Florestas: reprogramação do PDR2020 devia «ir mais além do que um mero ajuste financeiro»

Paulo Pimenta de Castro, presidente da direção da Associação de Promoção ao Investimento Florestal (Acréscimo), analisa, em entrevista ao Agronegócios o panorama da floresta nacional, mas também a situação do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020) que, tal como «foi programado enferma do mesmo vício de programas anteriores». «Gostaríamos que a sua reprogramação fosse mais além do que um mero ajuste financeiro, alterando significativamente as medidas de apoio à produção florestal», sustenta o responsável.

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Agronegócios: Com novo Governo em Portugal, que mudanças podemos esperar na área florestal para esta legislatura?

Paulo Pimenta de Castro: Em Portugal tem sido impossível conciliar ciclos político, quadrienais, com os ciclos florestais, de décadas. O caso mais simbólico é o da Lei de Bases da Politica Florestal, que este ano comemora 20 anos, ou seja, apesar dos amplos consensos obtidos no Parlamento sobre questões relacionadas com as florestas, e a Lei foi aprovada por unanimidade, constatam-se depois, no plano executivo, derivações ou mesmo atropelos às decisões do Poder Legislativo. Um responsável do setor, que depois exerceu funções políticas, afirmava em 1996 que o consenso obtido na aprovação da Lei poderia querer dizer uma de duas coisas, ou as florestas e o setor florestal eram assumidamente importante para o País, ou não mereciam sequer quezílias políticas. Passados 20 anos, tudo leva a querer que venceu a segunda. O Partido Socialista (PS) tem, em matéria de política florestal, um histórico estruturante. A Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, resultou de uma iniciativa do Governo presidido pelo Eng. António Guterres. O início da regulamentação da Lei, entre outros exemplos, com a definição da representatividade dos agentes do setor, com os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, decorrente em consolados de Governos do PS. Por outro lado, a maior queda no rendimento empresarial líquido da silvicultura e a concentração desregulada na indústria florestal teve o seu expoente máximo em períodos de governação do PS. De momento, a Secretaria de Estado das Florestas anunciou intenções, parte delas, a mais importante do nosso ponto de vista, não consta no Orçamento do Estado para 2016. Talvez decorram de uma programação plurianual. Todavia, em matéria de politica florestal têm tido predomínio as intenções. As primeiras concretizações não auguram nada de bom, isto a avaliar pelo sinal dado no caso do Conselho Florestal Nacional, que reuniu a 10 de fevereiro 2016, versus Conselho Consultivo Florestal, quanto a nós, um atropelo grosseiro à Lei de Bases. Não é que seja determinante, mas põe em causa a credibilidade das instituições, no caso o Parlamento.

AN: O anúncio da revogação do Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho – ações de arborização e rearborização – feito recentemente pelo ministro da Agricultura, Capoulas Santos, é uma boa notícia, nomeadamente em relação aos que consideram que o anterior Governo investiu na ‘eucaliptalização’ do país?

PPC: A questão é vista por nós no plano meramente político. Este diploma é um instrumento de uma campanha assente no eucalipto. Tal como a campanha do trigo, dos anos 30 do século passado, não se presta a servir a atividade florestal, mas sim interesses a jusante desta. Aliás, a mais-valia da própria espécie está sequestrada por esses interesses, com aval das governações. Por essa razão saudámos a revogação do diploma, mas não basta retomar o passado, há que intervir num mercado onde impera uma concorrência imperfeita.

Gestão de abandono do território

AN: Em matéria de investimento florestal, em que ponto estamos? Quais as áreas e subsetores mais carenciados?

PPC: Digamos que todas as áreas são carenciadas, num país com milhões de hectares em gestão de abandono. Enquanto os riscos assumirem consequências dramáticas, seja ao nível da propagação dos incêndios rurais, seja na proliferação de pragas e doenças, consequências de uma gestão de abandono de parte significativa do território, esta determinada pelas expectativas de rendimento, dificilmente tais carências serão supridas. A não ser invertida esta situação, a alternativa serão mais importações, a crescente sobreexploração das áreas ainda florestadas, a deslocalização de indústrias, isto num país com subaproveitamento do seu território.

AN: As empresas estão a conseguir superar este período difícil de crise económica? De que forma?

PPC: Foquemo-nos na atividade silvícola, meramente nas florestas. Infelizmente, o abandono da gestão tem sido a resposta dominante à crise, e mesmo muito antes desta. Mas, desiludam-se os que pensam que se altera este quadro com a imposição de sanções fiscais, nomeadamente em sede de IMI. O atual funcionamento dos mercados, nas três principais fileiras, em concorrência imperfeita, é já de si a mais importante sanção, mais ainda quando esta situação é protegida pelas várias governações.

paulo castro

Paulo Pimenta de Castro, presidente da Acréscimo

AN: Falando do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020), quais as suas expectativas em matéria de candidaturas por parte das empresas? É uma ferramenta essencial para a promoção do investimento e do crescimento do setor?

PPC: O PDR2020 como foi programado enferma do mesmo vício de programas anteriores. Se se prestar a ser “balão de oxigénio”, continuará a contribuir para o desenvolvimento da “indústria do fogo”. Gostaríamos que a sua reprogramação fosse mais além do que um mero ajuste financeiro, alterando significativamente as medidas de apoio à produção florestal. Temos propostas neste domínio, que contamos poder apresentar brevemente ao Governo. Os anteriores programas, estabelecidos no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC), disponibilizaram às florestas cerca de mil milhões de euros em apoios ao investimento florestal, no mesmo período de tempo, a área florestal portuguesa contraiu, em média anual, cerca de 10 mil hectares. Algo está a funcionar com resultados contrários ao que a Sociedade deseja. Assim, com o programa como foi definido, espero que não hajam muitas candidaturas que não assegurem o retorno esperado através desta aplicação financeira da Sociedade. Em todo o caso, importa ter em conta o essencial: não se pode manter o divórcio entre estes incentivos financeiros ao investimento e o rendimento gerado na atividade silvícola.Esta última tem pesado muito mais nas decisões dos produtores florestais, com os efeitos e consequências que já apontei.

AN: Em novembro de 2015 a Acréscimo citava um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) que indicava que «Portugal é o único país da Europa com perda líquida de área florestal». Os governos, as empresas e o setor, em geral, estão conscientes desta situação? De que forma se pode mitigar o problema?

PPC: Se os Governos e as empresas não estão ainda conscientes, virão a estar num futuro muito próximo, quando a situação passar a ter impacto nas exportações. Torna-se visível, no plano internacional, a insustentabilidade de muito dos produtos de base florestal exportados por Portugal. A mitigação passa pela promoção ao investimento, este está, contudo, condicionado pelo rendimento e pela forma de funcionamento dos mercados.

AN: Fala-se muito na questão de encontrarmos um modelo sustentável para a nossa floresta, salvaguardando os recursos mas promovendo também a sustentabilidade económica e social da mesma. Sobre esta matéria, qual é a radiografia atual aos olhos da Acréscimo?

PPC: Um modelo sustentável tem de o ser em três planos, económico, ambiental e social. Num país em que a quase totalidade da floresta é privada, este tem de ser suportado por pessoas e negócios que as sustentem nos espaços rurais. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), seja ao nível dos Census, seja das Contas Económicas, e outros que respeitam ao estado do Ambiente e ao avanço da desertificação, não permitem hoje outra radiografia que não a traçada em vários relatórios das Nações Unidas, digamos que, de várias fraturas graves.

Estratégia nacional «plena de inconsistências»

AN: Não temos, no país, uma estratégia nacional para a floresta?

PPC: Ter temos, está até publicadana integra em Diário da República, mas plena de inconsistências. Tem, entre outras, um quadro de prioridades invertido e um plano financeiro desajustado do PDR2020. Na Acréscimo somos adeptos de um outro modelo, mais de base parlamentar, que tivemos já a oportunidade de apresentar na Assembleia da República.

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AN: E o peso económico do setor florestal, é cada vez menor? Qual o seu potencial?

PPC: O seu potencial é, no mínimo, o que teve até 1990. Temos área disponível. Desde que gerida de forma sustentável e socialmente responsável, pode servir de suporte a atuais e novos mercados, seja de bens, mas também de serviços. Temos um clima diverso que potencia potencialidades diversas. Todavia, sendo a base, as florestas, privada, tem de gerar rendimento às famílias que as detêm. Ora, aqui é que está o problema que urge ultrapassar, não apenas ao nível do funcionamento dos mercados de madeiras e cortiça, mas também com novos produtos e pela remuneração de serviços associados aos espaços florestais, entre eles os ditos ambientais.

AN: Por fim, quais as grandes prioridades da Acréscimo para o ano de 2016?

PPC: Uma é a prioridade das prioridades: a intervenção do Estado nos mercados, quanto mais não seja para assegura a posição dos cidadãos, em negócios que têm impactos que vão além dos principais agentes económicos neles envolvidos. Seguem-se a reprogramação do PDR2020, para que não seja mais um “balão de oxigénio”, uma tomada de posição quanto à Lei de Bases, se for para se manter inalterada que se conclua a regulamentação. A interrupção da campanha do eucalipto parece já estar em marcha, mas está longe de estar concluída. A indústria papeleira tem o seu lugar, mas sem atropelos à Lei de Bases e sem que assuma, como a indústria da cortiça ou do pinho, responsabilidades no seu autoabastecimento. Não é legítimo que transfiram os riscos dos seus negócios para a produção e para os cidadãos. 

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