Cooperação internacional deve assumir um papel central na luta contra a fome
A conferência online de lançamento do Índice Global da Fome 2020, organizada pela ONG Ajuda em Ação, revelou que a situação da fome no mundo é “alarmante” e que é necessária uma forte aposta na cooperação internacional para que seja possível alcançar o objetivo da Fome Zero até 2030. “Pensar global, agir global” foi uma das receitas apontadas para um combate à fome mais eficaz durante a mesa redonda que juntou três especialistas.
Luta contra a fome deve estar no topo de agenda política
A propósito do lançamento do Índice Global da Fome 2020, a ONG Ajuda em Ação, responsável pela organização da versão portuguesa do relatório, convidou três especialistas para discutirem o papel da Cooperação Portuguesa no combate à fome. Durante uma hora, Pedro Krupenski (Plataforma das ONGD), Pedro Matos (World Food Programme) e Sérgio Guimarães (Instituto Camões) debateram os caminhos mais eficazes para combater a fome e atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) Fome Zero das Nações Unidas até 2030, com a moderação da jornalista Marta Atalaya.
Todos os especialistas convidados da mesa redonda concordaram que o melhor caminho só pode passar por uma forte aposta na cooperação para o desenvolvimento. «É preciso uma coerência de trabalho de cooperação entre decisores políticos, governos, entidades privadas e organizações da sociedade civil para fomentar o desenvolvimento e combater a fome», referiu Sérgio Guimarães. Intervenção apoiada também pelo colega de painel Pedro Krupenski, que salientou a importância de «pensar global e agir global».
No caso de Portugal, em particular, «é fundamental que a cooperação portuguesa cumpra os compromissos a que se propôs e que dizem respeito à eficácia da ajuda ao desenvolvimento, ou seja, fugir da ajuda aos orçamentos de Estado e ajudar mais diretamente as organizações ou empresas, de modo a garantir que o dinheiro chegue às pessoas que realmente precisam», defendeu, ainda, Pedro Krupenski.
Numa altura em que Portugal se aproxima de assumir a presidência do Conselho Europeu – janeiro de 2020 -, os convidados da Conferência Online reforçaram, de forma assertiva, que este é o momento certo para a cooperação internacional colocar a questão da segurança alimentar e nutricional no topo das preocupações e da agenda dos Estados-membros.
Também Antonia Potter Prentice, diretora da rede de ONG Alliance2015, tinha já frisado durante a sua exposição no primeiro painel da conferência - “Principais dados, conclusões e mensagens: uma análise do Índice Global da Fome 2020” - a necessidade de os doadores e os países parceiros duplicarem o investimento até 2030 para se atingir os objetivos definidos e de se criarem políticas coerentes com os ODS.
Por altura da mesa redonda, Pedro Krupenski alertou para o facto de ser essencial que os países da OCDE comecem a cumprir o compromisso de afetar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto à ajuda ao desenvolvimento, algo que só foi assegurado por cinco países e que, ao longo dos anos, de acordo com um estudo recente da Oxfam, poderia ter gerado receitas na ordem dos 5,7 biliões de euros destinados à ajuda ao desenvolvimento.
É necessário reformular os sistemas alimentares e as políticas de proteção social
Uma das conclusões do Índice Global da Fome 2020 (IGF 2020) prende-se com a necessidade de transformar os sistemas alimentares e de reforçar as políticas de proteção social, de forma a apoiar as comunidades subalimentadas, onde os programas de apoio social são quase inexistentes.
«O relatório pode ajudar a sociedade civil e os governos a compreender a importância do desenvolvimento de programas que promovam a segurança alimentar, de criar redes de apoio social e estabelecer uma ligação entre as cadeias de valor locais, sustentáveis e nutritivas com as iniciativas do setor privado», explicou Antonia Potter Prentice.
Também o diretor da Ajuda em Ação Moçambique, Jaime Díaz Martínez, defendeu esta ideia durante a sua intervenção no Painel 2: «é fundamental melhorar os acordos comerciais, as alterações às leis da propriedade e o uso das terras pelas pessoas locais e prestar atenção à questão dos mercados locais vs. mercados globais» para nos aproximarmos do objetivo Fome Zero até 2030.
Na mesma linha dos discursos anteriores, os convidados do terceiro painel concordaram que é fundamental apostar na pequena agricultura e no consumo local numa perspetiva sustentável, aquilo a que Pedro Matos chamou de «dar de comer ao ensinar a pescar».
Fome no mundo é “alarmante”
Os números do IGF 2020 apresentados neste evento online apontam a existência de 26 países onde os níveis de fome são moderados, 40 onde a situação é grave e 11 alarmante. Embora se verifique uma melhoria desde há 20 anos, a fome ainda afeta quase 690 milhões de pessoas, o que levou os convidados da conferência a classificar, de forma unânime, a situação da fome no mundo como “alarmante”.
Além disso, o relatório, que este ano foi traduzido para português pela ONG Ajuda em Ação, ainda não reflete o impacto da pandemia da Covid-19, que, de acordo com Antonia Potter Prentice, pode vir a duplicar o número de pessoas afetadas pela fome e desnutrição.
Ao ritmo atual, revela também o IGF 2020, 37 países não conseguirão sequer atingir o nível baixo de fome dentro de 10 anos, comprometendo o ODS Fome Zero das Nações Unidas. Um destes países é Moçambique, onde 42% das crianças vivem numa situação de subalimentação. «Embora fosse já considerado como um país em estado grave no que à fome diz respeito, Moçambique tem vindo a enfrentar alguns conflitos desde o início de 2020 que podem vir a a gravar a situação ainda mais», explicou Jaime Díaz Martínez durante a sua exposição no segundo painel, do qual também fez parte Mário Rui da Ajuda em Ação Portugal.
Além da violência, o convidado da mesa redonda Pedro Matos apontou as alterações climáticas como uma das razões que agravam a fome e a insegurança alimentar, uma realidade que também afeta a população moçambicana com o país ainda a sofrer as consequências devastadoras dos ciclones Idai e Kenneth.