Requisitos de frio de pequenos frutos

Por: Bernardo Madeira

Os produtores de pequenos frutos, no momento de escolher as variedades que vão plantar, devem ter em atenção as preferências do mercado, a qualidade da fruta, a vida pós colheita mas, também, a adequação às condições edafo-climáticas da sua exploração, ou seja, adequação ao tipo de solo (em termos de drenagem, textura, composição e pH) mas, também, do seu clima e micro-clima local.

Um dos conceitos que rapidamente se está a difundir entre produtores é o de “requisitos de frio” ou “vernalização”.

A maioria das fruteiras de clima temperado como a cerejeira, o kiwi e a macieira, bem como o mirtilo, a groselha e a framboeseira desenvolveram um mecanismo fisiológico de protecção que limita o abrolhamento ou rebentação precoce na primavera, por forma a evitar serem queimadas pelas geadas.

Uma planta que entra em dormência no outono, inclusivamente perdendo a folha, caso rebente assim que “sinta” os primeiros dias de calor de primavera corre o risco de ser surpreendida por uma vaga de frio ou geadas mais tardias. E dada a variabilidade climática, todos sabemos como é comum haver belos dias de calor em janeiro e em fevereiro, e até em dezembro, dependendo da região, muito antes de o inverno terminar, seria normal que os jovens rebentos e as flores se perdessem.

A selecção natural levou a que algumas plantas, para quebrarem a dormência em que imergem no outono, necessitem de ser submetidas a um período de frio, mais ou menos consecutivo, e mais ou menos longo, consoante o clima da região de onde essas variedades são originárias.

Em agronomia, e no caso dos pequenos frutos, é comum determinar as unidades de frio que cada espécie e variedade necessitam para se poder dar a maturação e rebentação regular dos gomos como o “somatório de horas de frio”.

Para a maioria das fruteiras o método mais adotado, e também o mais prático, embora não seja o mais rigoroso, considera como “hora de frio” todo o período de 60 minutos consecutivos em que a temperatura atmosférica, medida em abrigo meteorológico, é inferior a 7,2ºC.

Assim, se uma variedade de mirtilo, framboesa ou de groselha, por exemplo, exigir 800 horas de frio, ela não deve ser plantada numa região onde, em média, ocorra uma acumulação de, por exemplo, 600h horas abaixo de 7,2ºC no período Invernal.

E dizer que uma variedade tem exigência de cerca de 800 horas, significa que, quando, pelo somatório de horas de frio, calculado como agora se descreveu, se atingirem as 800 horas, a dormência dos gomos pode ser quebrada pois, fisiologicamente, ficaram satisfeitos os requisitos em termos de vernalização.

Porém, o abrolhamento só acontecerá quando se atingir um muito menos crítico, e por isso menos referido, período de somatório de temperaturas ou horas de “calor”. Deste modo, não existe problema de maior em plantar variedades com poucos requisitos de frio em zonas muito frias, pois a dormência vai manter-se, desde que a transição para o período quente se dê de forma relativamente rápida, e não com sucessivas subidas e descidas de temperatura que comprometam a jovem rebentação.

Esta informação é de enorme relevância para os produtores de pequenos frutos, e os produtores de pêra e de kiwi dão muita atenção a este factor meteorológico como auxiliar de várias decisões agronómicas, porém, a contagem de “horas de frio” é feita de uma forma algo empírica, e sujeita a algum erro, embora desprezível, uma vez que não se sabe, exactamente a data a partir da qual se deve começar a fazer a contagem de horas de frio, nem o momento em que se deve parar.

Para Portugal continental é mais ou menos pacífico que a contagem pode começar em 1 de outubro, isto porque em algumas regiões, nesta altura começam, efectivamente, e na maioria dos anos, as primeiras geadas, e indubitavelmente a queda de folha, e mesmo nas que isso não acontece o erro não é relevante, uma vez que o índice só se inicia quando as temperaturas são realmente baixas.

Já a data em que se deve terminar a contagem de horas de frio é mais difícil de acertar, e dependerá bastante das regiões.

A razão para esta dificuldade está no facto de, em vários locais, a partir de 1 de fevereiro a variabilidade inter-anual se acentuar muito, ou seja, haverá anos em que fevereiro e março são mais frios, e podem contribuir para um aumento do somatório das horas de frio, mas outros haverá, e sobretudo nas zonas do Sul e mais costeiras, em que a primavera é mais quente, e raros são os dias “frios” com horas de frio suficientes para compensarem e anularem as “horas de calor” que se somaram.

Deste modo, há que ter em atenção, sobretudo em Portugal, pelo seu clima, que o somatório de horas de frio (observadas numa estação meteorológica) é uma referência relativamente cega a outras variáveis pois, por exemplo, temos frequentemente verânicos em pleno inverno, ou seja, períodos em que a temperatura se eleva muito durante algumas semanas e que, eventualmente, antecedem novos abaixamentos de temperatura.

Estes verânicos produzem três efeitos:
    1º     Eventual anulação de horas de frio já acumuladas.
    2º     Desencadear extemporâneo da rebentação sem que estejam perfeitamente acumuladas todas as horas de frio
    3º     Desencadear da rebentação quando já estão acumuladas as horas de frio (risco de queima).

Assim, com a aproximação possível, cremos que, se estatisticamente (ver carta anexa) até ao último dia de Janeiro, os requisitos de horas de frio das nossas variedades de pequenos frutos não estiverem satisfeitas, deve-se ter redobrado cuidado, evitando a escolha de variedades que tenham exigências térmicas (informação que normalmente consta dos catálogos), muito superiores ao valor médio registado na localidade (este indicador apresenta-se como bastante fiável para o zonamento de regiões com menos de 1.000 horas de frio).

Outro aspecto importante a ter em consideração é a data da ocorrência de geadas.
Para a maioria dos pequenos frutos a sujeição, durante um período curto, a uma geada, não será algo relevante, mas a persistência, de temperaturas próximas do 0ºC ou abaixo deste valor podem ser gravosas, em primeiro lugar, e numa situação menos perceptível, uma redução da eficiência da polinização, e assim da produção e produtividade, e num caso mais drástico, a queima de rebentos e flores (ver AGROTEC 7, para conhecer algumas formas de mitigar o risco de geada).

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Para o produtor é, portanto, também importante conhecer as datas históricas de ocorrência de última geada.

Este indicador normalmente revela qual é, em definitivo, o fim do período invernal, e a partir do qual o risco de perda por geada se anula praticamente por completo.

Porém, o indicador mais expedito, e que engloba mais do que a maioria dos eventos, é a data média da última geada (que se publica neste artigo). Assim, normalmente, este indicador poderá servir-nos de aproximação para a determinação do momento em que se pode terminar a contagem de "horas de frio", (mais ou menos semana).

A data da geada é importante, como se compreende, para a escolha de variedades que, idealmente, floresçam depois da data média da última geada.

Existe um risco estatístico de ocorrerem geadas mais tardias do que a data média, por exemplo, em Melgaço a data média da última geada é 1 de março, mas a geada mais tardia de que há registo observou-se perto de 1 de abril (dado não publicado nesta edição) existindo, portanto, entre essas duas datas, um risco, embora decrescente, de, esporadicamente, haver uma geada tardia.

Esta informação é também importante para o zonamento de algumas culturas que, embora não careçam de horas de frio, precisam de uma estação de crescimento superior a um determinado número de meses, como o maracujá, o abacate, anona, etc.

No caso da cultura em estufa, e em abrigo, deve-se estar também consciente que, nestes ambientes, pode ser mais difícil atingir o número de horas de frio necessárias às variedades que estamos a utilizar. Por este motivo, quando se cultivam nestas condições temos três opções:
    1.    Utilizar variedades com menos requisitos de frio
    2.    Utilizar túneis que permitam a completa remoção do plástico no inverno (isto onde se justifique).
    3.    Colocação das plantas em câmaras frigorificas onde vão sofrer a vernalização adequada (só viável para plantas em vaso).

A consulta dos requisitos de horas de frio de cada espécie encontra-se descrita nos livros de especialidade e nos catálogos das melhores casas comerciais.

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Como referência, há variedades de mirtilo “Sul” que têm requisitos de frio que vão das 100 até às 700 horas, ao passo que a maioria das variedades tipo “Norte” têm requisitos de frio superiores a 800 horas, algumas mais de 1100 horas. Os mirtilos “rabbiteye” exigem, normalmente, dependendo das variedades, entre 450 horas a 750 horas. Por isso não podem ser plantadas no sul de Portugal, excepto com vernalização artificial.

No caso da framboesa e da amora, os requisitos de frio variam entre os 250 até as 900 horas, havendo, contudo, como naturalmente se compreende, variedades que sairão deste intervalo.

Já a quase totalidade das groselheiras e a maioria das cerejeiras, por exemplo, exige entre 700 a 1.500 horas de frio, empurrando estas culturas para as zonas do interior e norte, excepto quando cultivadas em sistemas altamente tecnológicos.

De referir, como apontamento, que em alguns países, e em algumas situações, é permitida a utilização de reguladores hormonais (o mais célebre é o dormex, antigamente muito utilizado e autorizado para a cultura de kiwi) que permitem, quando não se consegue completar os requisitos de frio, mas se está próximo, desencadear a rebentação de uma forma quase normal.

Agradece-se ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera pela cedência, para publicação, das cartas de acumulação de horas de frio determinadas pela análise do modelo numérico ALADIN, no período de 1 de outubro a 31 de janeiro

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