CACHAÇA DE MINAS GERAIS/BRASIL: PRODUÇÃO E QUALIDADE

artigo científico

Por: Maria das Graças Cardoso1 ( ), Lidiany Mendonça Zacaroni1, Wilder Douglas Santiago1, Leonardo Milani Avelar Rodrigues2, João Guilherme Pereira Mendonça1, Felipe Cimino Duarte2, Ana Maria de Resende Machado3, Cleuza de Fátima e Silva Ribeiro1

1 Departamento de Química - UFLA - Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais, Brasil
2 Departamento de Ciências dos Alimentos - UFLA - Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais, Brasil
3 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET/MG

A cachaça é uma bebida típica brasileira e um produto de grande relevância para o agronegócio do país especialmente para o Estado de Minas Gerais. Por ser produzida praticamente em todo o país, a bebida torna-se diferenciada pelos métodos de produção, pelas características culturais e históricas que caracterizam cada região. Com isso, busca-se cada vez mais a padronização de técnicas para a cadeia produtiva da bebida, visando manter a qualidade exigida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O presente trabalho objectivou-se avaliar a qualidade físico-química de 54 cachaças de diferentes cidades de Minas Gerais/Brasil, analisando-as de acordo com os parâmetros de qualidade exigidos pelo MAPA. Pelos resultados obtidos  observa-se que o percentual de aceitabilidade da bebida variou de 72,22% para o grau alcoólico a 100% para os ésteres e metanol, atestando a qualidade e o cuidado dos produtores mineiros durante o processo de produção da bebida.

INTRODUÇÃO

A cachaça é uma bebida fermento-destilada cuja origem vem desde o tempo da escravidão, especificadamente no século XVI com a vinda dos portugueses e as primeiras plantações de cana-de-açúcar (Cardoso, 2006). É definida como sendo a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 a 48% v/v à 20ºC, obtida pala destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até 6 g/L, expressos em sacarose (Brasil, 2005a).

O agronegócio da cachaça é um dos investimentos que mais crescem no país. Estima-se que a produção anual da bebida seja de 1,5 bilhão de litros, tendo um total de 30 mil estabelecimentos de produtores, gerando mais de 450 mil empregos directos e indirectos (APEX, 2008). Isso a coloca como a segunda bebida mais consumida no país e a terceira mais consumida no mundo. A caipirinha, um drink produzido pela aguardente de cana e limão, também tem merecido destaque no ranking internacional, conquistando a posição entre os oito drinks mais consumidos. No entanto, no ranking internacional, o valor exportado da bebida corresponde apenas a 1% da produção. No Brasil, o Estado de Minas Gerais destaca-se como o maior produtor de cachaça artesanal do país, representando 44% da produção nacional. Estima-se que, no estado, o número de produtores ultrapasse 8 mil, gerando cerca de 240 mil empregos directos e indirectos (Sebrae, 2008).

As bebidas alcoólicas fermento-destiladas distinguem-se uma das outras pela presença de componentes secundários que irão formar um “flavour” característico de cada bebida. Esses componentes secundários formam-se juntamente com o álcool etílico durante o processo de fermentação do mosto, mudam de carácter e proporção durante a destilação, havendo uma posterior maturação do produto (Cardoso, 2006).

Apesar da tradição e importância económica desta bebida, a cadeia produtiva da cachaça no país (Figura 1) não é homogénea, havendo uma busca no desenvolvimento de tecnologias para aperfeiçoar e controlar a qualidade e a padronização da bebida nos aspectos físico-químicos e sensoriais. A produção de cachaça com qualidade requer conhecimentos científicos e tecnológicos apurados, competência, sensibilidade e dedicação (Cardoso, 2006; Zacaroni et al., 2011; Anjos et al., 2011).

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Uma bebida de qualidade deve atender aos Padrões de Identidade e Qualidade (PIQ’s) exigidos pela legislação brasileira, bem como aos requisitos sensoriais que envolvem cor, sabor e aroma (Brasil, 2005a).

Diante do exposto, o objectivo deste trabalho foi avaliar a qualidade físico-química de cachaças provenientes de diferentes cidades do Estado de Minas Gerais/Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram colectadas 54 amostras de cachaças nos diferentes municípios do estado de Minas Gerais/Brasil. As análises físico-químicas foram realizadas no Laboratório de Análises de Qualidade de Aguardente do Departamento de Química/UFLA de acordo com a metodologia recomendada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) (Brasil, 2005b). Os parâmetros analisados foram: teor alcoólico, extracto seco, acidez volátil, alcoóis superiores, aldeídos, furfural, ésteres, metanol e cobre.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da avaliação físico-química das cachaças comercializadas em Minas Gerais estão apresentados na Tabela 1. Pode-se constatar que a maioria das amostras analisadas apresenta-se dentro dos padrões de qualidade exigidos pelo MAPA, com percentuais de aceitabilidade em relação aos compostos analisados variando de 72,22 a 100%. Fernandes e colaboradores (2007), avaliaram 16 amostras de cachaças de produtores mineiros e constataram que 43,75% estavam fora dos limites permitidos pela legislação, que discordam dos resultados aqui encontrados.

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Dentre os compostos analisados, pode-se observar que algumas amostras apresentaram concentrações superiores ao limite estabelecido para o metal cobre (amostras 9, 32, 33, 44, 46 e 47), acidez volátil (amostra 9 e 47), álcool superior (amostra 46), furfural (amostra 24 e 37), aldeídos (amostra 47) e concentrações inferiores para o grau alcoólico (amostras 8, 12-17, 44, 47 e 51). Trabalhos similares como o de Vilela e colaboradores (2007), mostraram que, excepto para o cobre onde alguns excederam o limite de 5 mgL-1, todos os parâmetros analisados nas cachaças mineiras apresentaram-se dentro dos limites exigidos pela legislação.

O alto teor de cobre observado em algumas amostras deve-se principalmente à contaminação da bebida durante o processo de destilação que geralmente ocorre em alambiques de cobre. Para a redução desse metal na bebida, diversas alternativas têm sido propostas, um exemplo é a utilização de materiais adsorventes, tais como: carvão activado (Lima et al.,2006), aluminossilicatos e argilas (Cantão et al., 2010), porém cuidados devem ser tomados para a não remoção de compostos responsáveis pelo sabor e aroma da bebida.

O aumento da acidez volátil na bebida deve-se principalmente a contaminação do mosto por bactérias acéticas durante o processo fermentativo ou por estocagem de cana (Cardoso, 2006). Segundo a mesma autora, os factores que contribuem para o aumento da concentração de alcoóis superiores na cachaça são a estocagem de cana, a temperatura elevada durante o processo fermentativo e o pH muito ácido. Esses alcoóis, assim como os ésteres, em quantidades normais são responsáveis pelo aroma e sabor característico da bebida.

O furfural e o hidroximetilfurfural são compostos que não devem estar presentes na cachaça por serem considerados nocivos à saúde. Estes compostos são provenientes da desidratação de açúcares, pentoses e hexoses, durante as etapas do processo de produção (Cardoso, 2006). Masson et al. (2007) quantificaram o furfural em amostras de cachaças produzidas com cana queimada e não queimada. Estes verificaram que a queima do palhiço da cana-de-açúcar proporcionou um aumento significativo na concentração de furfural nas amostras analisadas já que na queima, a exsudação do açúcar torna-se um excelente aderente ao colmo de resíduos da combustão, de partículas sólidas de solo, minerais e outros.

No processamento da cana, esses resíduos são transferidos para o caldo e, em suspensão, vão para as dornas e posteriormente para o alambique, cuja matéria orgânica é transformada em furfural e hidroximetilfurfural, chegando ao produto final. Barcelos et al. (2007) analisaram diversos compostos em cachaças produzidas de cana não queimada em três diferentes regiões de Minas Gerais. Verificaram que todas as amostras analisadas apresentaram concentrações de furfural dentro do limite estabelecido pelo MAPA.

Os aldeídos, principalmente o acetaldeído, são formados pela acção de leveduras durante estágios preliminares do processo de fermentação, tendendo a desaparecer nas etapas finais, desde que o mosto sofra aeração. Outra forma de obtenção destes compostos é por meio da oxidação de alcoóis superiores.

Quanto ao baixo teor alcoólico observado em algumas amostras, esta pode estar relacionada ao corte incorrecto das fracções durante a destilação ou pelo mau armazenamento da bebida (Cardoso, 2006).

Os resultados obtidos nas análises físico-químicas foram submetidos à Análise dos Componentes Principais (PCA). Pela análise multivariada, pode-se observar uma homogeneidade na composição físico-química das cachaças em estudo, representado pelo gráfico Bi-Plot dos scores/loadings de PCA1 (com 56,2% da variância) versus PCA2 (com 38,5% da variância) (Figura 2), implicando uma padronização do processo de produção da bebida.

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CONCLUSÃO

Físico-quimicamente, 61,11% das amostras analisadas mostraram-se dentro dos limites de identidade e qualidade estabelecido pelo MAPA. Pode-se inferir que, pela PCA, ficou evidente a homogeneidade na produção das cachaças produzidas em Minas Gerais.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ, CAPES, FAPEMIG pela concessão das bolsas de estudos e auxílio financeiro, aos produtores de cachaça de Minas Gerais e a Dr.ª Ana Cristina da Silva Figueiredo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa pelo apoio.

BIBLIOGRAFIA

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