Política Agrícola, Regional e de Coesão (Parte I / II)

Política Agrícola, Regional e de Coesão  (Parte I / II)

Por: Nuno Ornelas Martins, Universidade dos Açores

Introdução

Neste artigo será analisada a economia e política agrícola e de desenvolvimento regional numa perspectiva histórica, com particular ênfase no caso Português e Europeu. Será avaliado em que medida é que os desequilíbrios regionais causam desafios para a política europeia, com especial ênfase no caso das zonas rurais. Será também estudado o modo como a política agrícola tratou a questão dos bens públicos, e no fim serão apontadas algumas conclusões acerca não apenas do modo como uma teoria económica alternativa poderá trazer uma melhor perspectiva sobre os problemas da agricultura e do desenvolvimento regional, mas também sobre o modo como as características da actividade agrícola poderão contribuir para moldar a teoria económica utilizada no estudo dessa mesma actividade.

Desequilíbrios regionais, problemas urbanos e problemas rurais

Muitos problemas de uma dada região, são agravados pelos desequilíbrios noutras regiões. Por exemplo, o problema do desemprego nas zonas urbanas, é causado em grande medida pelas migrações oriundas das zonas rurais, que são por sua vez causadas pelas dificuldades de desenvolvimentos destas últimas. Essas dificuldades, por sua vez, são muitas vezes causadas pela extracção do valor criado nas zonas rurais, por parte das zonas urbanas. Assim, estes problemas devem ser analisados numa perspectiva integrada.

Neste contexto, medidas de apoio ao sector rural nas regiões mais desenvolvidas do globo têm contribuído para a existência de mais estabilidade nesse sector, e atenuado (sem conseguir evitar) a migração rural-urbana dentro dessas zonas do globo, que possuem com maiores índices de desenvolvimento. Mas essas mesmas medidas, apoiando os sectores rurais em regiões do globo mais desenvolvidas, e favorecendo os seus produtos nos mercados dos países industrializados (isto é, nos principais mercados mundiais), acabam muitas vezes por colocar dificuldades aos sectores rurais de países em vias de desenvolvimento, que têm assim mais dificuldade em colocar os seus produtos nos mercados dos países desenvolvidos, provocando migração rural-urbana internacional, entre os países menos industrializados, e os países mais industrializados.

Deste modo, acaba por se atenuar a migração rural-urbana dentro de uma dada zona geográfica (Estados Unidos ou União Europeia, por exemplo), mas aumentando-se a migração para essas mesmas áreas geográficas provenientes de outras zonas do globo (tais como África, América Latina e Ásia). A migração rural-urbana internacional, por sua vez, coloca questões ao nível da identidade cultural e integração das comunidades imigrantes. Isto é, a migração internacional coloca questões mais complexas ao nível da integração das comunidades imigrantes do que a migração rural-urbana dentro de um dado país.

Entre os principais fluxos migratórios para Portugal, e principalmente para as áreas urbanas Portuguesas, encontramos imigrantes provenientes de países Africanos, especialmente de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), e da América Latina, especialmente do Brasil, sendo que a imigração Asiática também desempenha um papel importante, especialmente a imigração Chinesa e Indiana – INE (2001), OCDE (2007a, 2007b). Enquanto a migração rural-urbana dentro de Portugal, causadora da desertificação das regiões rurais e concentração nos pólos urbanos, tem sido atenuada pelas ajudas europeias à agricultura no âmbito da Política Agrícola Comum, esta mesma política agrícola dificulta a entrada dos produtos dos países em vias de desenvolvimento nos mercados europeus, passando-se algo semelhante na América do Norte.

Neste aspecto o segundo pilar da Política Agrícola Comum, que enfatiza essencialmente as questões do desenvolvimento rural e o papel da agricultura enquanto actividade com funções ambientais e sociais importantes, ao nível por exemplo da manutenção de comunidades rurais (atenuando a migração rural-urbana), contrasta com o primeiro pilar da Política Agrícola Comum, mais vocacionado para o suporte à produção que permite manter a competitividade comercial dos produtos europeus. Se a Política Agrícola Comum, e a política regional e de coesão da União Europeia, têm desempenhado um papel importante na redução da migração rural-urbana dentro de Portugal, o primeiro pilar da Política Agrícola Comum, juntamente com a política agrícola Norte-Americana, e outros factores ligados à condução do processo de integração do comércio internacional, não tem contribuído para a redução da migração rural-urbana internacional, que tem levado ao aumento dos fluxos migratórios para Portugal.

A Política Regional e de Coesão Europeia em perspectiva histórica

É neste contexto de tendência para os desequilíbrios regionais que se torna necessária a adopção de uma política regional que de algum modo contrabalance estes efeitos. Diversas teorias defendem que existe uma tendência para o auto-equilíbrio, devido à migração do capital para as zonas de mais baixos salarios, e da migração dos trabalhadores para as regiões de maiores salarios. Todavia, a existência de economias de aglomeração, e de escala, leva a que haja diferenciais significativos entre o crescimento de diversas regiões, que foram vistos anteriormente. Tal facto leva à intervenção pública, e ao desenho de políticas regionais, no sentido de contrabalançar as tendências que vão no sentido do desequilíbrio regional.

A política regional europeia foi sendo desenhada e construída juntamente com a evolução da União Europeia. No Preâmbulo do Tratado de Roma (em 1957) existia já referência à redução das desigualdades entre regiões (se bem que a necessidade de uma política coordenada para combater os desequilíbrios regionais será reconhecida pela Comissão em relatório apenas em 1964), e em 1958 criam-se dois fundos estruturais: o Fundo Social Europeu (FSE), centrado na formação profissional, e o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), voltado para a modernização da agricultura, nomeadamente o melhoramento das condições de produção e comercialização dos produtos agrícolas.

As sucessivas reformas da política agrícola levaram à substituição da componente de orientação do FEOGA pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER). Dentro da Política Agrícola Comum (PAC), podemos distinguir o chamado primeiro pilar da PAC, voltado para o apoio à produção agrícola, e o segundo pilar da PAC, voltado para o desenvolvimento rural, que como foi visto, têm diferentes impactos na questão do desenvolvimento regional.

A questão do desenvolvimento rural está intimamente relacionada com a questão do desenvolvimento regional. Mas a política regional preocupa-se não apenas com o desenvolvimento rural, mas também com as zonas industriais em crise ou com a pobreza urbana (e não apenas com a pobreza rural). A questão do desenvolvimento regional é tratada de um modo mais geral no contexto do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), que surge em 1975 (no contexto da adesão de 1973 do Reino Unido, Irlanda e Dinamarca) com o objectivo de apoiar as regiões menos desenvolvidas através da redistribuição das contribuições dos Estados Membros.

Surge posteriormente, em 1993, após o Tratado de Maastricht em 1992 (que consagra a política de coesão como princípio fundamental da União Europeia, juntamente com a União Económica e Monetária), o Fundo de Coesão, vocacionado para as questões do ambiente e das infra-estruturas de transporte, e dirigido apenas a países com menor nível de PNB per capita do que a média europeia. Este Fundo vinha já desenhando-se desde o Acto Único Europeu de 1986 (que surge no contexto das adesões de Portugal e Espanha, e pouco depois da adesão da Grécia), com o pacote Delors I, no contexto do primeiro Quadro Comunitário de Apoio, em vigor entre 1989 e 1993, a apoiar já a coesão com 68 mil milhões de ECU (preços de 1997), verificando-se um aumento para 177 mil milhões (novamente a preços de 1997) no Pacote Delors II, no contexto do segundo Quadro Comunitário de Apoio, em vigor entre 1994 e 1999.

O terceiro Quadro Comunitário de Apoio, entre 2000 e 2006, surge no contexto da decisão do alargamento da União Europeia a mais 10 países (que foi concretizada em Maio de 2004). Neste terceiro Quadro Comunitário de Apoio, a Política de Coesão recebe 213 mil milhões de euros (a preços de 1999), sendo que no actual quadro comunitário, o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), que tem lugar entre 2007 e 2013, o montante dos diversos Estados-Membros será de 308 mil milhões de euros (a preços de 2004), deslocando-se o centro de gravidade da política regional para os países de Leste, que surgem na União Europeia no contexto do alargamento de Maio 2004.

Assim, ao longo do tempo, os Fundos Estruturais dividem-se entre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), que tem o objectivo de apoiar as regiões menos desenvolvidas através da redistribuição das contribuições dos Estados Membros, o Fundo Social Europeu (FSE), centrado na formação profissional, o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), na sua componente de orientação, voltado para a modernização da agricultura, nomeadamente o melhoramento das condições de produção e comercialização dos produtos agrícolas, e o Instrumento Financeiro de Orientação das Pescas (IFOP) que, como o nome indica, surge para o apoio ao desenvolvimento do sector piscatório, dando posteriormente lugar ao Fundo Europeu das Pescas (FEP). O Fundo de Coesão, por sua vez, centra-se no apoio a projectos nas áreas ambientais e de transportes.

Para além destes fundos, contribuem também para o desenvolvimento regional as iniciativas comunitárias, como o programa INTERREG, vocacionado para o apoio à cooperação inter-regional e transfronteiriça, o programa URBAN, que se destina às zonas urbanas, o programa LEADER, que foca o desenvolvimento rural sustentável, e o programa EQUAL, que contribui para igualdade no mercado de trabalho.

Entre 2007-2013 o URBAN II e o EQUAL são integrados nos objectivos da convergência e da competitividade regional e do emprego, enquanto o LEADER+ e o FEOGA incorporam-se no FEADER. A aplicação destes diversos instrumentos em Portugal é enquadrada pelo Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), estando neste momento em curso o QREN referente ao período 2007-2013.

A aplicação da política regional e de coesão em Portugal e na Europa

É no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) que se define o apoio às várias regiões Portuguesas. O apoio às várias regiões centra-se em diversos objectivos. O objectivo primordial é o objectivo 1 (que a partir de 2007 passa a ser designado como objectivo convergência) que se centra nas regiões menos desenvolvidas. A maioria das regiões Portuguesas encontram-se abrangidas pelos critérios que definem uma região menos desenvolvida, e estão portanto abrangidas pelo objectivo 1.

Entre 2000 e 2006, no terceiro Quadro Comunitário de Apoio, a região da Grande Lisboa, juntamente com as regiões circundantes do Oeste e da Península de Setúbal, e também as regiões do Médio Tejo e da Lezíria do Tejo, já deixavam de ser elegíveis para os fundos relativos ao objectivo 1. Mas exceptuando estas 5 regiões, todas as restantes 25 regiões Portuguesas (num total de 30) eram ainda regiões de objectivo 1.

Já entre 2007 e 2013, no actual Quadro Comunitário de Apoio (ou QREN), as regiões do Médio Tejo, do Oeste, e da Lezíria do Tejo, voltaram a ser regiões de objectivo 1 (que no contexto deste quadro comunitário é agora designado por objectivo convergência), enquanto as regiões da Madeira e do Algarve abandonaram o estatuto de regiões de objectivo 1 (ou de objectivo convergência), juntando-se às regiões da Grande Lisboa, e da Península de Setúbal, se bem que estas duas últimas estão agora num patamar diferente, relativo ao agora designado objectivo competitividade.

Assim, passamos a ter no novo quadro comunitário, entre as 30 regiões portuguesas, 26 regiões no objectivo 1 (agora designado objectivo convergência), que abarca as regiões a necessitar de mais apoio. O elevado número de regiões abrangidas pelo objectivo 1 (ou de convergência) significa que Portugal é um dos países que mais beneficia da política regional e de coesão. Esta é de facto uma tendência que já se verifica desde a adesão de Portugal à União Europeia (então designada por Comunidade Económica Europeia).

Efectivamente, segundo dados da Comissão Europeia (2008), os maiores beneficiários dos fundos estruturais entre 1989 e 1993, durante o primeiro Quadro Comunitário de Apoio são a Espanha, Itália, Portugal e Grécia, por esta ordem. Este apoio às regiões de países mediterrânicos como Espanha, Itália, Grécia e Portugal (que não estando, em rigor, em contacto com o Mar Mediterrânico, está no entanto muito próximo), reflecte também a preocupação com a integração de países que tinham aderido recentemente à União Europeia, então designada Comunidade Económica Europeia, como a Grécia (com adesão em 1984), Espanha e Portugal (com adesão em 1986).

Já entre 1994 e 1999, durante o segundo Quadro Comunitário de Apoio, e segundo os mesmos dados da Comissão Europeia (2008), os maiores beneficiários dos fundos estruturais foram a Espanha, Alemanha, Itália, Portugal, Grécia e França, por esta ordem. Entre 2000 e 2006, durante o terceiro Quadro Comunitário de Apoio, e segundo os mesmos dados da Comissão Europeia (2008), os maiores beneficiários dos fundos estruturais foram a Espanha, Alemanha, Itália, Grécia, Portugal, Reino Unido e França, por esta ordem.

Durante o actual quadro comunitário (o QREN), entre 2007 e 2013, e segundo os dados da Comissão Europeia (2008), os maiores beneficiário foram Polónia, Espanha, Itália, República Checa, Alemanha, Hungria, Portugal e Grécia, por esta ordem. O alargamento a Leste da União Europeia, em 2004, traz assim uma reconfiguração da distribuição dos fundos estruturais, surgindo regiões de países de Leste, do alargamento de 2004, a receber uma grande fatia dos fundos estruturais.

Podemos todavia verificar que Portugal mantém-se consistentemente entre os países que mais beneficiam da política regional e de coesão, facto que está relacionado com a existência de um grande número de regiões dentro do chamado objectivo 1 (ou de convergência), à semelhança do que ocorre por exemplo com a nossa vizinha Espanha.

Desafios futuros da política regional e de coesão

Os objectivos da política regional e de coesão europeia são a correcção dos desequilíbrios regionais, de modo a promover a coesão territorial tanto em termos económicos como em termos sociais, com vista à recuperação das regiões mais atrasadas. Para tal, existem diversos princípios operacionais, como: a programação plurianual do desenvolvimento, consubstanciada nos Quadros Comunitários de Apoio; a cooperação entre a Comissão Europeia e as autoridades competentes de cada Estado-Membro a nível regional e a nível local; a complementaridade, que significa que a política regional e de coesão europeia deve complementar, e não substituir a política regional de cada Estado-Membro; sendo que para que tal ocorra é necessário também o princípio da subsidiariedade, segundo qual as entidades superiores só deverão actuar quando uma entidade numa instância inferior não conseguir atingir um determinado objectivo (por exemplo, a Comissão Europeia não deverá intervir quando for possível a uma entidade local, regional ou nacional, atingir o objectivo).

O sucesso da aplicação destes princípios depende naturalmente da coordenação entre a política regional, e outras políticas que são fundamentais para o desenvolvimento regional. Uma delas é a política agrícola, pois muitas das regiões menos desenvolvidas da União Europeia são regiões predominantemente agrícolas. Conforme explicado em Avillez et al. (2004), a agricultura pode ser vista em termos do seu impacto comercial, rural e ambiental, impactos estes que são fundamentais na generalidade das regiões menos desenvolvidas.

No que diz respeito ao impacto rural, há que ter em conta o impacto da agricultura ao construir laços sociais e uma base de apoio em comunidades de regiões menos desenvolvidas. Além disso, muitas destas regiões beneficiam fundamentalmente do turismo, que por sua vez pode beneficiar do impacto ambiental da agricultura. No que concerne o impacto comercial, há que ter em conta o impacto económico da agricultura na região, que depende da sua competitividade.

Nesta questão do impacto económico, tem havido uma tendência para uma cada vez maior apropriação do valor produzido em regiões menos desenvolvidas por empresas multinacionais ou transnacionais exteriores à região, que tornando-se monopsonistas ou quase monopsonistas (isto é, sendo o único ou um dos únicos compradores de um dado produto agrícola numa dada região) num contexto em que existem múltiplos produtores, geram uma pressão no sentido da redução do preço pago ao produtor, extraindo assim muito valor da região.

A pressão do comércio internacional e do processo de globalização tem contribuído para que as várias reformas da Política Agrícola Comum sejam pressionadas pela tentativa de liberalizar os mercados agrícolas, como explicado em Cunha (2004). A reforma da Política Agrícola Comum de 1992, por exemplo, foi fortemente condicionada pelas pressões da Organização Mundial do Comércio que tinha emergido recentemente, e pelos Estados Unidos, sendo que ajustamentos posteriores, como o desligamento das ajudas face à produção, foram essencialmente meios de manter o apoio à agricultura europeia sem desrespeitar os compromissos assumidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio, conforme explicado em Cunha (2004).

Esta liberalização, que à primeira vista parece uma tentativa de aumentar o grau de concorrência internacional, acaba por resultar numa redução da concorrência, devido ao controlo que algumas empresas de dimensão internacional adquirem sobre todo o processo, o que constitui um sério impedimento ao desenvolvimento regional, como iremos ver no próximo número da Agrotec.

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