Simulação dos custos e dos balanços da energia e carbono em diferentes opções de cultura da vinha

artigo científico

Simulação dos custos e dos balanços da energia e carbono em diferentes opções de cultura da vinha

Por: Fernando A. Santos, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)

RESUMO

A cultura da vinha envolve um elevado nível de mecanização e variados fatores de produção pelo que a determinação dos seus custos é fundamental para se conhecer a sua viabilidade económica. Hoje, como resultado do constante aumento do custo da energia e impacto do carbono no meio ambiente, a análise dos seus fluxos tem vindo a ganhar importância, pelo que neste estudo se apresenta uma simulação dos custos e do balanço de energia e carbono envolvidos nesta cultura. Nesta análise consideraram-se três situações de cultivo, nomeadamente o tradicional, o cultivo com cobertura vegetal espontânea e com cobertura vegetal semeada.

Os fatores considerados incluem as alfaias, os tratores, a mão de obra e um grupo designado por “outros” onde estão representados as sementes, adubos, pesticidas, etc. Todos os fatores são identificados como consumidores de energia direta biológica (mão de obra, sementes, etc.), energia direta fóssil (combustíveis, lubrificantes, etc.) e energia indireta ou industrial (energia gasta no fabrico dos equipamentos, pesticidas, etc.). A energia produzida em cada um dos sistemas culturais é o somatório da energia da produção, do material vegetativo da planta e da matéria orgânica do solo resultante da incorporação de vegetação e a consumida o somatório da energia direta e indireta.

Para comparar as três modalidades de cultivo determinou-se, para além da energia consumida e produzida, o balanço energético, a eficiência energética cultural (conversão energética do sistema), o balanço e eficiência energéticos parciais (excluindo as energias não renováveis), o número de horas totais, o custo e o rendimento por hectare. Relativamente ao carbono (CO2) os balanços e eficiências foram determinadas tendo como referência a energia envolvida em cada atividade e fator de produção.

Introdução

A maioria dos alimentos é produzida utilizando sistemas de cultivo intensivos que têm contribuído para o constante aumento dos custos de produção, aumento das necessidades de energia e aparecimento e agravamento de problemas ambientais, nomeadamente, os que resultam da emissão do carbono para a atmosfera (Cunha, 2005). A agricultura, sendo um meio de converter a energia solar em alimentos, necessita de outras fontes de energia tais como fertilizantes, combustíveis, etc. que devem, no entanto, ter o menor impacto possível no meio ambiente (Assenheimer, 2009).

Em face desta situação, os técnicos e a população em geral, têm vindo a alertar para a necessidade de uma maior racionalização dos meios envolvidos com vista a melhorar a sustentabilidade dos sistemas.

Esta, no que se refere à energia, está cada vez mais ameaçada pelo aumento do custo dos combustíveis fósseis, pelo que a utilização de energias alternativas é, cada vez mais, uma opção a considerar. Relativamente ao CO2, o seu contínuo aumento tem conduzido a significativas alterações do meio, pelo que é fundamental fomentar práticas mais amigas do ambiente. Segundo Costantini (2003), a redução do CO2 na atmosfera implica a criação de sumidouros ao nível do solo e a utilização dos biocombustíveis em substituição dos fósseis. Paulino (2009) afirma que as emissões das atividades agrícolas a nível global representam ± 13.5 % do total de emissões e são, juntamente com óxido nitroso (N2O) e metano (CH4) os gases que mais absorvem a radiação infravermelha (calor). Boddey (2010) indica que o N2O é aproximadamente 300 vezes mais ativo na absorção de calor que o CO2 e o metano 24 vezes.

Segundo Sato (2008), a manutenção da produção agrícola com recurso a fontes de energia alternativas por forma a diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, a utilização de fatores com reduzido impacto no meio e a utilização de práticas culturais mais amigas do ambiente são, hoje em dia, opções com tanta ou mais importância que as que têm em consideração unicamente os aspetos económicos e de produtividade.

Para simular os resultados económicos e os balanços de energia e carbono, nas três alternativas de cultivo da vinha, criou-se um livro excel com várias folhas onde, na folha 1 (InfVar), são apresentados vários índices utilizados nos cálculos dos balanços, custos, etc., na folha 2 (Equip) são efetuadas as determinações relativas aos equipamentos, na folha 3 (Tratores) as dos tratores, na folha 4 (Eq+Tr) as da mecanização das operações culturais, na folha 5 (MO) as da mão de obra e, na folha 6 (Outros), as dos restantes fatores consumidores e fornecedores de energia (ex. dos pesticidas e da matéria orgânica do solo). Na folha 7 (Vinha), os resultados dos cálculos anteriores são agrupados em função das três modalidades de cultivo sendo utilizados, na folha 8 (Res_Finais), alguns deles para determinação dos resultados finais que permitem comparar em termos de energia, carbono, custos, etc., as três modalidades. O livro tem outras folhas onde está disponível informação necessária para a execução de muitos dos cálculos, exemplo dos rendimentos em trabalho, densidades de plantação, etc.

Metodologia

“Os estudos dos balanços energéticos têm como objetivo determinar as fases de estrangulamento energético dos sistemas de produção fundamentando a busca por tecnologias poupadoras de energia, especialmente as de origem fóssil e da energia despendida no processo de fabricação de máquinas e implementos, etc.) ” (Oliveira citando Campos & Campos (2004), 2010). Este autor considera que a análise da relação energética entre o que é consumido e produzido permite implementar novas técnicas de produção, assim como a busca de matérias-primas de maior eficiência energética.

Para determinação dos balanços energéticos e do carbono utilizaram-se vários índices, alguns deles a necessitar de confirmação para as situações particulares em análise, não sendo, no entanto, a sua quantificação exata determinante para a comparação das três opções de cultivo. Relativamente à energia, consideram-se as mesmas categorias utilizadas por Sato (2008), ou seja:

  1. Energia biológica, que inclui a energia humana e animal, resíduos de animais e agroindústrias, sementes, alimentos para animais, adubação verde e cobertura morta;
  2. Energia fóssil, que se refere aos produtos e subprodutos do petróleo utilizados como fonte de energia primária;
  3. Energia indireta (industrial) que inclui a energia consumida no fabrico das tratores e restante equipamentos, a energia elétrica e a energia consumida no fabrico dos adubos, pesticidas, etc.

Para os equipamentos, os cálculos são efetuados considerando-se a energia direta fóssil consumida pelo material de tração e a energia indireta utilizada no seu fabrico e a quantidade de CO2 produzido durante a sua utilização e fabrico; a energia é dada MJ.h-1 e o CO2 em kg.h-1. A energia direta fóssil é determinada em função da potência do trator, dada em kW, necessária para o seu acionamento, multiplicada por 3.6 (1 kW.h-1 equivale a 3.6 MJ.h-1) e a indireta em função da sua massa (kg), número de horas anuais de utilização (h.ano-1) e sua vida útil (anos), considerando-se que são necessários 57.2 MJ de energia por cada kg de massa (Sato, 2008). O CO2 produzido é determinado em função da energia consumida, considerando-se que 1 MJ.h-1 produz 0.181 kg de CO2 (Sato, 2008). Para cada um dos equipamentos é determinado ainda o rendimento em trabalho (h.ha-1), tendo em consideração a velocidade e largura de trabalho e a eficiência de campo e o custo hora (€.h-1) e hectare (€.ha-1). A importância de cada equipamento é determinada pelas percentagens dos custos, energia e CO2, de cada um, relativamente ao conjunto.

Para os tratores (equipamentos de tração), a energia total é obtida pelo somatório da energia direta biológica (condução e manutenção), considerando-se que 1 hora equivale a 0.785 MJ.h-1 (Sato, 2008), pela energia direta fóssil, determinada pela energia resultante do consumo dos combustíveis, óleos e massa lubrificante, e pela energia indireta (industrial), considerando-se que são necessários 68.83 MJ por cada kg de peso do equipamento (Sato, 2008). O poder calorífico do combustível indicado por este autor é 10100 kcal.L-1 (42.295 MJ.L-1), dos óleos de 10120 kcal.L-1 (42.379 MJ.L-1) e da massa lubrificante 10200 kcal.L-1 (42.714 MJ.L-1). Salla (2010) considera o coeficiente energético do gasóleo equivalente a 40.64 MJ.L-1 sendo o do etanol de 23.37 MJ.L-1. O CO2 produzido pelos tratores é obtido da mesma forma que para os equipamentos. Para cada um dos tratores utilizados é determinado o seu custo hora (€.h-1).

Para a mecanização das operações culturais definem-se as combinações trator-equipamento tecnicamente mais corretas e determina-se o seu custo hora e hectare, assim como o balanço da energia e carbono envolvidos; à semelhança dos equipamentos não motorizados são determinadas as percentagens dos custos, energia e CO2, das combinações para se saber qual a sua importância relativa na cadeia de mecanização.

A mão de obra envolvida na cultura, considerada como energia direta, é “dividida” em trabalho de condução (tratorista), mão de obra especializada (ex. dos podadores) e indiferenciada (ex. dos vindimadores). O tempo por hectare de condução, correspondente ao tempo determinado para os equipamentos não motorizados, considera-se como tendo um custo de 10 €.h-1, sendo o custo atribuído à mão de obra especializada de 7.5 €.h-1 e à indiferenciada de 5 €.h-1. Sato (2008) considera que, para a cultura do milho, a energia consumida por um tratorista é de 0.785 MJ.h-1 e a da restante mão de obra de 1.2 MJ.h-1. A possibilidade de alterar estes e todos os outros valores, sendo estas alterações repercutidas em todos os cálculos, permite ajustamentos às condições particulares de cada cultura e exploração. Nesta folha são também determinadas as percentagens dos tipos de mão de obra utilizados.

Para os restantes fatores, designados genericamente por “outros” e que incluem os pesticidas, adubos, matéria orgânica incorporada no solo etc., a sua energia é convertida, com base no seu poder calorífico ou do seu principal princípio ativo (ex. dos fertilizantes), em valor calórico.

Para conversão das unidades físicas em energia os equivalentes energéticos para o calcário, herbicidas, inseticidas, azoto, fósforo e potássio foram os indicados por Salla (2010), ou seja, 0.2, 302.0, 306.6, 73.3, 13.9 e 9.2 MJ.kg-1. Alguns fatores são consumidores, outros produtores de energia direta e outros são consumidores de energia indireta; no grupo da energia direta biológica, os fatores consumidores (input) de energia são, por exemplo, as sementes, e os produtores (output) de energia são, por exemplo, a matéria orgânica do solo. Quando o ecossistema retém mais carbono do que liberta funciona como sumidouro (Costantini, 2003). À semelhança das situações anteriores são determinadas as percentagens dos fatores envolvidos.

Os resultados da informação relativa às operações e quantidades de fator são agrupados na folha (Vinha), onde são apresentadas as três modalidades em análise. A primeira coluna de cada uma das modalidades é utilizada para anular, ou não, essa operação (fator), ou seja, ao introduzir o valor 0 os resultados dessa operação (fator) são nulos mas se, por exemplo, se efetuarem duas escarificações o valor a introduzir será 2; esta metodologia permite diferenciar as operações e fatores utilizados em cada uma das modalidades.

Nesta folha são também determinados os resultados totais dos dados relativos à mecanização (equipamentos, tratores e condução), da mão de obra (não condução) e dos restantes “inputs” (outros); nesta folha também é introduzida, para cada uma das modalidades, a produção esperada, em kg.ha-1 e respetiva receita.

Resultados

Os resultados apresentados na folha “Vinha” são utilizados para, na folha “Res_Finais”, se determinar as parcelas da energia direta e indireta e os vários indicadores que permitem comparar as três situações de cultivo em análise (anexo 1).

Relativamente aos fluxos de energia é calculada a energia da produção, considera-se que 1 kg de uvas contém 3.14 MJ de energia, mais a energia armazenada na matéria orgânica do solo cujo somatório permite obter a energia bruta total produzida; a energia total consumida é obtida pelo somatório da energia direta e indireta. O balanço energético é dado pela diferença entre a energia produzida e a consumida e o balanço energético parcial pela diferença entre a energia produzida e as energias não renováveis.

Relativamente às eficiências, determinou-se a eficiência energética total, dada pela relação entre a energia total produzida e consumida, e a eficiência energética parcial dada pela relação entre a energia acumulada e a energia fóssil (Sato, 2008). A eficiência energética total, também designada por eficiência cultural, é um elemento importante na avaliação da sustentabilidade das atividades agrícolas, sendo esta tanto maior quanto maior for o seu valor (Oliveira, 2010).

Para além destes dados são apresentados para as modalidades o número de horas (h.ha-1), o custo (€.ha-1) o rendimento (€.ha-1) e o custo energético do quilo das uvas (MJ.kg-1).

Analisando estes indicadores (anexo 1) constata-se que a modalidade que apresenta os valores mais elevados do balanço energético, da eficiência energética (cultural), balanço energético parcial, da eficiência energética parcial é o cultivo da vinha com cobertura vegetal espontânea. Esta modalidade é também a que apresenta um menor número de horas e custo hectare e o rendimento mais elevado, pelo que se pode concluir que é a mais económica e mais amiga do ambiente. Quando comparados os vários tipos de energia, esta modalidade é a que apresenta, em percentagem, o consumo de energia fóssil mais elevado e o de energia indireta mais baixo.

Oliveira (2010) apresenta, na produção de etanol (cultivo e industrialização da cultura), valores de eficiência energética parcial para a cana-de-açúcar de 9.3 e para o milho de 1.4; para produção de etanol Boddey (2010) indica, para a cana-de-açúcar, uma eficiência energética parcial de 9.35 e para o milho de 1.09. Salla (2010) apresenta valores de 1.76 para a mandioca e Adriane (2009) valores de 7.81 e 4.40 para a soja cultivada em sistema orgânico e convencional.

Conclusões

Os resultados obtidos pela simulação das três opções de cultivo da vinha devem ser validados em condições de campo pois alguma da informação aqui utilizada resulta de trabalhos efetuados pela UTAD na cultura da vinha na RDD mas também é utilizada informação relativa a outras culturas e fatores que poderão apresentar diferenças em relação à situação em análise.

Mesmo tendo em consideração o carácter “teórico” do estudo, consideramos de grande interesse a criação de um “livro excel”, onde é possível agrupar toda a informação e cálculos que, por estarem “linkados” permitem simular diferentes arranjos de operações culturais, quantidades de fatores a utilizar etc.; a estrutura do livro, em que os grupos com o mesmo tipo de informação e cálculos já estão criados, permite introduzir novos dados ou alterar os existentes, obtendo-se a atualização automática dos resultados.
Para se contabilizar a evolução energética das modalidades em causa é importante que os ensaios sejam efetuados nos mesmos anos agrícolas de modo a minimizar as condições do meio, especialmente as climáticas.

p62 anex

Bibliografia

  1. Costantini, A. (2003). Estoque de carbono em um sistema agrícola do pampa Argentino. http://www.ipni.net/ppiweb/ltams.nsf/87cb8a98bf72572b8525693e0053ea70/37270eea1c31d1f90325726c006c86ee/$FILE/Costantini.pdf
  2. Cunha, M. (2005). Tecnologias limpas em agro-pecuária.     http://www2.spi.pt/agroambiente/docs/Manual_IV.pdf
  3. Sato, M. (2008). Custos energéticos do agro-sistema pinhão-manso e milho: comparativo entre o sistema de condução sequeiro e irrigado. http://200.145.140.50/index.php/energia/article/viewFile/212/128
  4. Paulino, J. (2009). Agricultura e alterações climáticas. http://www.gpp.pt/ambiente/Alteracoes_climaticas/Trabalho_final_DEPA.pdf
  5. Assenheimer, A. (2009). Análise energética de sistemas de produção de soja convencional e orgânica. http://www.sumarios.org/sites/default/files/pdfs/506-2086-1-pb.pdf
  6. Schmit, D. (2009). Uso da análise emergética como ferramenta de avaliação ambiental em uma propriedade agroecológica.  http://www.tcc.cca.ufsc.br/agronomia/ragr068.pdf
  7. Oliveira, E. (2010). Balanço energético na produção de álcool da cana-de-açúcar: comparativo com a produção norte americana de etanol por meio da utilização do milho. http://fisica.uems.br/curso/tcc/tcc.php?id=39
  8. Boddey, R. (2010). Balanço energético e emissões de gases de efeito de estufa na produção de bioetanol da cana-de-açúcar em comparação com outros bio-combustíveis. http://cenbio.iee.usp.br/download/documentos/seminbioenergia/robertboddey_2608.pdf
  9. Salla, D. (2010). Análise energética de sistemas de produção de etanol de mandioca. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-43662010000400015

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