Suinicultura, bem-estar animal e segurança alimentar

A produção de suínos actualmente tende a diversificar-se para dar resposta também a uma solicitação crescente dos consumidores por animais criados em sistemas que respeitem o bem-estar animal (BEA) e simultaneamente a segurança alimentar. 

Suinicultura

Por: Ana Carina Silva, Cláudia Lobo, Humberto Rocha, Teresa Letra Mateus

A produção de suínos pode ser praticada essencialmente em sistemas: extensivos (free-range), intensivos ou biológicos. Os sistemas de produção extensiva caracterizam-se pela criação de suínos sem instalações fechadas, isto é, os animais passam pelas diferentes fases produtivas em campo.

Estes sistemas são usados sobretudo na produção doméstica onde raramente são utilizadas tecnologias, mas também e cada vez mais, em produções comerciais. Os sistemas de produção intensiva caracterizam-se pela criação de suínos completamente confinados, em que todas as fases produtivas ocorrem em diferentes pavilhões fechados. Nos sistemas intensivos, as tecnologias são muito usadas de modo a rentabilizar e aumentar a produtividade.

Os sistemas biológicos apresentam normas específicas de áreas exteriores a que os suínos têm acesso, o uso de antimicrobianos é muito limitado, a fonte de alimentação também tem de ser biológica, entre outras condicionantes.

Todos os sistemas apresentam vantagens e desvantagens, quer a nível de produção, quer a nível de segurança alimentar e de BEA. O objectivo deste artigo foi relacionar os modos de produção de suínos com o BEA e a segurança alimentar.

Sistemas de produção BEA e segurança alimentar

Nos sistemas de produção extensivos existirão condições de BEA que poderão estar mais de acordo com as necessidades dos animais no que diz respeito às áreas da produção, contudo, também se sabe que, fruto da exposição a diversos factores ambientais, há mais problemas com doenças parasitárias.

Segundo Bacci et al. (2015) e Giessen et al. (2007), que comparavam a suscetibilidade de infeção por Toxoplasma gondii em suínos de produção intensiva e produção extensiva, os animais que apresentam maior risco de infeção são os suínos de produção extensiva. Esta conclusão foi baseada na genotipagem dos serotipos de Toxoplasma gondii de estirpes potencialmente virulentas nestes suínos, que estão mais expostos a animais selvagens, o que propicia uma fusão entre o ciclo doméstico e silvestre, potenciando a patogenicidade para o Homem. Para além deste fator, no caso da infecção humana, esta é favorecida também a ingestão de carne e enchidos mal cozinhados (Bacci et al., 2015; Giessen et al., 2007).

Também Wallander et al. (2016) concluíram que a prevalência de Toxoplasma gondii é maior em sistemas de produção extensiva ou biológica, o que estará associado à alimentação que é disponibilizada em locais em que os gatos e roedores têm acesso, assim como com o acesso ao pasto.

Hernández et al. (2014) fizeram um estudo apenas com suínos produzidos em sistema extensivo, no Sul de Espanha. Encontraram diferenças entre a seroprevalência de Toxoplasma em explorações de diferentes localidades e pensam que se deveram a diferentes práticas relativamente a: sistemas de produção all-in-all-out (tudo dentro e tudo fora), medidas de limpeza, idade dos animais, controle de roedores e gatos e métodos usados para eliminar as carcaças. Os anticorpos de Toxoplasma gondii observados neste estudo podem também estar relacionados a fatores como a presença de reservatórios de infecção (animais silvestres, roedores, entre outros), fontes de água contaminadas e ambiente conspurcado (Hernández et al., 2014).

Outro parasita zoonótico que preocupa quem produz suínos em sistemas extensivos é Trichinella. Apesar de na União Europeia o número de casos em humanos estar a diminuir, o risco mantém-se. Na Argentina, por exemplo, ainda se regista um número elevado de surtos, associados não só a explorações caseiras, como também à elevada ingestão de carne de caça selvagem e ainda às dificuldades socio-económicas que tendem a ser melhoradas (Murrell, 2016). A redução da incidência global de triquinelose em carne de suínos deve-se em grande parte à inspeção sanitária da carne que tem sido uma prática obrigatória implementada, também devido ao tratamento térmico implementado na carne para eliminação das larvas musculares e ainda a outros métodos de conservação.

Ainda assim, os suínos mais afetados pela triquinelose estão associados a sistemas de produção extensiva e biológica, devido a estarem mais expostos a animais selvagens (hospedeiro reservatório). A sensibilização dos produtores para estas doenças, assim como para as medidas preventivas parece ter um impacto na diminuição da exposição dos suínos a estes agentes. Assim, devem ser fornecidas informações sobre a biologia e epidemiologia de Trichinella, especialmente sobre os hospedeiros reservatórios e o impacto do ciclo selvagem. A falta de consciência por parte dos produtores pode comprometer a segurança alimentar, constituindo risco para o Homem (Murrell, 2016).

Para além das parasitoses, as doenças provocadas por bactérias também têm um papel importante nos sistemas de produção de suínos e apresentam uma grande importância a nível da segurança alimentar. Segundo a Organização Internacional de Epizootias (OIE), a brucelose apresenta baixa prevalência em suínos domésticos, embora possa ser maior na América do Sul e Sudeste Asiático (OIE, 2016).

Hernández et al. (2014) também avaliaram a prevalência de Brucella no estudo que realizaram no sul de Espanha. A presença de anticorpos só foi detetado em seis animais de três rebanhos. A maior seroprevalência de Brucella suis é relatada neste estudo em javalis selvagens, chamando à atenção para o risco de transmissão para os humanos através da caça e manuseamento das vísceras e da carne. Neste estudo, a seroprevalência de Salmonella spp. foi alta, enquanto a de Brucella spp. foi baixa e não foi detetado Trichinella spp. (Hernández et al., 2014).

No estudo desenvolvido por Sørensen (2016) concluiu-se que o uso de antibiótico é diferente em sistemas extensivos e intensivos, mas é semelhante entre sistemas caseiros e extensivos (Sørensen, 2016).

Para além dos agentes que apresentam elevada importância na suinicultura e enquanto agentes zoonóticos, o bem-estar dos suínos está cada vez mais a ser valorizado pelos consumidores. Kongsted & Sørensen (2017), recentemente, acompanharam o abate de suínos durante um período de 3 anos num matadouro, e concluíram que as lesões após o abate não estão relacionadas com o sistema de produção nem com o BEA dos suínos. Considerando que na pecuária biológica o uso de antibióticos é restrito, esperava-se que esses suínos apresentassem mais lesões crónicas.

As lesões identificadas foram: milk spots no fígado (relacionadas com migrações de larvas de ascarídeos), lesões na cauda, artrite, lesões de pele, fratura óssea, septicemia e abscessos, e foram mais frequentes nos sistemas não intensivos. Esta evidência fez questionar se o controlo de doenças é comprometido em sistemas que permitem aos suínos comportar-se o mais naturalmente possível.

A infeção das vias aéreas foi a lesão mais prevalente neste estudo, apesar de não haver associação entre os diferentes sistemas de produção e a ocorrência desta lesão (Kongsted & Sørensen, 2017). Noutro estudo semelhante (Alban et al., 2015), de avaliação de lesões de suínos de diferentes sistemas produtivos após abate, concluiu-se que os suínos de sistema extensivo apresentavam maior incidência de pleurites crónicas, ou seja, problemas respiratórios.

Os suínos criados em sistema extensivo apresentaram um predomínio de treze tipos de lesões com especial destaque para fraturas, lesões da cauda e osteomielites. Constatou- se também que existiam quatro tipos de lesões que eram comum nos dois sistemas, tais como: pleurite crónica e pneumonia crónica.

As lesões menos encontradas no sistema de produção extensivo comparativamente ao sistema intensivo foram: abcessos nos membros, hérnia e cicatrizes/lesões nos curvilhões. Tendo em conta que a genética dos dois sistemas de produção neste estudo é semelhante, esta não foi contabilizada como um factor de influência na incidência das lesões (Alban et al., 2015).

Para além destas lesões, as patologias articulares também são frequentes. Segundo Etterlin et al. (2014) o aumento da magnitude, o stress biomecânico, o piso variável, a dureza do solo e as pastagens irregulares em que os suínos são criados ao ar livre promove o desenvolvimento de osteocondrose. Este estudo não é completamente conclusivo, pois seria necessário analisar o tipo de piso, a densidade populacional de suínos, entre outros factores.

Sabe-se que a genética também influência a qualidade podal, o que pode estar associado à presença ou não de patologias nesta zona anatómica. Outro motivo pelo qual este estudo também não foi conclusivo, deve-se ao facto dos fatores ambientais terem sido diferentes entre os dois grupos de suínos, alguns dos quais poderiam ter aumentado a prevalência da tensão irregular e trauma repetido nas articulações dos suínos criados ao ar livre, resultando nas diferenças de prevalência e gravidade (Etterlin et al., 2014).

Considerações Finais

Este trabalho permitiu verificar que em ambos os tipos de produção de suínos existem riscos inerentes, quer para o BEA, quer para a segurança alimentar do consumidor.

Salienta-se que os hospedeiros reservatórios apresentam um papel fundamental na disseminação dos agentes biológicos e potenciam os riscos zoonóticos, sendo fundamental formar e informar os produtores sobre as boas práticas de produção, de biossegurança, e medidas preventivas para os agentes biológicos, sobretudo os de risco zoonótico.

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