Influência das condições de armazenamento na vida útil de cogumelos pleurotos (Pleurotus ostreatus (Jacq. ex Fr.) P.Kumm.)

Influência das condições de armazenamento na vida útil de cogumelos pleurotos (Pleurotus ostreatus (Jacq. ex Fr.) P.Kumm.)

Por: Sílvia Azevedoa / Luís Miguel Cunhaa,b,*/ Susana Caldas Fonsecab, c

a DGAOT, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto / b REQUIMTE, Universidade do Porto / c Escola Superior de Tecnologia e Gestão, Instituto Politécnico de Viana do Castelo / * Campus Agrário de Vairão, R. Padre Armando Quintas, 4485-661 Vairão, Portugal / Tel +351-252 660 400; Fax +351-252 660 760

 

PLEUROTUS OSTREATUS 

é a designação científica do cogumelo comummente designado por  pleuroto. Em algumas zonas do país  é conhecido como repolga. É um  produto muito apreciado, não só  pela sua versatilidade gastronómica,  mas também pela sua composição  química. Existem diversos estudos  internacionais que comprovam o  valor nutritivo dos pleurotos. São considerados uma excelente fonte  de proteína, de aminoácidos essen-ciais e de fibra. Possuem ainda um  baixo valor calórico, dado o elevado  teor de água e um teor de lípidos  residual, e contribuem positiva-mente para o aporte de vitaminas e  minerais na dieta. Utilizado desde  tempos ancestrais como produ-to medicinal na cultura oriental,  esta espécie de cogumelo parece  ter, entre outros efeitos benéficos,  importantes efeitos antioxidantes.  Assim, para além de apresentarem  um excelente sabor, o consumo de  pleurotus de qualidade pode trazer potenciais benefícios para a dieta do consumidor no âmbito de uma  alimentação variada. 

Dos vários géneros de cogumelos utilizados na alimentação humana, os da espécie Pleurotus ostreatus ((Jacq. ex Fr.) P.Kumm.) destacam-se pelo seu aroma suave e textura aveludada e têm vindo a tornar-se cada vez mais populares entre os consumidores. Para além da versatilidade em termos gastronómicos, os cogumelos desta espécie possuem um excelente valor nutritivo, ao apresentarem teores elevados de fibra e proteína de elevado valor biológico. São ainda muito ricos em vitaminas dos complexos B e C, sais minerais, e compostos antioxidantes com inúmeros benefícios em termos de uma dieta saudável [1, 2, 3]. 

Por serem fungos, os cogumelos apresentam algumas particularidades no que se refere ao seu armazenamento, quando comparados com outros produtos hortícolas. Ao contrário das plantas, os cogumelos não possuem tecidos específicos que constituam uma barreira à perda de água e à deterioração microbiológica [4], estando, desde logo, mais sujeitos a perdas rápidas da qualidade. Resumidamente, os pleurotos são caraterizados por apresentarem elevadas taxas respiratórias [5] e de transpiração. Como resultado deste elevado metabolismo, ocorrem perdas de massa acentuadas, alterações de cor e textura, com depreciação global da qualidade e efeitos negativos quer para produtores, quer para consumidores [4]. 

À temperatura ambiente, as perdas de qualidade podem ocorrer quase de imediato [6, 7], sendo  que  em  condições  óptimas  de  armazenamento  os  pleurotos  frescos poderão  apresentar-se  adequados para  consumo  após  96  horas  [8]. 

Estas perdas rápidas de qualidade limitam a vida útil e dificultam a comercialização do produto enquanto produto fresco [9]. A melhor forma de garantir a qualidade global do cogumelo é através da refrigeração do produto imediatamente após a colheita e subsequente manutenção a baixas temperaturas e a humidades relativas elevadas. 

Contudo, nem sempre é possível manter a temperatura baixa ao longo da cadeia de distribuição, podendo ocorrer com frequência a exposição do produto a temperaturas demasiado elevadas, o que facilita o agravamento das perdas pós-colheita [10]. Como complemento às técnicas de refrigeração, existem outras tecnologias, tais como a atmosfera modificada, as quais permitem um importante aumento na vida pós-colheita dos pleurotos [11].

A natureza particularmente sensível e perecível do cogumelo, a sua importância económica, assim como o interesse no aumento da sua vida útil impulsionam a necessidade de analisar e selecionar as melhores técnicas de armazenamento para a manutenção do produto fresco. 

Neste contexto, o conhecimento e análise do metabolismo do produto (p. ex., pela medição das taxas respiratória e de transpiração) e a influência que as condições de armazenamento possuem no metabolismo e na qualidade em geral, poderá revelar quais as condições de armazenamento necessárias para optimizar a retenção da qualidade, acrescentando valor ao produto. O presente trabalho teve como objectivo principal o estudo do efeito da temperatura de armazenamento na retenção de atributos de qualidade de Pleurotus ostreatus frescos.

 

Material e métodos

Para o efeito, foram utilizados cogumelos produzidos em Modo de Produção Biológico, sobre substrato de palha, os quais foram colhidos em cacho, imediatamente pré-refrigerados e transportados para o laboratório. Após o arrefecimento, os cogumelos foram destacados do cacho e separados de acordo com a cor, dimensão e grau de maturação. Para avaliar as alterações metabólicas e da qualidade dos cogumelos, foram analisados os seguintes parâmetros: 

 

1.ª taxa respiratória (mL.kg-1.h-1); 

2.ª cor da superfície superior; 

3.ª teor em sólidos solúveis totais (SST, ºBrix) e iv) 

4.ª perda de massa (PM, %).

 

As taxas respiratórias (RO2) foram determinadas por balanço mássico simples, considerando a diferença dos valores de concentração de O2 num determinado intervalo.  A concentração de O2 foi determinada com um analisador de gases (Checkmate 9100, PBI-Dansensor, Dinamarca) recorrendo ao método de sistema fechado [12, 13], utilizando-se frascos de vidro (1,9 L) estanques, nos quais se colocaram aproximadamente 0,15 kg de cogumelos. Para cada combinação tempo-temperatura utilizaram-se 3 réplicas. A cor da superfície superior do cogumelo foi avaliada utilizando um colorímetro de reflectância (CR 400, Minolta Corp., Osaka, Japão), usando o iluminante C. As medições foram feitas em sistema CIE-L*a*b*, onde L* corresponde à luminosidade, a* ao avermelhamento e b* ao amarelamento. Foram ainda calculados os valores de variação total de cor – TCD = ((L*0-L*)2+(a*0-a*)2+(b*0-b*)2)1/2, e de índice de acastanhamento – BI, calculado de acordo com o descrito por Maskan (2001) [14]. O teor em SST foi medido em ºBrix recorrendo a um refractómetro manual (MR2ATC, Atago, USA). Para cada temperatura, ao longo do armazenamento, a perda de massa (PM, % do peso inicial) foi determinada para 10 cogumelos, por diferença gravimétrica. A análise dos resultados experimentais foi efectuada com o aplicativo SPSS for Windows v.16.0, por aplicação de análise de variância (ANOVA a dois factores com interacção), apresentando a temperatura e o tempo como factores fixos.

 

Resultados e discussão

Os dados experimentais revelaram diferenças significativas (p < 0,05) para todos os atributos qualitativos analisados, quer em função do tempo quer em função da temperatura, com excepção dos SST. 

Os atributos de cor, L*, b*, TCD e BI apresentam aumentos significativos com o tempo, sendo mais marcados a temperaturas mais elevadas, revelando um efeito significativo da interacção sinergética tempo-temperatura. Relativamente aos valores obtidos para TCD os resultados sugerem aumentos lineares com o tempo com um significativo efeito potenciador da temperatura nas alterações globais de cor (ver Figura 1). 

  

 

Figura 1. Evolução da variação total de cor - TCD (média ± IC a 95%) de cogumelos armazenados a diferentes temperaturas. As linhas a tracejado representam a recta ajustada aos pontos experimentais.  

 

A cor influencia o aspecto geral do produto e é um dos primeiros atributos utilizados pelos consumidores para avaliar a qualidade dos produtos frescos [6]. 

A degradação desta espécie de cogumelos é caracterizada por um escurecimento global, o qual se apresenta mais acentuado a temperaturas mais elevadas. Um dos aspectos mais marcantes foi a elevada perda de massa observada para as condições testadas. No final das 96 horas de armazenamento, a perda de massa foi elevada, para os cogumelos conservados a temperaturas superiores a 10 ºC. Nessas condições, verificou-se que a perda de massa às 24 h de armazenamento foi da ordem dos 10%, ou superior. 

Tal como ocorre para uma grande parte dos produtos hortofrutícolas, perdas de massa de tal ordem inviabilizam a comercialização do produto. Na tentativa de prever as perdas de massa de pleurotos em diferentes condições ambientais, verificou-se que a perda de massa seguiu um aumento exponencial com o tempo (ver Figura 2A), com a dependência da constante reaccional (kT, h-1) face à temperatura de armazenamento descrita por uma equação do tipo Arrhenius (ver Figura 2B). 

 

 

Figura 2.
a) Perda de massa (média ± IC a 95%) dos cogumelos em função do tempo e da temperatura de armazenamento. As linhas tracejadas representam o modelo exponencial (PM = Exp{kT*tempo}) que melhor se ajusta. 
b) Representação da constante reaccional (kT) em função da temperatura absoluta. A linha a tracejado representa o ajuste do modelo de Arrehnius (kT = k0*Exp{-Ea/(R*T)}).  

 

Estes resultados expressam bem a importância do controlo da temperatura para uma melhor conservação do cogumelo e realçam também a importância do controlo da humidade relativa durante o armazenamento deste produto. A taxa respiratória, expressa pela variação da quantidade de O2 presente no espaço livre da embalagem, dá-nos uma indicação da taxa de consumo de O2, (RO2, mL.kg-1.h-1) e encontra-se representada na Figura 3. De acordo com os resultados obtidos, verifica-se uma diminuição acentuada da taxa respiratória 24 h após o corte dos cogumelos, independentemente da temperatura. Após esse período, as taxas respiratórias aparentam estabilizar, permanecendo contudo elevadas e marcadamente dependentes da temperatura, A temperatura apresenta um efeito significativo na taxa respiratória do produto, dado que a mesma se apresenta genericamente mais elevada para temperaturas de armazenamento mais elevadas.

 

 

Figura 3. Evolução da taxa respiratória, RO2 (mL.kg-1.h-1) (média ± erro padrão) de cogumelos Pleurotus ostreatus armazenados a diferentes temperaturas.  

 

Conclusão

O produto que chega ao consumidor é reflexo não só das condições culturais adotadas durante a produção como também das condições de acondicionamento, transporte e armazenamento do produto. Neste contexto, dada a sua composição e o interesse geral por produtos frescos e saudáveis, a fase do pós-colheita de Pleurotus ostreatus assume então particular importância relativamente à qualidade do produto a ser consumido.

Os resultados do ensaio reforçam a importância da utilização de temperaturas baixas no armazenamento dos cogumelos Pleurotus ostreatus, com vista à maximização da retenção da qualidade global do produto. O armazenamento a 2 ºC demonstrou ser o mais eficiente no que se refere à manutenção da cor e à diminuição da actividade metabólica do produto. Nas condições testadas, verifica-se que 2 ºC será então a temperatura ideal para prolongar a vida-útil deste produto, mantendo a qualidade aceitável e acrescentando valor a um produto que por si já possui um excelente valor de mercado. 

Considerando ainda as elevadas perdas de massa do produto, será também fundamental considerar e quantificar a influência da humidade relativa da atmosfera circundante do produto na perda de massa, na qualidade e na vida-útil do mesmo. ¦ 

 

Agradecimentos

A autora S. Azevedo agradece à Fundação para a Ciência e a Tecnologia o apoio financeiro atribuído no âmbito do projecto de Doutoramento SFRH/BD/38577/2007.

 

Referências

[1] Mattila, P., Konko, K., Eurola, M., Pihlava, J.-M., Astola, J., Vahteristo, L., Hietaniemi, V., Kumpulainen, J., Valtonen, M., Piironen, V. 2001. "Contents of Vitamins, Mineral Elements, and some Phenolic Compounds in Cultivated Mushrooms." Journal of Agricultural and Food Chemistry. 49: 2343-2348.

[2] Lindequist, U., Niedermeyer, T. H. J., Julich, W.-D. 2005. "The Pharmacological Potential of Mushrooms." eCAM 2: 25-299.

[3] Manzi, P., Gambelli, L., Marconi, S., Vivanti, V., Pizzoferrato, L. 1999. "Nutrients in Edible Mushrooms: an Inter-species Comparative Study." Food Chemistry 65: 477-482.

[4] Sapata, M.M., Ramos, A.C; Ferreira, A; Andrade, L.; Candeias, M. 2010. “Processamento Mínimo de Cogumelos do Género Pleurotus.” Rev. de Ciências Agrárias. 33 (2): 15-26.

[5] Villaescusa, R., Gil, M. I. 2003. "Quality Improvement of Pleurotus Mushrooms by Modified Atmosphere Packaging and Moisture Absorbers." Postharvest Biology & Technology 28: 169.

[6] Lopez-Briones, G., Varoquaux, P., Bureau, G., Pascat, B. 1993. "Modified Atmosphere Packaging of Common Mushroom." International Journal of Food Science & Technology. 28: 57-68.

[7] Tano, K. and Arul, J. 1999. "Atmospheric Composition and Quality of Fresh Mushrooms in Modified Atmosphere Packages." Journal of Food Science. 64: 1073.

[8] Azevedo, S., Cunha, L.M., Amaral, C., Fonseca, S.C. 2009. “Influência do Tempo e da Temperatura de Armazenamento em Atributos da Qualidade de Cogumelos do Género Pleurotus (Pleurotus Ostreatus) Obtidos em Modo de Produção Biológico.” Actas do 9.º Encontro de Química dos Alimentos, 28 Abril a 2 Maio 2009, Angra do Heroísmo, Portugal.

[9] Antmann, G., Ares, G., Lema, P., Lareo, C. 2008. "Influence of Modified Atmosphere Packaging on Sensory Quality of Shiitake Mushrooms." Postharvest Biology and Technology. 49: 164-170.

[10] Paull, R. E. 1999. "Effect of Temperature and Relative Humidity on Fresh Commodity Quality." Postharvest Biology and Technology. 15: 263-277.

[11] Sapata, M.M.; Ramos, A.C; Candeias, M. 2004. “Efeito Combinado da Embalagem em Atmosfera Modificada e da Humidade na Conservação de Pleurotus Sajor-caju.” IV Simpósio Ibérico - I Nacional - VII Espanhol - Maturação e Pós-Colheita 2004, Oeiras: 255-259.

[12] Cameron, A.C., Boylan-Pett, W., Lee, J. 1989. “Design of Modified Atmosphere Packaging Systems: Modelling Oxygen Concentrations within Sealed Packages of Tomato Fruits.” Journal of Food Science, 54(6), 1413-1416.

[13] Song, Y., Vorsa, N. e Yam, K.L. 2002. "Modelling Respiration-transpiration in a Modified Atmosphere Packaging System Containing Blueberry." Journal of Food Engineering 53(2): 103-109.

[14] Maskan, M. 2001, “Kinetics of Colour Change of Kiwifruits during Hot Air and Microwave Drying.” Journal of Food Engineering 48: 169-175.

 

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