Datar sem destruir

Datar sem destruir

Por: José Luis Louzada e Redação

Devido às limitações e inconvenientes dos métodos de datação clássicos das árvores, surgiu em Portugal um método inovador menos invasivo e mais rápido e eficaz. A árvore mais antiga do país, em Santa Iria da Azóia, foi uma das “cobaias” deste processo.

Graças ao projeto desenvolvido e liderado pelos professores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, José Luis Louzada e Pacheco Marques, em colaboração com o empresário André Soares dos Reis, é agora possível proceder à datação de uma árvore de forma mais rápida, precisa e sem causar qualquer lesão na mesma.

Exemplo disso foi a datação da árvore que é agora considerada a mais antiga de Portugal. Está localizada em Santa Iria da Azoia, concelho de Loures, tem 2850 anos e mede, na sua base, 10,15 metros. A árvore atinge os 4,40 metros de altura e o diâmetro da copa tem 7,60 por 8,40 metros.

Como surgiu a ideia

A ideia de criar este método surgiu do desafio colocado pelo Sr. André Soares dos Reis (dono da empresa Oliveiras Milenares, que se dedica ao comércio de exportação de árvores ornamentais, nomeadamente oliveiras) no sentido de se desenvolver um método de datação de oliveiras antigas, que não fosse destrutivo das árvores e adaptado a árvores ocas. Sendo o principal mercado destas oliveiras a exportação, os clientes começaram a exigir que as mesmas fossem acompanhadas por um certificado que atestasse a sua idade, emitido por uma instituição oficial.

A necessidade de dar resposta esta exigência de mercado fez com que o empresário em causa suportasse todo o investimento de investigação e desenvolvimento do método, e disponibilizasse um conjunto muito significativo de árvores, sem os quais não teria sido possível executar o trabalho.

Antecedentes da Invenção

Uma das mais proeminentes características de muitas madeiras, nomeadamente provenientes de regiões que apresentam acentuadas alterações cíclicas (normalmente anuais) das condições ambientais (temperatura, precipitação, fotoperíodo, etc.) resulta do facto da madeira ser formada por anéis de crescimento concêntricos, correspondendo a sucessivos acréscimos anuais que aparecem, em secção transversal, sob a forma duma sucessão de zonas claras e escuras devido a uma estrutura anatómica muito diferente. As primeiras correspondem ao lenho formado durante a primeira fase do período vegetativo (lenho inicial, formado na primavera), enquanto as zonas mais escuras correspondem ao lenho produzido na fase terminal do período vegetativo (lenho final, formado no verão/outono). Assim, o crescimento anual de uma árvore traduz-se no acumular na parte exterior do tronco de um anel de crescimento formado por duas bandas, correspondentes ao lenho inicial (mais claro) e ao lenho final (mais escuro). Desta forma, a avaliação da idade duma árvore é relativamente fácil, bastando para tal contar o número de anéis presentes numa secção transversal do tronco da árvore, localizada o mais próximo possível da base, já que é aí que se encontra a totalidade dos anéis formados pela árvore.

Este método ótico de avaliação da idade das árvores, baseado na identificação e contagem dos anéis de crescimento é bem conhecido e frequentemente utilizado em árvores com idades relativamente jovens.

Todavia, em árvores com idade mais avançada, esta metodologia depara-se com grandes dificuldades.

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Com o avanço da idade, a parte mais velha da árvore (que está localizada junto à medula, no centro da árvore) entra em biodegradação, o que conduz à destruição total do material lenhoso, ficando assim as árvores ocas no seu interior. Por este motivo torna-se então impossível avaliar a idade dessas árvores, quer se recorra a processos óticos através da contagem dos anéis, quer a processos indiretos através de técnicas de radiocarbono (normalmente 14C). Outra das grandes limitações destes métodos é a obrigatoriedade de proceder ao abate das árvores.

Em face disso, foi necessário desenvolver uma metodologia não destrutiva que permite estimar a idade de árvores idosas, particularmente para os casos em que as árvores já estejam ocas.


p62 fig2Em que consiste o novo método?

Este método já patenteado (Patente de Invenção Nacional nº 104183) não se baseia na identificação e contagem dos anéis de crescimento, ou na análise de radiocarbono da madeira formada nos primeiros anos de vida da árvore, mas sim através de um parâmetro dendrométrico do tronco das árvores (traduzido por exemplo pela dimensão do raio, diâmetro ou perímetro do tronco), com o qual a idade está bem correlacionada. Esta metodologia recorre a uma abordagem que faz lembrar as “matrioskas”, as bonecas russas que vão saindo umas de dentro das outras, no sentido de ultrapassar a questão dos troncos ocos, partindo progressivamente de árvores maiores para mais pequenas que tenham a parte central do tronco intacta, nas quais é possível contar os anéis, a sua forma e dimensão. Assim, mesmo que a árvore já não conserve a totalidade dos anéis de crescimento, como os mais recentes estão localizados no exterior do tronco e os que vão sendo destruídos são os que estão no interior, a árvore ao crescer vai sempre aumentando de raio, diâmetro ou perímetro, o que permitirá, então, através de um modelo matemático elaborado para o efeito, estimar a idade em função da dimensão e forma do tronco, permitindo, assim, a sua datação por um processo extremamente rápido, não destrutivo e exequível mesmo em árvores ocas.

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Como se desenrola o processo de datação das árvores?

Segundo esta metodologia, a idade das árvores é estimada por um modelo matemático que relaciona a idade com variáveis dendrométrica do tronco, por exemplo o raio, diâmetro ou perímetro.

A primeira fase do processo de datação consiste na elaboração e ajustamento do modelo de crescimento médio das árvores de determinada espécie, com a idade. Para tal é necessário estudar a evolução do perímetro, diâmetro médio ou raio médio de um conjunto alargado de árvore, com a idade.

Depois de desenvolvido o modelo, este será utilizado para datar qualquer outra árvore da mesma espécie e região, em função das suas características dendrométricas.

Todavia, convém sublinhar que o modelo desenvolvido é específico da espécie florestal e da região em causa, não podendo ser extrapolado para outras espécies ou regiões com características edafo-climáticas diferentes.

Quais as vantagens deste método, face a outros?

Este novo método apresenta características visivelmente mais vantajosas em relação aos métodos anteriormente usados. A datação é agora possível é possível em árvores oucas (uma vez que esta técnica não conta os anéis de crescimento.

Para além disso, uma das maiores (talvez a maior) vantagens desta técnica prende-se com a não destruição da árvore. Como referido em epígrafe, a utilização de um modelo matemático permite a datação da árvore, pelo que não é necessário o abate da mesma ou que seja causada qualquer lesão que comprometa a sua sanidade.

Comparativamente aos métodos tradicionais, este é ainda consideravelmente mais rápido e eficaz.

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