Agricultura Biológica: A união faz a força

Agricultura Biológica: A união faz a força

Por: Catarina Abreu 


 

A união entre os produtores de culturas biológicas pode impulsionar o aumento de competitividade do sector. Se Gabriela Graça, da Sociedade Agrícola da Herdade de Carvalhoso, fala de uma aliança para fazer frente aos custos de distribuição e de vendas dos produtos biológicos, Luís Alves, da Cantinho das Aromáticas, defende a união dos agricultores no sentido de se estabelecer uma rede de partilha de conhecimentos, tecnologias e saberes. 

O 3.º Colóquio Nacional de Horticultura Biológica foi realizado em simultâneo com o 1.º Colóquio Nacional de Produção Animal Biológica, numa iniciativa promovida pela Associação Portuguesa de Horticultura e pela Associação Portuguesa de Engenharia Zootécnica. O certame teve lugar em Braga, entre os dias 22 e 24 de Setembro. Foi nesse evento que a Agrotec conversou com Gabriela Graça, da Sociedade Agrícola da Herdade de Carvalhoso, em Montemor-o-Novo. 

A empresa comercializa alimentos e rações biológicos, tem produção e distribuição próprias e dedica-se ao descasque e branqueamento de arroz, aveia e cevada. Nascida nos anos 80, a Herdade de Carvalhoso começou por fazer apenas o tratamento de arroz que era produzido no vale de Sorraia, Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal. "Funcionou bem até a Política Agrícola Comum mudar fazendo com que aquela zona do Alentejo deixasse de produzir e ficar praticamente a zero", lembra Gabriela Graça. 

Entretanto, conta, "a empresa, que sempre esteve atenta aos mercados internacionais, viu que o movimento dos produtos biológicos estava a crescer. No início de 2000, houve uma queda abrupta de produção de cereais e a empresa estava a ver-se sem matéria-prima para trabalhar". Nessa mesma altura, a União Europeia lançou uma série de medidas agro-ambientais e começou a haver a necessidade de produzir rações biológicas para responder a um mercado emergente. A Herdade de Carvalhoso montou uma unidade de produção de rações biológicas para animais, que arrancou em 2003 e tem vindo a expandir-se desde então de acordo com as necessidades do mercado. Actualmente, a Herdade de Carvalhoso é a única empresa de transformação de cereais em Portugal, as marcas estão espalhadas por todo o país e têm uma unidade de desidratação de vegetais e frutas que misturam com arroz e açúcar. Estes produtos são destinados “ao mercado com mais-valia que são as lojas gourmet". 

 

Responder ao nicho de mercado

Para Gabriela Graça, "os consumidores biológicos são um nicho de mercado, embora esse nicho tenha tendência a aumentar, nunca vai passar de um nicho". E nesse sentido, defende, "nós não nos podemos dar ao luxo de criar um canal de vendas (com distribuidores e representantes) como os produtores convencionais fazem, nós vendemos directamente às lojas e aí evitamos uma etapa". "É dessa forma que conseguimos ser competitivos porque de outro modo seria incomportável", sentenciou, "pois é impossível ter um vendedor próprio a correr todas as lojas e centros dietéticos do país e depois a fazer distribuição. São preços muito elevados".Um dos problemas identificados é "a penetração lenta no mercado porque só podemos contar com empresas pequenas, familiares e artesanais, que têm sempre dificuldade para arranjar meios". Aí está a grande lacuna, diz: "É necessário o associativismo em termos de distribuição e vendas". 

"Se pensarmos numa economia de escala e associarmos os nossos produtos aos de outros produtores,  com essa união de distribuição seria mais simples penetrar no mercado. Não há ninguém que não tenha custos de distribuição e vendas e seria melhor arranjar uma forma conjunta para criar as condições para um mercado mais profissional". Outra das estratégias propostas por esta responsável passa pela introdução no mercado nacional de "sabores portugueses". 

"O consumidor português biológico vai a um mercado e depara-se com uma parafernália de marcas estrangeiras e não tem sabores portugueses, quando é isso que o consumidor quer e agradece". 

 

 

Uma fileira de conhecimento

Luís Alves, da Cantinho das Aromáticas, veio expor a sua experiência de agricultura biológica em meio urbano e a principal ideia passa pela criação de uma fileira. À Agrotec conta que o seu "ideal de fileira é trazer pessoas ao [seu] projecto e mostrar-lhes aquela que é uma realidade, não ter portas fechadas. Mostrar-lhes qual o modelo de produção, porque já fechamos um circuito de fazer bem e exportamos. Esta abertura de portas tem uma acção pedagógica sobre os agricultores e não é algo forçado, porque muitas empresas tentam gerar fileiras de outras formas, isto é, pondo outras pessoas a produzir para si e tentam ser os canais".

O que este agricultor quer é que as pessoas produzam "massa crítica, fundamental para se poder exportar". Até agora, o que têm feito “é formar uma rede informal de partilha de conhecimentos que tem funcionado muito bem". Explica que "como são matérias-primas para exportação, não se gera aquela aversão como se estivéssemos a trabalhar no mesmo mercado”. E insiste neste ponto, defendendo que "se deve evitar excedentes, com vários produtores a fazer diferentes referências para não nos tornarmos competitivos uns com os outros". "O que me seduz nesta fileira é que há inteligência emocional, as pessoas não são seguidistas. O futuro desta fileira é criar uma central, quando existir a tal massa crítica, que tornará todo o processo mais eficiente". 

Luís Alves perspectiva uma "estrutura profissional, inovadora, de prestação de serviços, que procurará novos mercados e canais de escoamento. E que dê mais-valias à matéria-prima, porque uma hortelã-pimenta que saia daqui em bruto é diferente de uma transformada, que poderá valer até 100 vezes mais". O Cantinho das Aromáticas escoa quase 95 por cento da sua produção para ser transformada em França. Luís Alves disse à Agrotec o seu segredo: "Crescíamos como viveiristas para estarmos no "mercadinho" português ou diversificávamos para exportar. Fomos à Biofach e identificámos compradores a quem perguntámos “Como posso ser competitivo”? Em 2005 fomos à Biofach, em 2006 já tínhamos as plantações e em 2007 começamos a exportar". Mas deixa o aviso de que "é preciso correr riscos e ser um pouco louco". 

 

 

Cantinho das Aromáticas

 

Consumidor biológico não é rico

Carlos Vicente, da empresa Toma Lá Dá Cá e fundador da rede de supermercados Brio em Lisboa, desconstrói um mito e afirma: "um consumidor biológico não é de classe económica alta". 

O gestor esteve no colóquio para falar da sua experiência em comercialização de produtos biológicos em Portugal e aproveitou a ocasião para delinear o perfil do consumidor biológico. "Têm um nível de formação elevado, acima da média, são pessoas muito críticas que tomam uma decisão activa quanto àquilo que consomem. Têm atitude e informação", sublinhou. Disse ainda que as pessoas que consomem biológico são "preocupadas com a sua saúde e assumem um papel activo em corrigir comportamentos para equilibrar o meio ambiente". Além disso, escolhem o biológico também pela sua "integridade social em que os consumidores se revêem nas empresas". 

Na sua comunicação, Carlos Vicente, apontou alguns dos handicaps do mercado biológico, que passam sobretudo pela falta de disponibilidade de produtos no nosso dia-a-dia. "Os produtos biológicos têm de estar onde estão os consumidores", sentenciou. E deixou alguns conselhos: "As pessoas têm de ser informadas e entender a diferença entre as cenouras que encontram numa loja biológica e num supermercado convencional, os respectivos benefícios e o seu preço para chegar ali. Quando as pessoas entendem isso, o preço para o consumidor passa ao plano secundário".  

 

 

Demasiado Nutrimais para pouco mercado

José Martino, da LIPOR, apresentou o Nutrimais, um correctivo agrícola orgânico proveniente da compostagem de matérias-primas orgânicas vegetais, separadas na origem e recolhidas em circuitos específicos e compostadas na Central de Valorização Orgânica da LIPOR. Recomenda "a aplicação do Nutrimais como complemento da matéria orgânica produzida na exploração e como complemento das culturas que são utilizadas para fornecer nutrientes ao solo".

A qualidade do Nutrimais, disse José Martino, deve-se à recolha criteriosa das matérias-primas que são usadas na compostagem, a monitorização contínua do processo de compostagem e ao controlo de qualidade analítico nas várias fases do processo, recorrendo a análises laboratoriais internas e externas. Apesar do potencial evidenciado do Nutrimais para a Agricultura Biológica, aquele responsável lamentou "não ter tanto mercado para o composto produzido". "As análises que fizemos em 2010 indicavam que todas as medas podiam ser comercializadas para agricultura biológica, mas infelizmente não temos tanto mercado para este composto e negociamos abaixo, consoante as necessidades deste mercado".

 

Plástico também para a agricultura biológica

O mulch AGROBIOFILM pretende revolucionar a utilização dos plásticos biodegradáveis na agricultura, fazendo deste material um substituto viável aos mulch film de polietileno. Melhorar o rendimento da cultura (em termos quantitativos e qualitativos), reduzir ou eliminar totalmente o uso de herbicidas, reduzir o consumo de água, maximizar o controlo de pragas e doenças, facilitar e agilizar a preparação dos solos são algumas das metas a alcançar às quais o consórcio envolvido no projecto AGROBIOFILM se propõe. Este produto, que deveria ter sido apresentado durante o 3.º Colóquio Nacional de Horticultura Biológica, resulta de uma parceria entre várias entidades públicas e privadas, num consórcio transnacional. Formado por três PME – a Silvex (coordenador em Portugal), BIOBAG (Noruega) e ICSE (França) –, este consórcio conta ainda com a participação de quatro universidades e centros de investigação – o Instituto Superior de Agronomia (Portugal), Centro Tecnológico de la Agroindustria (Espanha), Université de Montpellier (França) e Aarhus University (Dinamarca) e três utilizadores finais: Hortofruticolas Campelos, SA (Portugal), Explotaciones Agrarias Garrido Mora CB (Espanha) e Olivier Madeville, Domaine de Vaissière (França). 

O mulch Agrobiofilm ou BioMulchFilm é produzido a partir da matéria Mater-Bi, uma família de plásticos completamente biodegradáveis e compostáveis, cuja composição tem amido de milho, entre outros cereais, e diversos óleos vegetais. Esta matéria-prima cumpre as normas europeias e está certificada pela Vinçotte (certificadora belga). As suas características permitem que o mulch Agrobiofilm seja incorporado ao solo no final do ciclo de cultura, dispensando assim um dos factores que mais onerava todo este processo: a remoção dos resíduos que o mulch film tradicional exige. O projecto Agrobiofilm, com duração prevista de dois anos, está a ser testado nas culturas de morango, melão e pimento, podendo ser posteriormente adaptado em outras culturas semelhantes. Também será testado na vinha como alternativa inovadora.

Na descrição do produto disponível on-line, lê-se que o Agrobiofilm pretende ter um impacto no aumento da competitividade dos agricultores e na sustentabilidade das práticas agrícolas, num sector que enfrenta cada vez mais a pressão da concorrência externa e os desafios ambientais. Este projecto propõe-se sobretudo a alcançar proficiência técnica nas regiões-alvo, o que inclui superar a falta de conhecimento sobre a fiabilidade das películas de plástico biodegradável em sistemas de produção. O BioMulchFilm deve ser personalizado e as suas propriedades facilmente adaptadas para diversas culturas. 

Uma das vantagens apontadas pelo consórcio que desenvolve o Agrobiofilm são os seus resultados económicos. Através de uma análise custo/benefício, tendo em conta, não só o custo do plástico, mas também, no fim do ciclo de vida das culturas, os custos de remoção, reciclagem e/ou eliminação dos diferentes plásticos, esta tecnologia apresenta vantagens quando comparada aos mulch film de polietileno.

 

Melhoria da eficiência energética 

A sua produção é optimizada de modo a minimizar as suas necessidades energéticas, reflectindo-se directamente no preço comercial para os utilizadores finais – é outra das mais-valias deste produto. Além disso, é fácil de usar e terá a capacidade de reduzir o uso de herbicidas e controlar o aparecimento de pragas e doenças, contribuindo para a melhoria do rendimento da exploração. Apesar de ser um produto cujas culturas de referência foram escolhidas visando o controlo analítico do máximo número de variáveis e, assim, aumentar o potencial para uma posterior generalização dos resultados obtidos, o Agrobiofilm precisa de ampliar as áreas de utilização. O consórcio pretende ainda que esta tecnologia seja disseminada, demonstrada e validada. ¦

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