A Emergência de um Admirável Mundo Novo: Adeus Enxada...

A Emergência de um Admirável Mundo Novo: Adeus Enxada...

Por: António Malheiro, Director Executivo da Revista Agrotec

A enxada ficará para sempre ligada à história civilizacional do Homem como marca de inovação tecnológica de uma revolução que – justamente – se chamou de industrial mas que não foi, de todo, agrícola. Essa, a Revolução Agrícola, está a acontecer hoje. Uma revolução silenciosa, não percetível ao cidadão comum, mas bem presente nas universidades portuguesas e centros de investigação dos gigantes mundiais da eletrónica, das telecomunicações, fabricantes de maquinaria tradicional e programadores informáticos.

A mecanização agrícola centrada no trator como fornecedor de energia mecânica, capaz de rasgar as entranhas da terra, está a evoluir no sentido de se posicionar como elemento/parte de um sistema integrado de produção. Sistema cujo referencial incorpora novas variáveis de gestão da produção agronómica.

Um novo paradigma de visão sistémica de produção agronómica com enfoque na automatização, controlo de processos, apoio à decisão, eficiência energética e meio-ambiental está em desenvolvimento.

Investigadores e cientistas direcionam os seus trabalhos em torno de um novo conceito de gestão dos processos de produção agronómica, designado por Agricultura de Precisão. O conceito estruturante subjacente à prática de agricultura de precisão é o da satisfação das necessidades de plantas e animais – no just-in-time – e na quantidade certa.

O primado da eficiência económica e meio-ambiental é conseguido através do uso de ferramentas de apoio à decisão que usam a informática, sensores de monitorização contínua e modelos matemáticos para apoio à decisão a qualquer nível, seja de uma intervenção fitossanitária num pomar de citrinos, seja no domínio da produção e bem-estar animal na distribuição de água e nutrientes ou na vindima.

Os testemunhos que aqui deixamos têm como objetivo abrir a porta para a discussão de um tema que decorre do corolário evolutivo da automatização das atividades económicas em geral.

Primeiro foi a Robótica, que representa a visão integrada da produção industrial. Depois seguiu-se a Burótica, com a automatização dos escritórios. Não fosse a crise imobiliária e a Domótica já teria atingido um nível de utilização equivalente ao da oferta tecnológica subjacente!

Uma revolução adiada que sufoca o imenso potencial da indústria eletrónica e de telecomunicações.

Atrevo-me a dizer que, no léxico da língua portuguesa, se fixará a curto prazo uma nova palavra – Agrobótica – para designar os sistemas integrados de produção agronómica.

A maquinaria agrícola vista por especialistas

Tradicionalmente vocacionadas para a componente biológica do ensino da agronomia, as escolas têm vindo a dar especial atenção aos fatores tecnológicos de gestão e produção agrícola. Muitos são hoje os projetos de mestrado, doutoramento e investigação com incidência nas tecnologias de mecanização como fator de competitividade.

Na Universidade de Évora, a mecanização ocupa lugar de destaque e representa uma vertente estratégica de afetação de recursos em investigação. José Oliveira Peça, professor associado e investigador do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas é o nosso interlocutor. Questionado sobre como vê o processo evolutivo da mecanização agrícola em Portugal e no mundo, responde, “Portugal reflete a evolução do mundo, adaptado à escala e às necessidades do país. Há dois saltos significativos na escala evolutiva dos equipamentos agrícolas: a entrada da oleodinâmica e, mais recentemente, a incorporação da eletrónica e informática. O papel das universidades nestes saltos pode ter sido maior ou menor, conforme o seu grau de aproximação aos centros de produção de equipamento. Independentemente do seu grau de envolvimento na produção de bens de equipamentos, a Universidade não se pode alhear da sua responsabilidade de revelação desses avanços e da importância das tecnologias para a competitividade das empresas agrícolas e do bem-estar social, ambiental e até animal”.

A gestão do parque de máquinas, na perspetiva da compra ou do aluguer, do usado ou do novo e a adequação ao meio/função, merece de José Oliveira Peça o seguinte comentário: “Na perspetiva de professor universitário, considero que  são temas relevantes na preparação dos nossos técnicos, quer estejam do lado da produção, quer do lado da fabricação ou comercialização. Estruturar uma linguagem concetual de rigor eleva o nível de exigência para todos os intervenientes. Na indústria, as bancadas de trabalho pouco diferem entre Palmela e Mangualde; entre Barcelona e Detroit. A atmosfera de trabalho é sensivelmente a mesma. Nada mais diferente na agricultura! Se, em última análise, a qualquer dos casos se aplicam as leis da física e as regras da matemática, podemos perceber a enormidade de variantes quanto às situações no âmbito da agricultura”.

p81 fig1

Ricardo Braga, professor na Escola Superior Agrária de Elvas e investigador no Centro de Botânica Aplicada à Agricultura, tem dedicado muita da sua atividade ao desenvolvimento de projetos associados à agricultura de precisão. A sua visão de presente e futuro é a de que, ”A mecanização agrícola está a seguir no sentido de oferecer máquinas com mais” inteligência”.

E adianta: “Primeiro foram as alfaias mecânicas, depois as alfaias hidráulicas e as alfaias elétricas. Hoje, através de uma consola instalada na cabina de um trator, sensores nas alfaias  e até GPS, um operador especializado opera com um notável grau de eficiência”.

O trator (peça fundamental na produção de energia mecânica) incorpora, cada vez mais, as tecnologias eletrónicas, as telecomunicações e rede de sensores que o tornam a peça fundamental de um novo paradigma da mecanização vista como sistema de produção. A agricultura de precisão, vista pelo lado da eficiência energética e, cumulativamente, ambiental, tem já disponível no mercado conhecimento e instrumentação para aumentar a eficiência e a eficácia da gestão da produção agrícola.

Para Ricardo Braga, estas tendências irão obrigatoriamente levantar novas questões, como sejam a formação de operadores e a escolha dos equipamentos ajustados à função e à dimensão da exploração: “No tocante aos operadores, será necessário um reforço da formação de futuros operadores, capazes de tirar proveito do potencial tecnológico que incorpora a maquinaria. O empresário agrícola, face à sua conjuntura particular, terá de fazer contas e avaliar se lhe fica mais vantajoso comprar máquinas ou alugar”, e conclui: “Nos cálculos de limiares de rendabilidade é necessário que todos os custos sejam considerados. Diversos fatores jogam a favor do aluguer, nomeadamente a capacidade de especialização e de abaixamento dos custos por parte do prestador de serviços. A compra será sempre uma opção para empresários com grandes dimensões”.

A opção de compra de máquinas ou de serviço, segundo Diogo Palma Campos, deve ser  ponderada  da seguinte forma: a decisão de compra deverá recair sobre a dimensão da exploração/horas de trabalho “a decisão pela compra só deverá ter lugar se a máquina for amortizada em pleno menos dez anos. No apuro do custeio da máquina, o empresário deverá ter em conta o custo de posse de utilização, ou seja: custo de compra, desvalorização, consumo e manutenção”.

Quanto à opção por compra de máquinas,“será uma boa opção quando a capacidade financeira não permitir comprar novo. Mas o principal factor de decisão deverá ser sempre a adequação à função que vai realizar e o meio onde vai operar.”

Luis Márquez é um dos mais conceituados especialistas europeus em maquinaria agrícola e não carece de apresentação no meio técnico e universitário do Velho Continente (ver caixa). Registámos a sua opinião sobre a forma como vê o futuro da maquinaria agrícola. “Pelo lado da procura e, apesar do mundo globalizado, a mecanização agrícola ajustar-se-á de modo diferente a cada região, de acordo com as condições socioeconómicas e ambientais. A tendência atual de reduzida preparação dos solos e o uso da sementeira direta estão a incrementar a procura de maquinaria com apetência para uma maior eficiência na uniformidade de distribuição de fertilizantes e pesticidas. A procura de máquinas/sistemas para a recolha e manejo de forragens e ainda para a recolha de biomassa vegetal para fins energéticos (tanto de natureza herbácea como lenhosa) será outra tendência. Uma outra tendência será a procura de equipamentos direcionados para as culturas hortícolas”.

No que concerne aos aspetos tecnológicos, Luis Márquez refere: “as ceifeiras para grãos e similares acentuarão a sua oferta de fluxo axial para aumentar a capacidade de trabalho”. Ainda no tocante à evolução tecnológica, adianta: “a entrada em força da eletrónica para resolver problemas de manuseamento, o enfoque na segurança de operadores e na manutibilidade das máquinas serão tendências que se acentuarão”.

p81 cx

Jorge Pereira, administrador da Joper-Tomix-Ribatejo, é um profundo conhecedor do mercado de maquinaria agrícola: ”a mecanização agrícola é um conceito muito amplo, dependendo dos mercados e da dimensão das explorações. No meu entendimento, o agricultor português está no bom caminho”. Para o administrador da Joper-Tomix, a gestão do parque de máquinas terá que ser equacionada na perspetiva da rentabilidade que se pretende ter do investimento e do uso que se quer dar, e concretiza “o agricultor português é muito afoito à ideia de posse do equipamento que, se por um lado tem a vantagem da autonomia, por outro, tem os custos de posse mais elevados."

No entendimento de Diogo Palma Campos a mecanização agrícola no mundo tem sofrido um grande aumento induzido pela mecanização dos países em desenvolvimento e países da Europa de Leste. “O aumento da área agrícola útil nos países de leste e os investimentos em maquinaria estão a sofrer um crescimento impressionante.” Quanto aos países industrializados “a tendência é para máquinas cada vez mais sofisticadas, com tecnologias que aumentam a produtividade”. Portugal segue na linha dos países industrializados e para diretor comercial da John Deere, a tendência é para o aumento de máquinas de grande potência que incorporam sistemas altamente tecnológicos. “Os sistemas de guiamento por GPS, as alfaias com controlo de secções , possibilitando a prática de agricultura de precisão tenderão a aumentar”.

p81 fig2 5

Manutenção de Equipamentos Agrícolas

Numa agricultura cada vez mais empresarial e de dependência tecnológica acentuada, a gestão da manutenção de equipamentos terá de assumir uma importância estratégica na gestão do negócio.
Torres Farinha, professor e investigador do Centro de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra, tem vindo a dar particular atenção à mecanização agrícola e mormente à manutenção. Especialista em manutenção industrial, com obra publicada e a orientar atualmente  uma tese de mestrado em Manutenção de Tratores Agrícolas, quisemos ouvir a sua opinião.

“A mecanização agrícola no mundo tem evoluído muito, havendo equipamentos muito sofisticados que vão da maquinaria convencional à agricultura de precisão. Urge incorporar na gestão do parque de maquinaria agrícola a gestão da manutenção, a exemplo do que já se faz na indústria”.

Para Torres Farinha, a manutenção de equipamentos agrícolas não se desvia das bases concetuais dos modelos de gestão de equipamentos industriais. Um erro de planeamento da manutenção pode pôr em causa a consumação de uma encomenda na indústria ou a perda de uma colheita na agricultura, e conclui: “O empresário terá de fazer as contas. Contas que devem contar com várias rubricas – custo de posse do equipamento; custos de uma falha; custo de compra... É necessário mudar o paradigma da compra de equipamentos e passar a analisar, em primeiro lugar, os requisitos, e só depois proceder à consulta do mercado”.

p81 fig6

p81 fig7

Segundo Oliveira Peça, “A manutenção de equipamentos agrícolas assume especial relevância devido à janela temporal em que os equipamentos são utilizados. Isto desencadeia toda uma série de aspetos, com especial relevo para a manutenção preventiva de equipamentos e a capacidade dos agentes realizarem manutenção e pequenas reparações fora do ambiente oficinal. A discussão do tema num fórum como o Congresso Ibero-Americano de Manutenção deve ter em conta os diversos intervenientes: agricultores, prestadores de serviços, fabricantes e representantes das empresas que prestam serviços de assistência”.

Para Diogo Palma Campos, a introdução da manutenção como disciplina de gestão de equipamentos agrícolas no 17.° Congresso Ibero Americano de manutenção merece o seguinte comentário: “é um tema muito interessante que não tem merecido a atenção de clientes e operadores”.

José Coutinho, vice Presidente da Associação Portuguesa de Manutenção Industrial, organização profissional com mais de trinta anos de atividade e que este ano realiza em Cascais o seu 12.ª congresso nacional e cumulativamente o 17.º congresso Ibero Americano, irá trazer pela primeira vez a manutenção de equipamentos agrícolas a esta evento. ”Se por um lado pretendemos abrir o leque de intervenção da APMI, por outro reconhecemos o crescente avanço da mecanização na agricultura”. José Coutinho adianta ainda: “estamos em fase adiantada de desenvolvimento do evento. Estamos a articular a nossa ação com os diversos intervenientes -marcas, técnicos, prestadores de serviços e fabricantes nacionais de forma a termos uma representação de toda a cadeia de valor."

Para o vice-presidente da APMI, as máquinas agrícolas, e mormente os tratores, têm sofrido uma grande evolução que irá influenciar o modo da gestão da produção agrícola e alimentar e adianta "A gestão da produção agroalimentar tem as mesmas variáveis organizacionais, económicas e financeiras de outras atividades produtivas. Em certa medida até maiores. Há intervenções que exigem uma resposta dos equipamentos com uma grande fiabilidade. Na produção agrícola não se pode trabalhar para o stock. Há intervenções que, ao não se realizarem naquele dia, poderão por em causa a colheita de um ano. A função manutenção tem de responder a essas exigências e ainda a preceitos normativos de segurança alimentar e ambiental".

Jorge Pereira: “A manutenção é muito importante. Quer se trate de um simples escarificador ou de um equipamento mais sofisticado, como sejam pulverizadores, fresas ou outros” e adianta: “o contributo do fabricante no sentido de sensibilizar e informar o utilizador é muito importante. Na Joper-Tomix-Ribatejo, fornecemos, com cada equipamento, um manual de utilização e manutenção."

Para Jorge Pereira, a manutenção deve ser fundamentalmente preventiva, no entanto “os nossos agricultores só se lembram da manutenção em cima da campanha ou quando a avaria ocorre. Uma situação recorrente são os pedidos de intervenção curativa em plena pulverização”.

Para Luis Márquez, que dedica muito espaço do seu livro “Tratores Agrícolas: Tecnologia y Utilización” a aspetos de manutenção, esta função é importantíssima e questiona: “Quanto custaria uma falha que tornasse inviável uma operação de sementeira, colheita ou aplicação de pesticida na data programada? A resposta dar-nos-á o valor da importância da manutenção. A manutenção preventiva reduz custos operacionais significativos. Manter o filtro de ar limpo ajuda a reduzir custos de combustível que podem chegar aos 10%. O mesmo acontece com a pressão dos pneus: o advento da eletrónica nas máquinas agrícolas veio simplificar a programação da manutenção por via dos avisos luminosos e sonoros”.

Formação precisa-se

Simão Abelho é formador na área da mecanização e simultaneamente empresário agrícola, o que lhe dá um estatuto de observador privilegiado da realidade nacional de maquinaria agrícola. No tocante ao parque de máquinas, refere: “Temos um parque envelhecido e desajustado das necessidades das explorações. A situação mais corrente corresponde a parques com um número de máquinas exagerado e desajustado em termos de potência. Quando se pensa numa agricultura moderna, racional e competitiva, o fator mecanização terá de estar sempre presente porque influencia muito os custos de produção”.

Por imperativo da sua condição de formador, Simão Abelho apresentou-nos um programa detalhado de manutenção de maquinaria agrícola que, por não caber no âmbito desta reportagem, será objeto de tratamento editorial no próximo número da Revista Agrotec. Deixamos agora apenas alguns registos da sua experiência e visão: “É de capital importância, na aquisição de um trator agrícola, ter assistência na zona. Na ótica da manutenção preventiva, o operador deverá realizar diariamente as funções básicas de verificação e, semanalmente, as de manutenção de níveis de óleo e lubrificação”.

Para Diogo Palma Campos, a formação de operadores em relação a temas de segurança e manutenção é uma necessidade premente e adianta “justificava-se a existência de um curso técnico nesta área. Muitos dos problemas de funcionamento das máquinas , segurança de operadores e terceiros decorre de falta formação."

“Aprende-se na sala de aula e complementa-se no campo e... na oficina!”

Quem o diz é o professor Oliveira Peça, com a autoridade de experiência feita: “Para a empresa ser rentável, tem de ser profissional. Assim, na formação universitária no âmbito da mecanização, são apresentados aos alunos todos os fatores intervenientes no processo da eficiência. A segurança do operado, a manutenção e regulação dos equipamentos merecem particular destaque no nosso ensino”. E conclui: “Reservamos aos alunos interessados (sempre em número superior às nossas possibilidades de oferta) a frequência de um curso de verão, extracurricular, feito em colaboração com o Instituto de Emprego de Évora, que se denomina Curso de Operadores de Máquinas Agricolas e que funciona desde 1982. Outra oferta recente da Universidade foi o curso sobre hortas urbanas, organizado pelo Departamento de Engenharia Rural, e que contou com a componente de mecanização ajustada à função/necessidade, uma atividade que, apesar de lazer ou subsistência, nos merece a mesma dignidade”.

Regiões

Notícias por região de Portugal

Tooltip