Agricultura biológica como solução estratégica para países em desenvolvimento
A agricultura biológica pode desempenhar um papel estratégico no aumento da segurança alimentar dos países em desenvolvimento. Este modelo de produção garante o acesso a alimentos de qualidade, diversificados e culturalmente apropriados, produzidos localmente e em quantidade suficiente, com base no fomento da biodiversidade agrícola e funcional, na ativação dos processos ecológicos naturais e no uso sustentável e eficaz dos recursos.
Por: Catarina Crisóstomo1
Assim, a satisfação das necessidades malimentares presentes e futuras é assegurada através de sistemas alimentares locais que não dependem de fatores de produção externos e não comprometem a capacidade dos sistemas naturais e produtivos se regenerarem, mas antes contribuem para a preservação ambiental e para a estabilidade climática. Perspetivando- se como solução integral, proporciona um aumento da dignificação e do rendimento dos agricultores, ao mesmo tempo que permite combater a desertificação territorial e melhorar as condições de vida das populações rurais.
O contexto das zonas rurais de muitos países em desenvolvimento há décadas que se deteriora. Assiste-se frequentemente a situações paradoxais de pobreza, fome e êxodo dos mais jovens, em países cujas condições naturais são bastante favoráveis à agricultura e onde o esforço da comunidade internacional para reverter estes problemas tem sido continuado. A nível global, redobram-se os sinais de alarme relativos à degradação ambiental que a intensificação da agricultura tem vindo a provocar, nomeadamente ao nível das alterações climáticas, da perda vertiginosa de biodiversidade e da deterioração dos solos do planeta.
A agricultura biológica constitui uma oportunidade inquestionável para satisfazer esta necessidade urgente de desenvolvimento com conservação, futuramente ainda mais premente devido ao aumento da população mundial, ao proporcionar um aumento da segurança alimentar e contribuir para um verdadeiro renascimento rural.
Assumindo-se como um modelo alternativo de produção de alimentos que se baseia na melhoria da fertilidade natural do solo, no fomento da biodiversidade e na prevenção de pragas e doenças, procura otimizar as interações bióticas e os ciclos naturais, criando um agroecossistema complexo e interdependente que dispensa fatores de produção externos, em particular, fertilizantes e pesticidas de síntese química.
A restauração e manutenção do equilíbrio agroecológico, por um lado, e o uso sustentável dos recursos naturais disponíveis localmente e obtidos na própria exploração, por outro, originam sistemas de produção que são resilientes, permitindo reduzir o risco de perdas, e ao mesmo tempo são autossuficientes, tornando o agricultor independente do crédito e da instabilidade do mercado dos fatores de produção.
As características deste modelo agrícola são indissociáveis de umaumento do rendimento, capacitação e dignidade dos agricultores, aos quais acresce a diminuição drástica do impacto da atividade agrícola no meio ambiente e dos riscos de toxicidade para trabalhadores agrícolas e consumidores.
Definição e técnicas empregues em agricultura biológica
Segundo o Codex Alimentariusi, “A agricultura biológica é um sistema de gestão da produção holístico que promove e melhora a saúde do agroecossistema, ao fomentar a biodiversidade, os ciclos biológicos e a atividade biológica do solo. Privilegia o uso de boas práticas de gestão da exploração agrícola, em vez de recorrer a fatores de produção externos, tendoem conta que os sistemas de produção devem ser adaptados às condições regionais. Para tal, sempre que possível, usa métodos culturais, biológicos e mecânicos.”
Esta definição põe em evidência os pilares sobre os quais assenta a produtividade e a sanidade das culturas biológicas: elevados níveis de biodiversidade e um solo vivo. O fomento da diversidade biológica visa promover as interações bióticas, como o controlo biológico natural de pragas, a polinização entomófila e a alelopatia de algumas plantas, e ativar os ciclos biogeoquímicos naturais, nomeadamente, do carbono e do azoto.
O aumento da macro-biodiversidade alcança-se através da diversificação cultural, presença de animais, fauna selvagem e insetos auxiliares, e recurso a faixas de compensação ecológica. O solo alberga a maioria da micro-biodiversidade - bactérias Rhizobium spp., minhocas, micorrizas, entre outros - cuja atividade depende de elevados teores de matéria orgânica.
As práticas agrícolas utilizadas em agricultura biológica, visando estimular processos ecológicos fundamentais, devem ser adaptadas às condições de cada local de produção. A incorporação de composto, estrume e resíduos de culturas, o cultivo de leguminosas e as siderações servem para melhorar a fertilidade e funcionalidade do solo.
Ao aumentarem o teor do solo em matéria orgânica, permitem melhorar a sua capacidade de retenção de água e de drenagem, bem como diminuir as perdas por erosão, além de promoverem o sequestro de carbono, importante para a mitigação das alterações climáticas. As culturas de cobertura e o empalhamento permitem ainda controlar a vegetação espontânea.
Plantas cultivadas e espontâneas servem de alimento e refúgio a insetos auxiliares, podendo também atrair ou repelir insetos nocivos, facilitando o controlo biológico natural.
Assumindo uma atitude preventiva, os agricultores adotam preparados botânicos com ação estimulante do sistema de defesa das plantas, compassos e podas que permitam um bom arejamento e ciclos culturais, de modo a evitar as fases do ciclo de vida das pragas em que estas causam mais danos. Na produção animal, a saúde e bem-estar dos animais são assegurados por condições de alojamento, alimentação e práticas de criação que respeitam as suas necessidades fisiológicas e etiológicas.
As rotações, as policulturas, as consociações e as agroflorestas, além de interromperem os ciclos de pragas e doenças, permitem fazer um uso mais eficiente dos recursos naturais e explorar as interações benéficas entre culturas, e entre estas e os microorganimos do solo.
Para promover a diversidade intraespecífica, recorre-se a variedades e raças autóctones, mais adaptadas e resistentes a condições adversas e não é autorizado o cultivo de organismos geneticamente modificados.
Estes conceitos estão também implícitos na definição proposta pela Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Biológica (IFOAM): “A agricultura biológica é um sistema de produção que promove a saúde dos solos, ecossistemas e pessoas. Baseia-se em processos ecológicos, biodiversidade e ciclos adaptados às condições locais, em alternativa ao uso de fatores de produção com efeitos adversos. A agricultura biológica combina tradição, inovação e ciência para beneficiar o ambiente comum e promove relações justas e uma boa qualidade de vida para todos os envolvidos”.
Por outro lado, esta definição sublinha a importância do conhecimento para se poder realizar a intensificação ecológica subjacente a este modo de produção. Este é apresentado como neo-tradicional, recuperando práticas agrícolas ancestrais, desenvolvidas localmente de forma a serem ambiental, económica e socialmente sustentáveis; e complementado por abordagens científicas inovadoras que permitem entender a complexidade dos fenómenos agroecológicos que ocorrem nos campos agrícolas.
Outro aspeto fundamental, é o estabelecimento de justiça social e igualdade de oportunidades entre todos os envolvidos, gerando sistemas de produção e comercialização equitativos, transparentes, adaptados ao contexto cultural local e geridos de forma ambientalmente responsável, de forma a não comprometer o sistema alimentar futuro.
Finalmente, é feita referência à qualidade de vida proporcionada por se produzir alimentos sem toxicidade para o ambiente, para os seres vivos, operadores agrícolas e consumidores, ou de forma mais abrangente, pelos serviços ecossistémicos prestados pelas explorações biológicas – a formação de solo e manutenção da sua fertilidade, a regulação de distúrbios naturais como cheias e pragas, a preservação da diversidade paisagística, a proteção da variabilidade genética vegetal e animal, a conservação da potabilidade das águas superficiais e lençóis freáticos – que são vitais para o bem-estar da humanidade.
Continua
Nota: Artigo publicado originalmente na Agrotec 13
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1 Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais, Faculdade de Agricultura, Universidade de Milão