«As raças autóctones precisam de mais divulgação»

Manuel Silveira, Engenheiro Agrónomo e sócio gerente da Ruralbit, fala do projeto que começou em 2006 e tem crescido até aos dias de hoje. Uma iniciativa que junta as novas tecnologias e a pecuária com o objetivo de ajudar os produtores e as suas explorações a serem também elas mais rentáveis.

Entrevista: Ana Clara | Fotos: Ruralbit

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AGRONEGÓCIOS/AGROTEC: Como surgiu o projeto Ruralbit e com que objetivos?

Manuel Silveira: A Ruralbit surgiu em 2006 da conjugação de duas áreas pelas quais os fundadores sempre tiverem um interesse e um gosto especiais: a pecuária e a informática. Surge, também, após a constatação no terreno que vários setores da pecuária ainda não tiravam partido das vantagens das novas tecnologias. Verificamos que existiam obrigatoriedades legais de registo de informação que podiam ser simplificadas com a ajuda da informática e resolvemos agarrar essa ideia de “tornar útil o que é obrigatório”, desenvolvendo ferramentas que, preenchendo as obrigatoriedades legais, fossem ao mesmo tempo ferramentas de gestão para otimizar uma exploração pecuária.

AG: Prestam serviços de consultoria, em que áreas?

MS: A empresa especializou-se na gestão de pequenas populações, onde temos dois projetos principais: um na área da gestão de Livros Genealógicos, onde neste momento nos podemos orgulhar de ter como clientes 54 raças com Livro Genealógico em funcionamento em Portugal (de todas as espécies pecuárias, raças autóctones e exóticas), e outro projeto na área da gestão da exploração pecuária, numa ótica de utilização da informação para otimizar a gestão dos animais.

AG: Que outros serviços prestam?

MS: Do ponto de vista da informática, temos um pacote bastante completo de serviços. Para além das nossas plataformas core, também desenvolvemos aplicações à medida do cliente. Temos, ainda, uma componente de web design e de alojamento. Contudo, dado que 66% dos nossos corpos técnicos possuem formação superior em Agronomia e Zootecnia, temos um papel que vai muito para além da informática. Sobretudo no projeto dos Livros Genealógicos, é frequente funcionarmos como o elemento agregador entre as entidades gestoras das raças, já que somos um ponto comum entre todas as mesmas.

AG: Uma das áreas em que prestam serviços de consultoria visa a oferta de soluções focadas na gestão de pequenas populações, como é o caso de Associações de Raças Autóctones e respetivos Livros Genealógicos. Fale-me um pouco desta área e como tem sido esse trabalho.

MS: Os livros genealógicos são delegados pela DGAV a entidades gestoras, na sua grande maioria associações de criadores, que têm a seu cargo toda a gestão da informação referente à raça, assim como a criação e implementação de planos de conservação e melhoramento. Em 2006, propusemos a algumas das associações a criação de uma plataforma informática que centralizasse toda a informação dos criadores, animais e registos. Assim, todos os intervenientes na fileira poderiam contribuir para enriquecer essa informação e, em contrapartida, obter os dados que lhes interessavam. Utilizando uma política de partilha de acessos com as devidas permissões, consegue-se um grande rigor na informação que flui entre os diferentes parceiros, assim como uma eficiência maior, com a redução do trabalho administrativo. O projeto era ambicioso mas, onze anos volvidos, é com grande satisfação que vemos que o princípio estava correto, e hoje temos associações, criadores, agrupamentos de produtores, matadouros, entidades certificadoras, administração central, centros de investigação, público em geral, todos a ler e escrever dados na mesma plataforma.

Adaptar a tecnologia às necessidades dos clientes

AG: A tecnologia é uma das marcas distintivas da vossa empresa. Numa área como a agricultura, como avaliam a evolução tecnológica no setor e quais são ainda as grandes barreiras para quem presta serviços nesta área?

MS: Desde os anos 90, a pecuária intensiva possui sistemas implementados de registo e monitorização, por forma a otimizar a produção. Por outro lado, nos sistemas extensivos, área em que focamos a nossa ação, as vantagens da utilização da tecnologia podem não ser tão evidentes. Parte do nosso trabalho é tentar perceber como podemos adaptar a tecnologia que vai ficando disponível às necessidades dos nossos clientes, e de que forma eles poderão ter rentabilidade que justifique o seu custo. Outro desafio que encontramos neste sector é o facto de o trabalho ser feito em ambiente de campo. Muitas vezes os registos são feitos junto dos animais e sujeitos às condições atmosféricas. Isto obriga-nos a um esforço redobrado para tornar as operações simples de efetuar, nomeadamente quando desenvolvemos soluções móveis para recolha de dados, como é o caso do R.campo.

manuel silveira

Manuel Silveira

AG: A agricultura portuguesa, na sua opinião, caminha no bom sentido em termos de utilização da tecnologia?

MS: Nos últimos anos, têm vindo a surgir vários projetos de carácter tecnológico vocacionados para a agricultura, sobretudo relacionados com a colheita de dados. Na nossa opinião, um desafio que se coloca atualmente aos agentes do setor é a capacidade de interligação entre estes vários projetos/tecnologias. Outro desafio é garantir que existe a capacidade de processar de forma eficaz e em tempo útil toda a informação que hoje já é possível registar e entregar ao nosso produtor esta informação num formato simples e adequado.

AG: Falando do projeto Ilustrações Científicas, que pretende promover as raças autóctones nacionais. Que projeto é este e quem serve no fundo?

MS: Dada a ligação que temos com as raças autóctones, desde a primeira hora “apadrinhámos” a sua divulgação e, dentro da nossa área de ação, tentamos fazer o que está ao nosso alcance para dar a conhecer este património único que Portugal possui. Temos a noção que um passo importante para a preservação é o conhecimento e, por isso, em 2008 criámos o site http://autoctones.ruralbit.com, que é o catálogo de Fotografias de Raças Autóctones. Neste catálogo, são disponibilizadas gratuitamente fotografias de animais das diferentes raças a todo e qualquer interessado, ao mesmo tempo que aceitamos contribuições de fotografias de qualquer pessoa. Mais tarde surgiu a ideia de, através da ilustração científica, ter todas as raças representadas. Temos uma parceria com um ilustrador (Carlos Medeiros) e procuramos envolver as diferentes entidades ligadas a cada raça, de forma a garantir que cada ilustração corresponde ao padrão da raça com o maior rigor possível. É um processo muito demorado e ainda não temos bem a noção das suas potencialidades, mas os comentários que temos recebido são muito animadores. Neste momento, estamos a divulgar as ilustrações na web (http://ilustracoes.ruralbit.com) e temos uma série de artigos que podem ser impressos de forma personalizada, como roupa, canecas ou posters. O projeto está a criar o seu próprio caminho, o que é algo que nos agrada.

AG: As raças autóctones portuguesas necessitam de mais promoção?

MS: As raças autóctones precisam de mais divulgação, no sentido da disseminação de informação, sobretudo junto do público urbano. E é isso que tentamos fazer: ter acessível informação, sobretudo imagens (quer fotografias, quer ilustrações) que demonstrem a grande variedade de raças que temos e que permitam de alguma forma associar estas raças aos modos de produção e aos produtos tradicionais de cada região. A promoção comercial dos produtos finais, seja carne, queijos ou enchidos, é feita pelas respetivas entidades produtoras. Portugal possui um património genético pecuário ainda muito diverso, quando comparado com os países do norte da Europa. E estas raças ainda estão em produção, pelo que é fundamental manter estes animais interessantes, do ponto de vista produtivo, para que não desapareçam.

(continua)

Nota: Entrevista publicada na edição AGROTEC 24.

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