Gestão da Rega do Trigo

Por: Luís Boteta, Técnico do Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio – Quinta da Saúde, Apartado 354, 7801-904 Beja

A cultura do trigo possui uma relativa tolerância à deficiência hídrica quando comparada a outras culturas, devido à sua maior eficiência no uso da água, consequência de ser originária de regiões semiáridas.

No entanto, a produção do trigo aumenta consideravelmente quando recebe complementos hídricos à precipitação, especialmente em zonas e anos de fraca e/ou má distribuição da pluviometria em que o êxito da cultura depende da disponibilidade de efetuar regas de complemento. Perante esta situação e associado aos períodos de seca cada vez mais longos que se têm registado e à superfície de regadio que tem aumentado significativamente nos últimos anos, contribuem para o aumento da procura de água pela agricultura, que a par de outros utilizadores, como o saneamento básico e a indústria, acarreta implicações num uso racional cada vez maior deste bem precioso e caro que representa este fator de produção.

Assim torna-se imperioso a melhoria do uso e gestão da água de rega, tendo como objetivo aumentar a disponibilidade de água para mais regadios, aumentar a produtividade da água e diminuir o impacte ambiental negativo associado à rega, facto este que está espelhado no PRODER, o qual refere que as áreas de regadio deverão garantir a sustentabilidade ambiental de forma integrada, e mais eficiente, com minimização dos impactes, com a monitorização da qualidade da água e do seu consumo e promoção das boas práticas agrícolas.

Para atingir estes objetivos é fundamental ter em consideração vários parâmetros tais como o ciclo da cultura e a influência do défice nos vários estados fenológicos, conhecimento da capacidade de armazenamento de água dos solos, informação agrometeorológica, sistemas de monitorização da disponibilidade de água no solo e sistemas de rega eficientes (Figura 1). O grau de precisão aumenta quando maior for o número de parâmetros controlados, mas todos nós sabemos que na prática nem sempre é possível dispor de todos os meios de monitorização.

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Considerando o ciclo da cultura (Figura 2) identificam-se três fases fundamentais a ter em consideração na gestão da rega do trigo:

  • Quando as plantas têm cerca de 15 cm de altura, que coincide com o final do afilhamento e o início do encanamento. Neste período é determinado o número total de espigas e número de sementes potenciais por espiga;
  • No final do desenvolvimento da espiga ou no início da floração, um défice de água irá reduzir significativamente o número de sementes por espiga;
  • No período de formação das sementes quando um défice de água combinado com ventos quentes e secos origina um enchimento do grão incompleto e uma produção de baixa qualidade com grãos engelhados.

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Tendo em consideração a distribuição da precipitação ao longo de um ano hidrológico “normal”, a decisão de efetuar regas pode estar associado só a partir da fase final do desenvolvimento da espiga. No entanto esta decisão está sempre relacionada com a capacidade de armazenamento de água pelo solo e à sua espessura efetiva explorada pelo sistema radicular da cultura, e também por outros fatores associados à estratégia do produtor, tal como a disponibilidade de água e gestão da aplicação de nutrientes.

Atualmente é possível monitorizar, com algum grau de precisão e em tempo real, a evolução da disponibilidade de água para a cultura bem como as camadas de solo onde o sistema radicular está a fazer a extração de água, permitindo ultrapassar uma das dificuldades da gestão adequada da rega que é determinar o momento e a quantidade de água que deverá ser aplicada.

Há vários métodos de medida do consumo diário de água, assim como indicadores do défice hídrico, mas cada um apresenta o seu grau de dificuldade de uso no campo, que, por vezes pela sua elevada complexidade, leva a que o utilizador abdique de efetuar qualquer tipo de monitorização da rega. Perante estes problemas, e tendo em consideração a importância atual da gestão da água na agricultura nacional, o COTR tem vindo a desenvolver trabalho para poder dar algum apoio nas melhores técnicas de monitorização de forma a otimizar a água de rega, fornecendo informação sobre as necessidades em água e sobre a instalação e interpretação de resultados de equipamentos de monitorização para apoio à gestão da rega.

De acordo com a experiencia do COTR quer na aplicação quer na recetividade por parte dos agricultores, os sistemas de monitorização devem ser de registo continuo, ou seja, com um sistema de aquisição, armazenamento e transmissão de dados para um servidor que possibilite a visualização online a partir de uma ligação de internet. Os equipamentos mais comuns são sondas tipo capacitivas que são colocadas em tubos de acesso enterrados no solo (Figura 3), onde monitorizam a evolução da humidade a vários níveis de profundidade de acordo com a interação solo e sistema radicular da cultura.

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Sendo o trigo uma planta cujo sistema radicular tem grande potencial de desenvolvimento, é desejável que o solo seja profundo. Solos delgados dificultam o desenvolvimento das raízes e possuem menor capacidade de armazenamento de água, estando sujeitos a um esgotamento mais rápido em função da pouca espessura do perfil. A nossa experiencia tem mostrado que, a maior parte das raízes está nos primeiros 30/40 cm de solo, e as demais raízes raramente ultrapassam 60/70 cm, no entanto, há informações de raízes ultrapassando a profundidade de 100 cm.

Para as nossas condições a maioria dos solos apresentam uma profundidade efetiva que não vai para além dos 50/60 cm de profundidade, ou seja, podemos considerar que as raízes podem penetrar livremente até esta profundidade em busca de água e de elementos necessários para o desenvolvimento da planta. Assim considera-se que a disposição dos níveis de monitorização com os sensores de humidade seja importante na zona de maior absorção, que vai até aos 40 cm de profundidade e também garantir sempre a existência de um sensor no limite da profundidade efetiva, que permita acautelar que as dotações de rega não ultrapassem esta profundidade.

Com o domínio destes parâmetros e com a monitorização de água no solo podemos responder claramente a uma das questões mais pertinentes na altura de efetuar uma rega nesta cultura: – Qual a dotação a aplicar numa só rega? – a dotação de rega deve repor os níveis de humidade até onde se observa a extração de água pelo sistema radicular do trigo, permitindo efetuar o mínimo numero de eventos e naturalmente alcançando um patamar de eficiência mais elevado. Temos que ter em atenção que em solos com maior declive e menor capacidade de infiltração, a dotação de rega pode ser limitada em função do risco de escorrimento superficial.

Na Figura 4 e 5 apresenta-se um exemplo do acompanhamento da disponibilidade de água no solo de uma parcela na campanha de 2011/2012 e 2012/2013, que em termos da quantidade e distribuição da precipitação foram anos totalmente distintos. No primeiro caso (Figura 4) a precipitação foi muito reduzida no período do inverno, com um registo total de 26 mm entre o início do mês de dezembro a 29 de março.

Com o aumento das temperaturas do ar no mês de março associado à fase de crescimento vegetativo, houve um decréscimo rápido da disponibilidade de água no solo com o esgotamento da reserva de água facilmente utilizável (faixa verde) onde o sistema radicular da cultura teve necessidade de extrair água nas camadas mais profundas. A disponibilidade de água para rega na exploração não era suficiente para inverter esta situação, mas os dois eventos de precipitação ocorridas no final de março e abril correspondentes a dois períodos críticos (inicio do espigamento e na fase de grão leitoso), possibilitaram a recuperação dos níveis de humidade no solo para uma zona de conforto hídrico, obtendo-se um bom resultado final na produção de grão.

Já na campanha de 2012/2013 é evidente que até ao inicio de abril a precipitação ocorrida permitiu manter os solos na sua capacidade máxima de armazenamento de água (Figura 5), mas a partir de abril com a ausência de precipitação e aumento da temperatura do ar, houve um decréscimo abrupto das reservas de água no solo, mais acentuado como é obvio em solos de baixa capacidade utilizável, que só com recurso à rega foi possível travar este decréscimo como é exemplo na parcela monitorizada. A má distribuição da precipitação  para muitas searas de sequeiro foi fatal, uma vez que a maioria dos campos apresentavam um grande desenvolvimento vegetativo e o esgotamento da reserva de água no solo nas duas últimas fases críticas do ciclo foi bastante penalizador para a produção final.

Estes dois exemplos permitem mostrar a importância da monitorização da água no solo na decisão da gestão da rega e, por outro lado, mostrar que a disponibilidade de água em fases críticas do ciclo são fundamentais para o sucesso da cultura.

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De acordo com o esquema da Figura 1, na ausência de sistemas de monitorização de água no solo para condução da rega, ou em complemento com estes, pode-se estimar as necessidades hídricas do trigo com base em informação agrometeorológica. Como exemplo podemos seguir o serviço desenvolvido pelo COTR, baseada no – Sistema Agrometeorológico para a Gestão da Rega no Alentejo – SAGRA – sistema constituído por uma rede de 14 estações meteorológicas automáticas – EMA’s, através do qual se assegura, diariamente, a recolha, tratamento, qualidade e divulgação dos dados meteorológicos através do serviço SAGRA-net, disponível no site do COTR. Paralelamente à disponibilização dos dados meteorológicos foram criadas diferentes plataformas que possibilitam apoiar a programação da rega, com dois níveis de informação, o primeiro com a informação sobre as necessidades hídricas do trigo (ETc), com atualização semanal em www.cotr.pt/sagra.asp, de acordo com a metodologia recomendada pela FAO (Allen et al., 1998), devendo o produtor fornecer, sob a forma de rega, a diferença entre a evapotranspiração da cultura (ETc) e a precipitação efetiva, não tendo em consideração a água disponível do solo e considerando que não há necessidade de lavagem do solo.

O segundo nível de informação que permite, de uma forma individualizada, via Internet, com base na metodologia anterior mas entrando em consideração com as características físicas do solo e do sistema de rega é possível fazer a gestão da rega em tempo real através do serviço de apoio à decisão - MOGRA (Modelo para a Gestão da Rega no Alentejo) (Figura 6), em http://www.cotr.pt/mogra.asp/

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De acordo com os modelos estima-se que, em média (2005-2012) para Beja, as necessidades hídricas do trigo são de 3460 m3/ha de água, sendo as necessidades de rega variáveis em função da distribuição da precipitação e capacidade de armazenamento de água no solo

Para além destas ferramentas, foi sempre uma das preocupações do COTR o desenvolvimento/divulgação de novas tecnologias para aumentar a eficácia dos Serviços de Apoio Técnico ao Regante. Assim, propôs-se através do desenvolvimento de projetos, fazer aplicação da metodologia de gestão da rega concebida no âmbito do projeto europeu DEMETER (Calera et al., 2005) e criar um serviço de avisos de rega baseado em técnicas de observação da Terra por satélite e tecnologias de comunicação (Figura 7). A plataforma Web SPIDER (http://www.cotr.pt/informacao/spider/) permite ao utilizador aceder, de uma forma personalizada, em tempo quase real, à informação da sua cultura de uma determinada parcela, num formulário numérico, gráfico ou através de imagem e assim, ajudar o gestor da rega a conhecer o real consumo de água, os pontos de estrangulamento, as zonas de baixa uniformidade, e consequentemente, prever as consequências e desencadear mecanismos corretores em plena campanha de rega que minimizem os impactes negativos criados.

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Para que todas as interpretações, recomendações e ferramentas possam ter uma utilidade efetiva é fundamental que seja garantido o bom desempenho do sistema de rega. Para isso existem metodologias que permite verificar a uniformidade de distribuição e a eficiência de aplicação dos sistemas de rega. O COTR dispõe de um serviço, que inicialmente apresentou uma resistência relativamente forte por parte dos gestores da rega, que consideravam que, pelo facto dos equipamentos instalados (pivots), serem de alta tecnologia, funcionavam bem, mas gradualmente foi-se tomando conhecimento da valia deste serviço e começaram a aderir, sendo hoje o serviço com maior apetência prestado pelo COTR.

Com este serviço é feita a avaliação do desempenho dos sistemas de rega e de bombagem instalados, e comparado o seu desempenho com situações padrão. Com este trabalho tenta-se, simultaneamente, passar informação técnica que permita aos utilizadores dos mesmos ganharem competência sobre as tecnologias que manejam, e assim, poderem atingir patamares de desempenho mais consentâneos com as potencialidades instaladas. No final de cada avaliação, em que o agricultor tem que estar obrigatoriamente presente, é emitido um relatório do tipo do apresentado na Figura 8.

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Perante o que foi descrito, fica claro que a maximização do uso racional da água na gestão da rega do trigo passa pelo conhecimento/monitorização de vários parâmetros, que permitem uma aplicação de água otimizada face às necessidades em função dos seus estádios fenológicos, no sentido de otimizar a eficiência de utilização do recurso água, permitindo a maximização do rendimento do produtor e promovendo o respeito pelo meio ambiente.

Bibliografia:
ALLEN R. G.; SMITH, M., RAES, D.; PEREIRA, L. S.; 1998. Crop evapotranspiration: Guidelines for computing crop requirements. Irrigation and Drainage Paper N° 56. FAO. Roma. 300 pp
CALERA, A. & MARTÍN DE SANTA OLLL, F., 2005. “Uso de la Teledetección e el Seguimiento de los Cultivos de Regadío”. Cap. XIV en: Santa Olalla, López y Calera, (Ed.) “Agua y Agronomía”. Mundiprensa.

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