A valorização do interior e as megatendências alimentares no 10º Colóquio Nacional do Milho

Coimbra recebeu o evento, que foi novamente promovido pela Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sogro (ANPROMIS). A escolha relacionou-se com "a importância que o milho tem na região Centro do país, mais concretamente no Vale do Mondego, fazendo parte integrante da sua paisagem, do ordenamento do seu território e da sua economia", realçou a entidade.

10º Colóquio Nacional do Milho

Texto e Fotos: Sofia Cardoso

A sessão de abertura ficou a cargo de Jorge Neves, presidente da ANPROMIS, que iniciou a sua intervenção por destacar que «não há mundo rural sem agricultura e não há agricultura sem mundo rural». O presidente reforçou as preocupações com as intempéries que assolaram o Baixo Mondego nos últimos meses, pedindo uma intervenção apressada das entidades responsáveis «sob pena da campanha agrícola que aí está à porta ficar irremediavelmente colocada em causa, prejudicando ainda mais uma região tão prejudicada pelas catástrofes dos últimos anos». O presidente da ANPROMIS destacou que o programa do evento foi elaborado tendo por base «assuntos julgados essenciais para a atividade» e agradeceu aos parceiros e instituições agrícolas que se encontravam presentes.

Seguiu-se Pedro Pimenta, Presidente da Cooperativa Agrícola de Coimbra, que realçou que «as alterações são uma evidência e nós, no Mondego, temos sentido na pele essa realidade como ninguém, de uma forma dura e persistente», destacando os incêndios, tempestadas e cheias que atacaram a região nos últimos quatro anos. Manuel Machado, Presidente da Câmara de Coimbra, destacou de igual modo a importância do Colóquio para a região. 

«Queremos todos uma agricultura saudável»

A primeira sessão do dia ficou a cargo da Professora Helena Freitas, da Universidade de Coimbra, que apresentou a importância da agricultura no desenvolvimento e na coesão do território nacional, realizando um panorama geral da situação portuguesa e europeia. A investigadora, que integra o Comité para a adaptação às Alterações Climáticas, nomeadamente no âmbito da transformação societal, destacou que «a boa agricultura tem que ser produtiva, mas não pode deixar de olhar para os seus impactos e perceber como os pode mitigar, minimizar, observar estas questões e passar à sua resolução», defendendo que uma «agricultura saudável» deve ser o conceito que todos procuramos. Durante a sua apresentação, Helena Freitas apresentou ainda o que os portugueses esperam da PAC, afirmando que a última Política Agrícola Comum «contribuiu para a modernização da agricultura em Portugal» mas que, «a atribuição de alguns pagamentos diretos a algumas produções distorceu e dificultou a reconversão natural, tecnológica e produtiva no setor no que toca aos produtos de origem». 

Norberto Pires, da Universidade de Coimbra, Vasco Estrela, Presidente da Câmara Municipal de Mação, e José Manuel Lima Santos, do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa (ISA) fizeram parte do debate sobre a sessão, que foi moderado pela jornalista Ana Fernandes.

Norberto Pires começou por defender que «o despovoamento talvez seja o maior insucesso que já tivemos na democracia portuguesa». O Professor afirmou que «não foi por falta de recursos financeiros, não foi por falta de qualidade de território, não foi por falta de experiência, não foi por falta de especialistas, não foi por falta de ter uma diversidade enorme de produtos. De facto, foi porque a preocupação não foi a de ocupar o território e tirar mais valia de alguma especialização que pudesse ser competitiva a outras regiões europeias. Nunca nos preocupamos que, em determinados sítios, pudessemos encontrar áreas de negócio, que pudessem ser competitivas e, com isso, gerar vantagem económica». Norberto Pires destacou que um dos vetores que pode atrair pessoas pode ser o desenvolvimento da agricultura caso esse desenvolvimento seja realizado tendo por base três áreas importantes, nomeadamente a a procura da especialização, descobrir o que é importante em cada região e pode ser competitivo e saber como se vai gerar negócio. «A coesão do território depende muito do encontro de áreas que nos permitam ser competitivos», concluiu.

Já Vasco Estrela apresentou o caso específico da Câmara Municipal da sua cidade, destacando o problema com os incêndios dos últimos anos, realçando que os mesmos foram causados pelo abandono e descuido com o território. «Os agricultores são os guardiões da natureza. Foi precisamente porque estes desapareceram (do interior), que a natureza ficou sem ninguém que pudesse cuidar dela», afirmou. Vasco Estrela defende que, em muitas partes do território, «já passamos o ponto de possível retorno» em relação à realidade do território e da sua população. O presidente da Camara Municipal de Moção conclui afirmando que, para tentar «dinamizar o pequeno agricultor» da região, está a realizar um projeto para a Agricultura Biológica onde participam vários agricultores da terra que estão empenhados no setor. A ajuda é realizada no âmbito do escoamento dos produtos. 

Na sua intervenção, José Manuel Lima Santos, do ISA, começou por destacar que «o saber e a decisão» deveriam estar mais juntos. «Precisamos de narrativas que coloquem a agricultura e os territórios rurais no centro dos problemas da nossa sociedade e não como problemas que ocorrem nas regiões marginais do país», afirmou, destacando que devemos «compreender a complexidade dos desafios antes de avançar com as políticas». 

A segunda sessão do dia remeteu para as condicionantes técnicas da produção de milho em Portugal, contando com a moderação do Dr. Nuno Canada, Presidente do INIAV. Leire Molinero, do CSIC, começou por apresentar a problemática da cefalosporiose na Península Ibérica, apresentando os diferentes meandros da doença, como esta ataca a planta de forma silenciosa e formas de combate. Seguiu-se José Manuel Lima Santos, do ISA, que interviu novamente, desta vez para apresentar o papel das Ecological Focus Areas (EFA) na promoção do serviço de predação de pragas nos campos da Golegã, nomeadamente, os resultados do projeto Optimus Prime. 

A terceira sessão do dia ficou a cargo de Francesco Montanari, da Arcadia International, que apresentou as megatendências no setor agroalimentar, identificou os problemas que estão a impactar a evolução da cadeia agroalimentar a nível global e apresentou os desafios para o futuro, entregando potenciais cenários para a evolução. «Ainda hoje se estima que, as pessoas que se encontram numa situação de insegurança alimentar, rondam os 821 milhões, nos quais 36 milhões são na União Europeia. No caso dos países desenvolvidos, apresentamos uma situação dicotómica, na medida em que encontramos padrões de alimentação emergentes e que de facto privilegiam cada vez mais a saúde mas, ao mesmo tempo, estes são os países que apresentam a taxa de obesidades mais elevadas entre a população adulta e as crianças», destacou, a título de exemplo de uma das problemáticas. «Todos os desafios aqui apresentados chamam a nossa atenção para a necessidade de realizar uma transição e transformação dos sistemas alimentares para podermos assegurar a segurança alimentar, a saúde e a sustentabilidade», destacou. 

O painel contou com a moderação de Luís Mira, Secretário-Geral da CAP, e com os comentários de Pedro Queiroz, diretor-geral da FIPA, e José Diogo Albuquerque, anterior Secretário de Estado Adjunto e da Agricultura.

O último painel do certame debateu a neutralidade carbónica, na medida em que esta poderá ser uma condicionante ou oportunidade para a agricultura portuguesa. A apresentação ficou a cargo de Pedro Santos, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e os comentários foram proferidos por Eduardo Diniz, diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP), Francisco Gomes da Silva, diretor-geral da AGROGES e João Nisa Ribeiro, da Universidade do Porto. 

«A cultura do milho assume uma importância reconhecida pelo país e pelo Governo de Portugal»

Para encerrar o certame, estiveram presentes Jorge Neves, presidente da ANPROMIS, Eduardo Oliveira e Sousa, da Confederação dos Agricultores de Portugal, e Maria do Céu Albuquerque, ministra da Agricultura. 

Durante a sua intervenção, Maria do Céu Albuquerque destacou o facto deste encontro juntar agricultores, cientistas e responsáveis políticos «num debate sobre o papel da agricultura na resposta a alguns dos maiores desafios da atualidade: coesão do território, neutralidade carbónica e megatendências agroalimentares».

«A cultura do milho nos sistemas agrícolas e pecuários nacionais assume uma importância reconhecida pelo país e pelo Governo de Portugal. Prova disso é a implementação da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais, a qual surge em resposta à acentuada diminuição da produção de cereais que se tem vindo a verificar nas últimas décadas, à baixa taxa de aprovisionamento do país e tendo em conta a importância dos cereais na dieta alimentar», adiantou a ministra com a pasta da Agricultura.

Recorde-se que foram estabelecidos objetivos estratégicos orientados para a redução da dependência externa, para a consolidação e aumento de áreas de produção, para a criação de valor na fileira e para a viabilização da atividade produtiva em todo o território nacional.

Segundo a Ministra da Agricultura «prevê-se que, num horizonte de 5 anos, se alcance um grau de autoaprovisionamento em cereais de 38%, correspondendo 80 % ao arroz, 50 % ao milho e 20 % aos cereais praganosos», adiantando que «os números são animadores e fazem crer que estamos num bom caminho: Em termos de Balança Comercial, apesar de Portugal continuar a ser um país deficitário em cereais, nos últimos anos parece começar a desenhar-se uma tendência de incremento das exportações principalmente no setor do milho e do arroz».

«Com efeito em 2018 o valor das exportações aumentou muito mais que o das importações, com o milho e o arroz a serem os principais responsáveis por estes aumentos. No caso do milho, durante os últimos 5 anos, as exportações quadruplicaram em termos de quantidade, sendo Espanha o principal destino tal como acontece para os restantes cereais exportados; em 2018 foram exportadas cerca de 270 mil toneladas de milho com o valor de cerca de 50 milhões de euros», afirmou.

Para Maria do Céu Albuquerque «esta estratégia surgiu num momento crucial, em que teve início a discussão da futura Política Agrícola Comum, Portugal continuará, de forma construtiva e empenhada, a apostar na melhoria das propostas regulamentares em discussão, visando obter um novo modelo de prestação da PAC que, sendo robusto e orientado para o desempenho, permita, em simultâneo, uma efetiva simplificação».

Uma reportagem alargada sobre o evento estará disponível na próxima edição da revista Agrotec.

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