Agricultura: O setor que nunca desiste

Nas últimas semanas, muitos têm sido os relatos de dificuldades das empresas do setor agrícola. Desengane-se quem acredita que a maior afluência aos supermercados se traduz em ganhos massivos para todos. Existem muitos agricultores e produtores que estão a braços com variadas dificuldades. Contudo, o que todos têm em comum é o facto da palavra desistir não fazer parte do seu vocabulário. Os agricultores portugueses continuam com as mãos na terra e não vão baixar os braços tão cedo. 

Agricultura

Por: Sofia Cardoso

Plantas e flores: «É uma situação absolutamente desastrosa»

O setor das plantas e flores é, sem margem para qualquer dúvida, um dos mais afetados. Nos últimos tempos as perdas, só num conjunto de viveiros no Algarve, ascenderam aos 14 milhões de euros, visto que as exportações simplesmente pararam. Eduardo Martins, membro da direção da Associação Portuguesa de Produtores de Plantas e Flores Naturais (APPPFN) e sócio da Monterosa Viveiros, conta-nos que a situação no setor das plantas ornamentais e na floricultura é «absolutamente desastrosa».

O produtor explica-nos que grande parte da produção é realizada para este período do ano. «A primavera é fundamental para nós», afirma. «Muitas das plantas que nós produzimos vendem-se agora e depois deixam de estar em condições de se vender. Uma petúnia, uma tagete, um brinco de princesa, todas essas são plantas que não conseguimos aguentar e recultivar de maneira a vender mais tarde. Se for um arbusto, eu ainda posso, eventualmente, recultivar. Contudo, se for uma herbácea ou semilenhosa, eu vou ter muita dificuldade em faze-lo».

Segundo o membro da direção da APPPFN, isto calha exatamente no grande período de vendas do setor, que vai de março até meio de maio e atinge também as flores de corte. Eduardo Martins expõe-nos a situação de uma forma simplificada. «Eu já tive os custos de produzir a planta, tenho a planta pronta e agora, o que é que eu faço? Deito-a para o lixo e tenho uma perda total», lamenta, realçando que é algo «absolutamente dramático».

Contudo, este não acredita que os despedimentos vão ser a solução porque, como diz, «se eu parar a minha atividade, vou comprometer a minha produção de verão, outono e mesmo do inverno de 2021. Muitas das plantas que eu vou vender em 2021, eu estou a começar a produção agora. Como tal, eu não posso parar a produção, o que eu posso parar é a venda». Como tal, dispensar funcionários não está nos planos, mesmo devido aos problemas financeiros. «Eu não posso fechar. Na minha empresa, eu neste momento tenho cerca de 150 pessoas a trabalhar e não posso ter menos», reforça. «Se eu paro, para além de ter a crise devido à primavera se encontrar numa fase desgraçada, eu comprometo as vendas nas próximas estações do ano». 

Os destinos de eleição dos viveiros do Algarve exportam principalmente para França e Alemanha, dois mercados que estão bloqueados. Como tal, todas as encomendas têm sido canceladas, o que faz com que as plantas sejam desperdiçadas. 

Eduardo Martins acrescenta que o setor tem que ser apoiado. «Nós temos que ser seriamente apoiados», afirma. «Se não formos, nós não aguentamos as empresas. Isto é uma situação catastrófica. Só na zona do Algarve estamos a falar de cinco viveiros exportadores com uma quebra de faturação na ordem dos 14 milhões de euros e que têm que pagar salários a 500 funcionários. É uma situação de calamidade e que tem que ter apoio direto e rápido, caso contrário, nós não aguentamos», conclui, realçando que tudo vai depender do tempo que a crise durar e que, por agora, em primeiro lugar está a saúde das pessoas. Avisa ainda, em tom esperançoso, que desistir não faz parte dos seus planos a longo prazo. 

A desconfiança do consumidor perante os produtos hortícolas

«É neste momento, que o setor agrícola demonstra a sua importância, que em outras ocasiões normais do dia a dia, se encontra esquecida», começa por nos dizer a Associação Interprofissional da Horticultura do Oeste (AIHO). «Os produtos, são dados como garantidos e a sociedade não se apercebe da logística que existe para que os bens possam estar disponíveis para cada um de nós».

A AIHO admite que nos encontramos numa fase em «a horticultura aumenta o volume de trabalho, ocorrendo o pico de maior necessidade de mão de obra, tanto na produção, como nas centrais hortícolas». E o maior problema relaciona-se exatamente com tal. Segundo a entidade, já se verifica o impacto da Covid-19, estando a ocorrer «uma quebra na disponibilidade da mesma na ordem dos 20% a 30%, sendo previsível que, com o evoluir da situação, esta percentagem venha a aumentar e agravar o impacto na produção e distribuição de hortícolas».

Face a este cenário, a AIHO afirma estar preocupada com o agravar desta questão, mas também relativamente à «escassez de EPI’S (Equipamentos de Proteção Individual), bem como produtos de desinfeção, dificultando a garantia de segurança dos trabalhadores».

Quanto às culturas protegidas, nomeadamente a cultura do tomate, na região Oeste é a principal cultura sob coberto, ocupando mais de 80% da área de estufas existente nesta região. A principal região de produção do país irá entrar em fase de colheita dentro de 15 dias, representando uma produção nos próximos três meses de mais de 50 000 toneladas.

Os produtos consumidos em cru, como por exemplo a alface e o morango, «têm vindo a sofrer uma abrupta quebra no consumo, a insegurança que o consumidor atribui ao consumo dos mesmos pode ser a justificação, ainda que seja por profundo desconhecimento e informação distorcida», realçam. «Pode-se afirmar que já existem agricultores a abandonar as suas explorações agrícolas devido à interrupção do consumo destas e de outras culturas. As empresas de viveiros de hortícolas estão, também, a sentir uma redução muito significativa nas suas vendas, com o fechar dos pequenos mercados locais e outros pontos de venda». Em alguns casos, a situação está a tornar-se «insustentável».

«O setor hortícola vive uma situação de grande instabilidade e insegurança. É de frisar que o setor está na luta, está empenhado e a trabalhar diariamente para que os produtos hortícolas não faltem aos portugueses, garantindo que a cadeia de abastecimento alimentar não tenha quebras», concluem. 

Os problemas relacionados com a logística no setor dos pequenos frutos

No setor dos pequenos frutos, Lourenço Botton, da Carsol Portugal, começa por nos dizer que «de longe, a maior preocupação é a segurança dos trabalhadores». Nas explorações da empresa têm sido implementadas procedimentos higiénicos de segurança e o diretor informa-nos que têm tentado ao máximo garantir que os trabalhadores os cumprem.

Uma das medidas adotadas foi a distância de três linhas durante as colheitas, para reforçar o afastamento. As formações sobre a segurança e higiene também são dadas ao ar livre, não potenciando que os trabalhadores estejam perigosamente perto uns dos outros. 

O maior desafio que estão a enfrentar prende-se com a logística, onde os custos «aumentaram cerca de 20 a 30%». Segundo Lourenço Botton, tal acontece porque «existe uma falta de mercadoria a vir para Portugal, os camiões vêm vazios para cá, muito por causa do que está a acontecer com o setor das flores, que antes era um grande impulsionador». Como tal, os custos de escoamento dos produtos para outros países aumentam. Contudo, o diretor da Carsol em Portugal acredita que este é um problema menor quando comparado com o da mão-de-obra pois, desde que as fronteiras continuem abertas para as mercadorias, ainda será possível exportar.

Já em relação à mão-de-obra, Lourenço Botton mostra-se mais reticente devido ao aumento de número de casos por todo o território. O empresário afirma que a Carsol tem-se empenhado em ajudar os funcionários não só nas instalações, mas também nas suas casas, fazendo entregas de comida nas residências para evitar que estes se desloquem ao máximo. Contudo, não é possível fazer um controlo de todos os envolvidos e resta esperar pelo melhor.

Lourenço Botton termina com um «agradecimento a todos pela solidariedade entre as empresas agrícolas, que estão a comprar materiais de proteção e a distribuir por todas», destacando a «entreajuda do setor neste momento» como um «factor positivo» durante esta pandemia.

Ainda no âmbito do setor dos pequenos frutos, a ANPM (Associação Nacional de Produtores de Mirtilo) informou que está a preparar um documento para enviar ao Ministério da Agricultura dando conta das dificuldades que os produtores de mirtilo estão a passar e das que se anteveem no contexto que atravessamos.

Para apoiar a criação deste documento, divulgaram um pequeno inquérito aos produtores, no sentido de perceber os principais constrangimentos neste contexto. No início da próxima semana o documento estará preparado e vai realizar-se um balanço fidedigno das dificuldades que estão a ser vividas.

Reinventar a comercialização da fruta em tempos difíceis

José Dâmaso, sócio-gerente da Boa Fruta, situada na Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel, nos Açores, é outros dos produtores que têm vindo a enfrentar dificuldades.

«Relativamente à situação do ananás nos Açores e ao nosso contexto específico, há cinco anos para trás que estavamos a ter um grande desenvolvimento no setor, muito graças ao turismo», começa por explicar. «A parte turística tinha alavancado muito a venda do fruto e os preços melhoraram, algo que também se refletia na ida de mercadoria para Portugal Continental». 

Contudo, com o alastramento da pandemia, e com o encerramento da restauração e hotelaria, bem como o facto de já não aterrarem aviões no arquipélago, tudo se alterou. «Perdemos os nossos primeiros clientes e a situação tornou-se muito grave», explica. «Esta semana que passou, nós tivemos uma quebra de 100% de encomendas de ananás para Portugal Continental. A verdade é esta: o ananás é um fruto de preço elevado relativamente às outras frutas e não é algo que as pessoas comam no dia-a-dia. Como tal, as pessoas não o compram».

«Decidimos então reduzir bastante o preço, ficando abaixo do preço de produção, e promover uma iniciativa para realizar o escoamento da fruta, evitando qualquer tipo de desperdício. Porque antes as pessoas comerem o ananás, do que este ir para o lixo», explica. «Começamos então a fazer entregas ao domicílio e está a ser um sucesso. Começamos na segunda-feira, tivemos aqui uma fase de adaptação porque não era o negócio, pois somos, acima de tudo, grossistas, mas está a correr bem e estamos a dar resposta às nossas encomendas online», explica. «Quem sabe se isto não vai ser uma nova forma de negócio depois disto tudo passar, não é?»

José Dâmaso afirma estar «muito apreensivo e preocupado», mas que não está a baixar os braços e não vai desistir, realçando que está a dar tudo de si «para fazer o melhor ananás do mundo chegar às pessoas».

Já a Associação Portuguesa dos Kiwicultores (APK) afirma que, «apesar dos tempos de incerteza, é fundamental que as cadeias de abastecimento se mantenham ativas».

«As atividades agrícolas têm que continuar, os kiwicultores estão no terreno conscientes dos cuidados que o atual cenário exige, seguindo todas as recomendações da DGS», destaca a entidade. «Os entrepostos continuam a fazer todos os esforços para dar continuidade ao fornecimento no mercado de fruta da melhor qualidade».

Em relação à procura esta mantêm-se, «mas a alteração da situação do país provocou uma maior complexidade no processo de exportação, pelas dificuldades acrescidas nos transportes».

Os problemas a curto e a longo prazo para o setor vitivinícola

No âmbito do setor vitivinícola português, relativamente à exportação, A FENADEGAS emitiu um comunicado onde realçou que "depois de anos de trabalho com resultados muito positivos, dada a conjuntura mundial, haverá uma quebra significativa da exportação em volume e valor, com consequências ainda não calculadas para as empresas portuguesas. Um setor que exporta mais de 45% da sua produção terá, forçosamente, graves impactos". O consumo interno será também afetado sendo que, os consumidores gastam prioritariamente em bens essenciais, os restaurantes estão na sua maioria fechados e há uma abrupta quebra do turismo".

Estes dois aspetos terão como consequências um aumento de stocks de vinho nas empresas do setor, que poderá implicar, na próxima campanha, menor compra de uvas por parte das empresas, com uma quebra significativa no seu preço. A organização propõe assim aos associados apoio imediato de tesouraria pela quebra de vendas devido ao atrás referido e apoios coordenados em função da próxima vindima utilizando e, se necessário, reforçando os mecanismos de crise previstos na legislação nacional e comunitária.

Em comentário ao Portal Agronegócios, o Dr. Manuel Pinheiro, Presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, destacou que se está «perante três problemas».

Em primeiro lugar, o responsável afirmou que «no curto prazo» se irá enfrenta «uma suspensão total da economia com custos tremendos para as empresas. Certamente, muitas não sobreviverão». Já em setembro, irá ocorrer o segundo embate, pois «a vindima vai-se defrontar com adegas que ainda têm muito vinho em stock e, portanto, as uvas e os stocks de vinho serão desvalorizados».

Em terceiro lugar, o Presidente da CVRVV realçou que «vai demorar vários anos a recuperar dos efeitos económicos devastadores deste período de encerramento», antecipando «um período difícil, que vai ser selectivo para as empresas».

Os apoios aos agricultores

Para apoiar todos os produtores nesta fase, A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) lançou uma linha de atendimento e apoio – A Agricultura Não Para – com o objetivo de, no atual contexto de estado de emergência declarado, esclarecer os agricultores e a comunidade sobre todas as questões que tenham relativamente às condições de funcionamento das suas empresas neste período excecional, assim como ao acesso às medidas que foram, entretanto, anunciadas.

A linha de atendimento telefónico, cujo o número é o 217 100 000, será assegurada pelos técnicos especialistas da CAP e servirá igualmente para a Confederação recolher, diretamente do terreno, informação sobre as principais dificuldades com que os Agricultores e Comunidades Rurais se debatem na sua atividade diária, de forma a informar o Governo e, assim, garantir o funcionamento do setor agrícola, do mundo rural e da cadeia de abastecimento nacional.

Contactada pela Agropress, a CAP informou que tudo «está a decorrer sem problemas» e que o balanço da iniciativa será realizado na próxima semana.

Já a Agrogarante, a Sociedade de Garantia Mútua que apoia o setor primário em Portugal, afirma estar numa «luta contra o tempo» para, junto com as entidades governamentais e outras sociedades, «apoiar os agricultores e o setor». 

Esta semana, o Ministério da Agricultura anunciou que irá iniciar, na primeira semana de abril, a atribuição de adiantamentos para liquidação de pedidos de pagamento no âmbito do PDR2020 (Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020), dos Programas Operacionais Frutas e Hortícolas e do Programa Nacional de apoio ao setor vitivinícola, com regularização posterior, no valor de 60 milhões de euros. A medida surge como apoio às empresas durante a pandemia do Covid-19 por todo o globo. 

Além disso, ainda durante o mês de março, terá lugar a liquidação de pagamentos no âmbito de um conjunto de medidas de apoio ao setor, no valor de cerca de 30 milhões de euros.

Esta medida junta-se a outras como a Linha de Crédito Capitalizar 2018 – Covid-19, o alargamento de prazos para submissão das candidaturas no âmbito do Pedido Único 2020 e do PDR2020 e o reembolso das despesas incorridas em ações e iniciativas canceladas ou adiadas devido à COVID-19. O setor pode ainda contar com medidas de natureza fiscal e contributiva, bem como com apoios da Segurança Social a trabalhadores e empregadores.

O Ministério da Agricultura avisou ainda que se encontra a preparar um plano de medidas excecionais para apresentação em breve.

Conheça todas as novidades relacionadas ao setor agroalimentar no nosso Especial Coronavírus.

Regiões

Notícias por região de Portugal

Tooltip