Casa do Azeite: «Temos de investir mais na promoção do consumo em Portugal»

O setor do azeite é cada vez mais preponderante na economia portuguesa. Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite, em entrevista ao Agronegócios, não tem dúvidas: «estamos a exportar cada vez mais azeites de maior qualidade, com maior valor acrescentado». Com o Alentejo a assumir o protagonismo enquanto maior região produtora, o crescimento do setor é igualmente «fruto do grande investimento que tem sido feito na produção, transformação e comercialização», afirma a responsável. Contudo, lembra, «o elo mais fraco da cadeia continua a ser o consumo», com valores per capita (7kg/ano), abaixo de Espanha, Itália ou Grécia. Por tudo isto, Mariana Matos, apela para que «o setor se una em torno de uma campanha de promoção e dos seus benefícios».

azeite

Agronegócios: Comecemos pelas exportações. O azeite português tem ganho terreno nesta matéria nos últimos anos. Qual o cenário atual (em termos de números e crescimento)?

Mariana Matos: As exportações nacionais de azeite têm tido um crescimento verdadeiramente extraordinário nos últimos anos, tanto em volume como em valor. Entre 2010 e 2014 as exportações nacionais (em volume) mais que duplicaram, passando das 63.470 Ton. para 135.353 Ton.. Em valor, esse crescimento foi ainda mais significativo (162 milhões de euros em 2010 para 374 milhões de euros em 2014), o que significa que estamos a exportar cada vez azeites de maior qualidade, com maior valor acrescentado.

AN: Quais os principais mercados de exportação e quais aqueles que podem vir a ser uma boa aposta no futuro (e onde eventualmente tem sido mais difícil entrar)?

MM: Nos últimos anos tem havido uma alteração do paradigma das exportações nacionais. Tradicionalmente, Portugal era um país exportador de azeites de marca, embalados. Nos últimos anos, e fruto do elevado investimento que foi realizado em Portugal no setor produtivo, principalmente no Alentejo, existe já disponibilidade de matéria-prima a granel, de elevada qualidade, que pode ser colocada no mercado internacional. Hoje em dia, cerca de metade das exportações nacionais (em volume) são de azeite a granel, maioritariamente destinadas a Espanha e Itália, também eles grandes produtores de azeite. Este é um fenómeno recente, como já afirmei. Em relação às exportações de azeite de marca, embalado, o nosso principal destino continua a ser o Brasil, onde o azeite português detém uma quota de mercado de 60% em volume (e de 62% em valor). Outros destinos importantes são Angola, França e Estados Unidos, que constituem o «núcleo duro» das exportações nacionais. Mais recentemente têm surgido outros mercados com elevado potencial de crescimento de consumo de azeite, como sejam os mercados asiáticos (China e Japão, essencialmente), Reino Unido Alemanha ou a Rússia. Mas as nossas exportações para esses mercados são ainda pouco expressivas, pelo que é muito importante a divulgação da imagem do azeite português, mesmo que de forma genérica. Se for bem direcionada, a promoção da imagem do azeite português nestes mercados pode ser muito importante para aumentar a notoriedade deste produto, reforçando o trabalho das marcas e apoiando as empresas nos seus esforços comerciais.

AN: Fruto do bom desempenho das exportações também têm sido os inúmeros prémios conquistados por várias marcas nacionais além-fronteiras. O azeite português é, de facto, um produto de excelência para o mundo?

MM: Não sei se é fruto do desempenho das exportações, mas é certamente fruto do grande investimento que o setor tem feito, tanto em termos de produção, como em termos de transformação e comercialização (packaging e imagem, por exemplo). Todo esse investimento se traduz num aumento muito significativo da qualidade média dos azeites produzidos em Portugal, que hoje em dia iguala a dos melhores produtos italianos ou espanhóis, para só citar dois dos nossos principais concorrentes. A par desse aumento de qualidade, deve registar-se igualmente um maior cuidado com a imagem do produto; temos hoje uma oferta de azeites com excelente imagem, packaging muito cuidado e atrativo, ao nível do que melhor se faz noutros países. E sim, sem dúvida nenhuma que o azeite português é um produto de excelência para o mundo! Basta ver a quantidade de prémios que são arrecadados todos os anos nos vários concursos internacionais. E não falo só dos concursos menos exigentes – onde, muitas vezes, para ganhar uma medalha basta apenas concorrer… - recebemos muitos prémios nos principais e mais reputados concursos mundiais, como o concurso Mario Solinas, organizado pelo Conselho Oleícola Internacional (COI), entidade da esfera das Nações Unidas que superintende o setor do azeite ao nível internacional.

«Dinâmica de crescimento»

mariana matos

Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite

AN: Falando do setor nacional. Qual a radiografia que faz, desde a produção à comercialização do setor?

MM: Como já atrás referi, todo o setor apresenta nos últimos anos uma dinâmica de crescimento notável. Ao nível da produção, e apesar da última campanha ter sido menor do que se previa (essencialmente por razões climáticas), Portugal já quase triplicou a produção de azeite, em relação à média da década anterior. O crescimento verifica-se sobretudo no Alentejo, devido à plantação de milhares de hectares de olival intensivo e superintensivo, altamente produtivo. Esse investimento foi possível, para além de outros fatores, devido à conclusão da barragem do Alqueva, e à disponibilidade de água para rega. Prevê-se que nos próximos anos a produção nacional seja, em termos médios, próxima das 100 mil toneladas, valor que nos garante a autossuficiência (mas não a cobertura das nossas necessidades totais, que incluem as exportações). Recorde-se que na década de 2000-2010 a produção média de azeite em Portugal pouco excedeu as 30 mil toneladas… Ao nível das exportações, e como também já atrás referimos, o comportamento tem sido igualmente excecional. Portugal é um player cada vez mais importante e reconhecido a nível internacional. O elo mais fraco desta cadeia continua a ser o consumo de azeite em Portugal, com valores per capita ainda modestos quando comparados com o de outros países com dietas do tipo mediterrânico, como Espanha, Itália ou a Grécia. De facto o consumo per capita em Portugal ronda os 7 kg/ano, enquanto em Espanha é cerca de 12 kg/ano. Adicionalmente, verifica-se nos últimos anos um decréscimo de consumo de azeite em Portugal (mas igualmente nos restantes países produtores da Europa) que tem sido atribuído quer à crise económica que se tem feito sentir exatamente nestes países, nos últimos anos, quer ao aumento muito significativo do preço do azeite na origem, devido à quebra de produção da última campanha. Claramente, temos que investir mais na promoção do consumo de azeite em Portugal.

AN: O peso do azeite na economia nacional tem crescido nos últimos anos. É possível dizer como e em que medida?

MM: Continua a ser um peso residual, em termos de impacto no todo da economia nacional, mas em termos agrícolas, por exemplo, é já um dos setores mais importantes. Em termos de balança comercial, podemos realçar o contributo positivo deste setor, cujo saldo da balança comercial tem vindo a crescer exponencialmente. Em 2014, o saldo foi de +374 milhões de euros (cresceu 10% em relação a 2013), o que é muito positivo para as contas nacionais, obviamente.

Entraves

AN: Quais os principais problemas que atingem os produtores? Quantos existem no país e em que tipo de cultura (se tiver dados disponíveis)?

MM: Penso que o principal problema da produção nacional não está neste novo setor que atrás se mencionou, na nova olivicultura que floresce principalmente na região do Alentejo. O problema reside nas extensas áreas de olival tradicional – que são a maioria da área em Portugal, cerca de 80% – onde não existem condições para modernizar ou intensificar a produção. Por vezes não existe água disponível, ou então o declive da exploração é bastante acentuado, ou, o que é muito comum, a área da exploração é muito reduzida e não permite ter alguma escala para viabilizar o investimento. Essas explorações enfrentam de facto sérios problemas, pois não conseguem produzir a preços competitivos e necessariamente terão que encontrar formas de rentabilizar e diferenciar o seu produto. Não é tarefa fácil, e devia ser desígnio nacional apoiar de forma eficaz o olival tradicional, com as suas (nossas) variedades autóctones e a sua especificidade. Não penso que se trate sequer de um problema de qualidade, porque se pode produzir excelente azeite quer em olivais tradicionais quer em olivais superintensivos; mas é, seguramente, uma questão importante em termos da economia das regiões produtoras, de mão-de-obra, de fixação das pessoas no Interior e, como já referi, de diferenciação do produto.

azeite

AN: Quais as regiões onde se produz mais azeite atualmente?

MM: Como se pode observar, a região do Alentejo é, cada vez mais, a principal região produtora de azeite, garantindo quase 70% da produção nacional. A tendência é para um reforço da importância desta região, à medida que forem entrando em plena produção os novos olivais plantados nos últimos anos. A segunda região produtora é Trás-os-Montes, que representa cerca de 20% da produção nacional.

AN: Seremos capazes, um dia, de atingir a autossuficiência em termos de produção de azeite?

MM: Na campanha de 2013/2014 Portugal voltou a ser autossuficiente, o que não acontecia desde os anos 60 do século passado. A autossuficiência, em termos médios, deverá ser atingida nos próximos anos, pese embora a influência das condições climáticas, que, quando adversas, podem provocar quebras muito significativas na produção. No entanto, as nossas necessidades totais de azeite incluem o abastecimento dos mercados internacionais, com exportações que, como já vimos, também tem crescido significativamente. O que se prevê é que Portugal passe a produzir, em termos médios e até 2020, o suficiente para o seu consumo interno e provavelmente até um pouco acima, mas não o suficiente para a cobertura das nossas necessidades totais. Apesar disso, é um cenário muito mais animador para este setor do que o que se vivia à uma década atrás, o setor evoluiu imenso e vai continuar a crescer.

AN: É preciso conquistar ainda mais consumidores? De que forma?

MM: Com muita informação junto dos consumidores, promovendo um consumo mais “inteligente” e de acordo com os vários momentos: um azeite para “a panela”, para cozinhar no dia-a-dia, fazer refogados, etc. (que pode ser perfeitamente um azeite virgem). Um outro azeite – ou vários – para temperar a cru (aqui só mesmo azeite virgem extra!), de acordo com o gosto de cada um ou com o prato que se está a fazer. Pode-se, e deve-se, ainda informar os consumidores acerca dos benefícios do azeite, nomeadamente para a fritura, coisa que os portugueses deixaram de fazer mas que é muito mais saudável do que a utilização de outros óleos de sementes, por exemplo. Enfim, diria que apesar do azeite parecer “estar na moda” falta ainda muita informação acerca do seu real valor e do modo correto como deve ser utilizado, e por isso todo o setor se devia unir em torno de uma campanha de promoção de azeite e dos seus benefícios.

AN: Qual a perspetiva de produção para a próxima campanha? Há estimativas de aumento?

MM: Ainda é muito cedo para ter uma ideia precisa de como será a próxima campanha. Os dados disponíveis apontam para uma campanha média, não só em Portugal como também em Espanha, que é o principal país produtor do mundo. Mas embora seja ainda muito cedo, tudo indica que vai haver um aumento da produção em relação à campanha passada, que foi extremamente má.

Desafios do setor

AN: Que desafios tem o setor pela frente nos próximos anos?

MM: A nível nacional, creio que os principais desafios são apoiar o olival tradicional e encontrar formas de viabilizar a produção de azeite em regiões mais desfavorecidas, e expandir o consumo de azeite em Portugal, para níveis per capita mais perto do consumo de azeite em países como Espanha e Itália. Em termos internacionais, creio que o maior desafio será a promoção da imagem do azeite português nos principais mercados consumidores mundiais, como os Estados Unidos e Canadá, por exemplo, sem descurar obviamente os nossos mercados tradicionais, como o Brasil.

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AN: Qual tem sido o caminho traçado pela Casa do Azeite na ajuda ao setor e quais as vossas prioridades para os próximos anos?

MM: A Casa do Azeite tem uma grande preocupação em apoiar os seus associados (as marcas de azeite) quer em aspetos técnicos e legais - legislação, divulgação de boas práticas, etc. - quer na sua missão de promoção da imagem do azeite, em Portugal mas essencialmente no mercado internacional. Ao longo dos últimos anos, a Casa do Azeite tem levado a cabo uma série de ações promocionais em mercados chave para o azeite português, como o mercado do Brasil, com o objetivo de ajudar as empresas nos sues esforços comerciais, aumentando a notoriedade do azeite português no mundo. Por outro lado, como associação patronal que é, desempenha uma importante papel de lobby juntas das entidades oficiais, não só em Portugal, ao nível dos vários ministérios com os quais temos relações mais estreitas - Agricultura, Economia, Negócios Estrangeiros - como também na Comissão Europeia, participando nos vários Comités Consultivos setoriais ou a nível internacional, com a participação ativa no Conselho Oleícola Internacional. Para os próximos anos, o nosso principal objetivo é manter e reforçar a atividade até agora desenvolvida, e contribuir ativamente para a concretização de um dos maiores desafios deste setor, que é o pleno reconhecimento e funcionamento de uma Organização Interprofissional que possa ajudar a ultrapassar alguns dos constrangimentos e dos desafios que o setor enfrenta.

Fotos: Casa do Azeite/Agronegócios 

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