de positividade em função do sistema de produção (Gráficos 5).

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A frequência de positividade é igual (79%) para o sistema de produção extensivo (11, n=14) e semi-intensivo (15, n=19). Aparentemente, é nos animais em sistema intensivo que a frequência de positividade é maior, 93% (14, n=15). Considerando que a maioria dos parasitas por nós identificados são parasitas de ciclo directo (isto é, não necessitam de hospedeiros intermediários para se completar o ciclo, podendo ser transmitidos directamente de animal para animal), era expectável que os animais em regime intensivo, habitualmente mais confinados no espaço e em contacto mais íntimo, tivessem uma frequência de positividade maior. Contudo, um bom maneio e práticas de desparasitação e higiene possivelmente evitariam uma frequência tão elevada.

Não encontramos na nossa pesquisa estudos relativos a parasitismo gastrointestinal em bovinos de raça Minhota, ou de outra raça autóctone, sendo a maioria dos mesmos relativos a bovinos de aptidão leiteira.

Contudo, um estudo realizado em bovinos de carne em Odemira(16), encontrou frequências de positividade para estrongilídeos de 82%, valor superior ao encontrado no nosso estudo (65%). Neste mesmo estudo(16) e noutro realizado em bovinos de engorda no Ribatejo(17), os autores não encontraram qualquer exemplar de tremátodes, enquanto que no nosso estudo obtivemos 6% das amostras positivas para estes parasitas. Numa comparação um pouco mais distante, com bovinos de leite, podemos referir que num estudo realizado em Montemor-o-Velho(18), a frequência de positividade para parasitas da Classe Coccidia foi de 39,6%, e num outro realizado em Barcelos(19), 47,5%, ficando os valores do nosso estudo entre estes dois, 44,0%. Ainda no âmbito dos bovinos de leite, neste caso na Ilha de S. Miguel, Açores(20), também foram identificados parasitas da Classe Cestoda – Moniezia como no nosso estudo – em percentagens ligeiramente superiores à nossa, 7,7%.

Considerações finais

Existe uma elevada frequência de positividade (83%) de parasitas gastrointestinais nos bovinos de raça Minhota amostrados, e as infecções múltiplas surgem em grande percentagem (45%). Apesar de se tratar dum estudo preliminar e com uma amostragem relativamente pequena, é notória a diversidade de formas parasitárias encontradas, algumas das quais zoonóticas (Toxocara vitulorum, Dicrocoelium, Fasciola).

Assim, pretendemos com este estudo reunir informação que nos permita consciencializar os criadores de bovinos, nomeadamente da raça Minhota, para a importância da prevenção destas infecções (através de um bom programa de desparasitação e boas práticas de maneio e higienização), na salvaguarda da saúde dos animais e do próprio Homem.

Agradecimentos

Agradecemos a todos os criadores de bovinos de raça Minhota que autorizaram a recolha de amostras e mostraram interesse em saber mais. Agradecemos ao Dr. Sérgio Sousa da Escola Universitária Vasco da Gama em Coimbra a colaboração e importante partilha de conhecimentos na área da Parasitologia.

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