«A Agricultura tem de fazer parte da saúde dos portugueses» - PAN

André Silva, porta-voz do PAN - Pessoas, Animais e Natureza, fala ao Agronegócios das causas que move o movimento fundado em 2011: «a defesa do interesse dos direitos dos animais, a defesa das pessoas e as causas ambientais e ecológicas». O responsável recusa os modelos económicos vigentes, que classifica de «produtivistas e consumistas», e argumenta que tais caminhos conduzem unicamente à destruição do planeta. André Silva aborda ainda questões como a proteção animal, a segurança alimentar e defende a necessidade de se apostar na Agricultura Biológica, o único caminho para a sustentabilidade do país. Nesta medida, uma das propostas do PAN para mitigar todos estes problemas, passa por taxar alguns alimentos e produtos agropecuários de elevado impacto ambiental.

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Agronegócios: Gostava que me explicasse, em primeiro lugar, quais são neste momento as atividades do PAN, percorrendo a raiz da sua criação (Partido pelos Animais e Natureza) até aos dias de hoje e para onde caminha atualmente?

André Silva: O PAN foi criado por um núcleo de pessoas (em 2011), que quiseram dar uma dignidade moral, social e jurídica aos animais, neste caso, os animais não humanos.

AN: Por que utiliza a expressão «animais não humanos»?

AS: É simples de explicar. Para nós, animais somos todos, e para que nos compreendamos, falamos em animais humanos e não humanos. Foram estes os princípios fundadores do PAN, tendo sempre em vista as questões ambientais e humanitárias. Entretanto, ao longo do tempo, e cada vez mais, o PAN vem-se assumindo como um partido das três causas (Pessoas, Animais e Natureza) e holístico, que integra o compromisso com estes três eixos: a defesa do interesse dos direitos dos animais, a defesa do interesse dos direitos das pessoas e as causas ambientais e ecológicas, fundadas, no nosso caso, numa ecologia mais profunda, e que nos diferencia dos outros partidos. Recordo que, em 2011, fomos o único partido que se apresentou às eleições legislativas a defender estas três políticas, e continuamos a sê-lo.

AN: E esse esforço deu frutos?

AS: Sim, sem dúvida. Obtivemos um resultado muito bom, quase à beira de eleger um deputado pelo círculo de Lisboa, que nos garantiu 58 mil votos e uma Subvenção que nos permite ter diversas atividades ao longo destes quatro anos de norte a sul do país, como conferências, encontros, palestras e workshops. Mas também um trabalho mais profundo, de teor jurídico. Dou o exemplo da providência cautelar que instaurámos contra o programa “Dolphins with Stars” (em português “Golfinhos com as Estrelas”), levado a cabo pela empresa proprietária do parque aquático Zoomarine, em Albufeira. Mas temos feito várias denúncias noutros casos e a inúmeras entidades, temos reunido com associações, visitado canis e até já nos reunimos com grupos parlamentares. A atividade política a nível local tem sido intensa e profícua, especialmente nos municípios onde temos deputados municipais. O Funchal aboliu a presença de animais em circos devido à ação do PAN, em Lisboa a AML aprovou, entre outras, uma recomendação no mesmo sentido que, estamos seguros, a câmara fará cumprir. Em paralelo, a AML – Assembleia Municipal de Lisboa - já passou moções relativas à mobilidade urbana mas também focadas na saúde comunitária, como a implementação do dia municipal das medicinas naturais.

AN: A que se deveu a designação do PAN?

AS: Mudamos de designação há um ano e meio, trocando o P de Partido por Pessoas. Por um lado, nunca nos sentimos como um partido convencional, mas um movimento de causas, que não se preocupa tanto em fazer política mas em mudar o mundo.

AN: Há uma linha no vosso pensamento que está muito relacionada com a ética. Que tipo de ética é essa? É possível colocá-la em prática na sociedade ocidental e também na portuguesa?

AS: Não só é possível como tem de o ser, pela própria sobrevivência da Humanidade. Entendemos a ética no sentido em que todos os seres têm um valor intrínseco por eles mesmos, não só a espécie mas também o próprio indivíduo. No caso do ser humano que, por via da racionalidade, acaba por «dominar o Mundo» e outros seres, a verdade é que esse ser humano não tem o direito de manipular os recursos naturais (quer o mundo vegetal quer os outros seres) a seu bel-prazer e a provocar toda esta exploração, sofrimento e impacto ambiental que está aí, à nossa frente. Ética também no sentido de um outro modelo de desenvolvimento económico que defendemos. E também por essa razão que dizemos que não nos revemos em nenhum modelo económico de direita ou de esquerda, porque todos eles são produtivistas e consumistas.

«Desaceleração da produção e do consumo»

AN: Então que modelo defendem?

AS: Promovemos um novo modelo económico e social baseado na gestão inteligente, justa e equilibrada dos recursos terrestres. Precisamos travar esta ideia vigente de crescimento infinito. Aquilo que todos os políticos e oposições defendem é o desenvolvimento pelo crescimento. Só que isto é uma impossibilidade física porque o crescimento faz-se à base de recursos. E eu pergunto: como é possível ter um crescimento infinito e consecutivo quando ele é feito à base de recursos que são finitos? Há, pois aqui, uma impossibilidade física que nos está a levar para uma degradação ambiental sem precedentes. E, por isso mesmo, vivemos na Era que muitos cientistas designam por Antropoceno, um período caracterizado pelo impacto significativo no clima da Terra e no funcionamento dos ecossistemas decorrente da atividade humana. No fundo, as causas que estão a impactar as alterações climáticas devem-se, sobretudo, à atividade humana, principalmente desde a Revolução Industrial e nas últimas décadas. E isso tem de ser travado.

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André Silva | Foto: PAN

AN: E acha que os poderes e as sociedades já estão a perceber isso?

AS: Já estão a perceber isso, há cada vez mais pessoas, da sociedade civil, que não estão ligadas à política, conscientes disto mesmo. Creio, no entanto, que as classes políticas ainda não estão verdadeiramente conscientes do problema. Basta ver que continuam a desenvolver os mesmos modelos económicos que beneficiam algumas corporações e meia dúzia de entidades. No fundo, temos aqui um problema de bem-comum (o Planeta), que não está a ser protegido.

AN: E que reação teve por parte dos grupos parlamentares?

AS: As reuniões que tivemos com os grupos parlamentares foram no âmbito da Iniciativa Legislativa de Cidadãos – ILC - apresentada recentemente, que começou a 7 de março de 2015, e que, nacional e internacionalmente, em dois meses e meio, conseguiu mobilizar cerca de 60 mil pessoas, transversais à sociedade. Dessas, tivemos 43 mil assinaturas válidas.

AN: O que pretendem com essa Iniciativa?

AS: Alterar a dignidade moral e jurídica dos animais de companhia. Relembro que cerca de 100 mil animais são mortos nos canis todos os anos em Portugal. A medida de controlo da população é neste momento, em muitos municípios, o abate. O PAN vai à raiz do problema e apresenta soluções a montante e a jusante, nomeadamente no que diz respeito à criação, ao comércio, ao abandono e às políticas de controlo populacional e de adoção.

AN: E não há um mecanismo legal que impeça o abate?

AS: Não, não há. Ao oitavo dia após um animal ser recolhido da rua, se não for adotado pode ser abatido. E se a política do município for o abate, não há retrocesso. Estamos a falar de uma carnificina e numa tragédia.

AN: E o que se pode fazer?

AS: Esta ILC gerou algumas movimentações legislativas na Assembleia da República por parte de alguns grupos parlamentares porém, infelizmente, estas propostas não vão à raiz do problema.

AN: Porquê?

AS: Porque apenas começam a proteger a relação que temos com o animal de companhia e não o próprio animal. Com a entrada desta Iniciativa, outros grupos parlamentares apresentaram iniciativas semelhantes para acabar com o abate. Mas queremos ir mais longe, à questão do abandono, à venda de animais na internet e nas lojas.

AN: Portanto, falta a regulação.

AS: Sim, sem dúvida.

AN: Que desafios que se colocam ao PAN no futuro?

AS: A sua sustentabilidade, mas o nosso grande desafio passa por informar e consciencializar o consumidor e a população dos graves problemas que estão por detrás das causas que defendemos.

AN: Foi esse também o objetivo da campanha ‘segundas-feiras sem carne’?

AS: A iniciativa ainda está ativa, foi lançada em 2012, é uma ferramenta de passagem de informação às pessoas. Não tem como objetivo convencer as pessoas a deixarem de consumir carne apenas num dia, mas defender uma alimentação tendencialmente sem produtos de origem animal e seus derivados pelos animais, pelo ambiente e pelas pessoas.

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AN: Isto tem que ver muito com a importância da ecologia, ecossistemas e da ação humana na sustentabilidade das sociedades?

AS: Sim. A produção de carne é o maior contribuinte para as emissões de gases de efeito de estufa, na ordem dos 51%, quando todos os transportes do mundo juntos contribuem com 13%. Estamos a falar de uma atividade absolutamente impactante. É a atividade que ocupa quase 40% da superfície da terra, que mais degrada os solos, que polui os lençóis freáticos, as zonas ribeirinhas, e que desconsidera enormemente a vida animal, além de contribuir para a perda da Biodiversidade. Cada vez mais temos um aumento generalizado de doenças em Portugal. A taxa de incidência de cancros no aparelho digestivo (estômago, reto e cólon) está aumentar dramaticamente. E isto deve-se ao tipo de alimentação que fazemos, à base de produtos de origem animal, processados, repletos de açúcar e de agroquímicos.

Segurança e soberania alimentares

AN: E como promover medidas rumo à tão famigerada Segurança alimentar no futuro? No caso de Portugal, o país está preparado para o desafio?

AS: O PAN preocupa-se com a segurança e soberania alimentares. E neste momento Portugal não é, nem será, no futuro, soberano a nível alimentar, sobretudo se continuar com estas políticas. E a Agricultura tem aqui um papel fundamental. Quando falamos de alimentação estamos a falar de saúde pública. Se tivermos uma alimentação mais correta, vamos ter menos doentes, menos medicamentos e menos despesa, logo, vamos ter um Serviço Nacional de Saúde (SNS) mais sustentável. E recordo que se discutem muitas vezes medidas para mitigar o problema do SNS mas nunca vejo a discussão sobre como ter menos doentes. A prevenção primária faz-se muito por via da alimentação. E a Agricultura tem de fazer parte da saúde dos portugueses. A segurança alimentar, por outro lado, prende-se com a questão dos solos. Estamos a ficar sem solos, por via das técnicas agrícolas utilizadas. É um modelo de produção químico, quer na União Europeia, quer em Portugal, que degrada o solo e vem para a comida, além de que temos cada vez mais os solos urbanizados. E lembro que 38% dos solos estão suscetíveis à erosão. Por isso defendemos que a agricultura convencional/sintética deve deixar de ter apoios do Estado. Deve sim haver um apoio à agricultura biológica, porque é esta que vai regenerar os solos e isso traz-nos segurança e soberania alimentar. Há técnicas permaculturais bastante eficazes na regeneração de solos e de reflorestação do território. Também, por isso propomos um imposto a recair sobre a produção de alimentos e produtos agropecuários de elevado impacto ambiental.

AN: Que taxa seria essa e como funcionaria?

AS: Seria uma taxa que, por exemplo, calcularia a emissão de gases de efeito de estufa emitidos na produção de carne e lacticínios. Deve analisar-se a melhor forma de quantificar o potencial dano e a forma de tributar. Comer é um ato político, revolucionário e progressista. Quando dizemos todos, em uníssono, que queremos combater as alterações climáticas, por que não começar pelo prato, e alterar comportamentos e atos? Afinal, não é esta atividade a que mais impactos provoca à nossa casa comum, o planeta?

AN: Estamos no Ano Internacional dos Solos. Mas em Portugal parece que a efeméride está a passar ao lado do país, quase não se tem ouvido nada sobre o assunto…

AS: Não é falado porque não interessa. Falar de solos é falar de agricultura sintética e de pecuária, e isso não interessa politicamente. Estudos efetuados revelam que cerca de 36% do país apresenta risco de desertificação, sendo que 28% desta área já está bastante afetada por este fenómeno. Estamos a falar de diversas áreas no interior do país (Algarve, Alentejo, Beira Interior e Trás-os-Montes) que apresenta vastas áreas de degradação dos solos. Por exemplo, no caso particular de Mértola (no Baixo Alentejo), 47% da superfície encontra-se já afetada por um elevado grau de degradação, devido ao sobrepastoreio, compactação da superfície do solo por pisoteio do gado, práticas agrícolas incorretas, salinização, etc. A gestão do bem comum é fundamental e se não utilizarmos químicos estamos a preservar o solo e a reduzir a dependência de petróleo e, com isso, ajudamos a equilibrar a balança comercial. Se os agricultores estivessem consciencializados, podíamos ter Portugal a produzir unicamente em biológico e a caminhar para a sustentabilidade que tanto precisamos.

AN: E a UE tem tido um papel importante nesta matéria ou tem caído também no fatal marasmo?

AS: Tem tido um papel importante, mas se nalgumas coisas a Europa tem feito progressos, a nível do direito ambiental, por vezes, parece ter medo. Relembro também, a este propósito, que 46% do consumo de água na UE é destinado à agropecuária, 80% da água utilizada em Portugal é destinada à agricultura, convém dizer que para a produção de um hambúrguer são necessários 2500 litros de água, o que equivale a dois meses de chuveiro…

AN: Um cenário assustador, portanto.

AS: Sem dúvida. Além disso, quase todas as leis de proteção dos animais de pecuária em Portugal são todas transposições da Comunidade Europeia, com adequações efetuadas a muito custo, ocorridas num espaço de tempo enorme. Isto é revelador de que a classe política está em contraciclo com os mais recentes conhecimentos científicos e com a evolução ética e civilizacional que se exige. Em 1999, a UE deu 12 anos a todos os países para se atualizarem na produção de ovos. Em 2012, Portugal não tinha cumprido e não só não adotou a diretiva como foi multado. Isto é revelador da forma como encaramos todos estes problemas…

OGM

AN: Por último, como encara a questão dos Organismos Geneticamente Modificados (OMG)?

AS: Há cada vez mais provas do seu impacto negativo no ambiente, na saúde, na agricultura, na economia e no desenvolvimento sustentável. As pessoas, os animais e os ecossistemas não podem ser campos abertos de experimentação por parte das grandes empresas produtoras destes organismos cujo objetivo é o lucro a qualquer custo. Até que seja cabal e inequivocamente comprovado pela comunidade científica que estes organismos não têm os impactos acima referidos, o PAN defende a sua proibição. Parece-me muito sensato que, quando esteja em causa a saúde das pessoas, dos animais e a potencial degradação ambiental, vigore o princípio da precaução. Mais, as sementes transgénicas comercializadas por multinacionais da biotecnologia agrícola, além de serem geralmente estéreis, são protegidas através de patentes, o que impede os agricultores de produzirem e armazenarem sementes para o próximo cultivo, o que gera uma dependência a essas companhias e garante o poder das empresas de biotecnologia sobre a nossa alimentação. Exigimos uma maior proteção dos nossos alimentos através da devida rotulagem dos produtos que contêm OGM, apoiamos os agricultores locais e biológicos que se dedicam a semear todos os dias um futuro mais positivo para as futuras gerações. Apoiamos a criação de redes de consumo de alimentos locais e biológicos, e a divulgação aos pequenos e médios agricultores de modos de produção agrícola livres de químicos e de sementes geneticamente modificadas. Apoiamos a Agroecologia.

André Silva: perfil

André Silva, 38 anos, formado em Engenharia, desenvolve trabalho e investigação na área da reabilitação de património arquitetónico e artístico.

Com uma forte ligação à terra e neto de agricultores, tem orgulho na sua pequena horta de 50m2 que cuida com práticas permaculturais, onde faz a sua própria compostagem. Fascinado pela vida marinha, faz mergulho.

No partido desde o início de 2012, é membro efetivo da Comissão Política Nacional do PAN e foi responsável pela equipa de recursos humanos e materiais da campanha para as Europeias 2014. A nível local, pertence ao Comissariado da Assembleia Plurimunicipal da Grande Lisboa.

No mandato 2013/2014, foi presidente do Conselho Local de Lisboa, onde o PAN conseguiu eleger um deputado municipal e um deputado da assembleia de freguesia de Arroios. É ele o cabeça-de-lista pelo PAN nas legislativas de 2015.

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