A cultura do sorgo: a outra “cana-de-açúcar”

A cultura do sorgo: a outra “cana-de-açúcar”

Por: José Sarreira Tomás Monteiro ( ), Prof. Adjunto do Instituto Politécnico de Castelo Branco / Escola Superior Agrária - Q.ta da Sra. de Mércules, Apartado 119, 6001-909 Castelo Branco

Nos últimos anos tem-se assistido a um interesse acrescido em algumas culturas agrícolas e/ou florestais de elevado rendimento em biomassa utilizável para fins energéticos. O sorgo sacarino é uma das que poderá interessa ao nosso país.

No campo das culturas com interesse energético existem várias opções disponíveis, umas mais viradas para a produção de matérias-primas a utilizar em unidades de cogeração de eletricidade e calor (no caso de algumas espécies, normalmente exploradas em povoamentos florestais, como acontece com determinadas cultivares de choupo, nesta situação plantadas como culturas lenhosas de curta rotação). Outras são espécies que podem ser transformadas em biocombustíveis líquidos – em regra, bioetanol ou biodiesel, sendo que neste campo predominam, a nível mundial, espécies como o milho e a cana-de-açúcar (no caso da produção de álcool etílico), ou culturas oleaginosas, como a palma, a soja e a colza, para apenas apontar alguns exemplos de culturas para biodiesel. Finalmente, no panorama dos biocombustíveis, há que referir ainda o caso das matérias-primas para produção de biogás – uma mistura essencialmente de metano (55 a 65%), e dióxido de carbono. Embora menos divulgado, o biogás representa um potencial energético muito significativo e tem a vantagem de poder utilizar um vasto leque de matérias-primas de caráter orgânico, incluindo culturas dedicadas muitos subprodutos e resíduos de diversas atividades agrícolas e/ou industriais.

Acontece, porém, que apesar dos resultados de ensaios pontuais bastante animadores, nas condições edafo-climáticas predominantes em Portugal, dificilmente algumas das espécies vegetais atrás mencionadas poderão, no imediato, ser produzidas em grande escala de forma técnica e economicamente eficiente, em particular as que são passíveis de ser transformadas em biocombustíveis líquidos.

Contudo, existem outras espécies alternativas que nos últimos anos têm vindo a prender a atenção de quem se dedica ao estudo de matérias-primas que permitirão ser transformadas em combustíveis alternativos que poderão substituir, pelo menos parcialmente, as tradicionais gasolinas e gasóleos.

Entre estas, conta-se o sorgo (Sorghum bicolor (L.) Moench), cultura conhecida a nível mundial por fornecer um grão rico em amido a preços que, em muitas situações, o tornam bastante competitivo por exemplo na área das rações para animais. Na verdade, esta é uma planta geneticamente preparada para suportar condições agroecológicas onde é difícil cultivar com êxito outras gramíneas, já que se tratam de plantas relativamente pouco exigentes em termos de solos, de fertilizantes e de água, que funcionam segundo o princípio fisiológico das plantas em C4 (caracterizadas por uma elevada eficiência de utilização dos recursos de que possam dispor).

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Sorgo – uma breve caracterização

O género Sorghum sp., pertencente à família Poaceae, engloba uma série de plantas herbáceas anuais de dias curtos, cultivadas, pelos dados disponíveis, desde há 5.000 a 8.000 anos em diversas partes do globo, que terão sido domesticadas na região nordeste da África Subsariana, algures entre o Sudão e a Etiópia. Um segundo centro de dispersão destas plantas está situado no subcontinente Indiano, onde existem evidências de cultivo do sorgo datadas de há cerca de 4.500 anos atrás [1].

Em termos botânicos, o género Sorghum sp. inclui apenas uma espécie – Sorghum bicolor (L.) Moench. Mas desta existem três subespécies diferentes: Sorghum bicolor (L.) Moench ssp. arundinaceum (Desv.) de Wet & Harlan – sorgo bravo comum; Sorghum bicolor (L.) Moench ssp. bicolor – sorgo grão; e Sorghum bicolor (L.) Moench ssp. drummondii (Nees ex Steud.) de Wet & Harlan – Erva do Sudão [2].

Comercialmente, até há poucos anos atrás, por tradição, o sorgo distinguia-se essencialmente em sorgo grão e sorgo forragem, sendo este último muitas vezes também apelidado de Erva de Sudão (que se distingue por folhagem mais abundante). De forma marginal, também se produzia sorgo com uma finalidade muito particular – a da produção de vassouras – o qual, por isso mesmo, tomava a designação de sorgo das vassouras. Mais recentemente, são cada vez mais comuns as cultivares especialmente melhoradas (normalmente por hibridação) no sentido da exploração da capacidade de algumas linhagens do sorgo para acumular grandes quantidades de açúcares nos seus caules – sorgo sacarino (ou “sorgo doce”). Estes açúcares poderão ser transformados em álcool etílico, por fermentação e destilação (tal como acontece com o sumo da cana-de-açúcar no Brasil, por exemplo). Outras cultivares têm sido melhoradas no sentido da produção de quantidades importantes de fibra vegetal – sorgo fibra, este utilizável para produção de energia por simples queima (sob a forma de pellets) ou para produção de um vasto leque de produtos industriais (painéis estruturados, cartão, agro-têxteis e outros). A estas distintas utilizações práticas correspondem algumas particularidades fenotípicas. As plantas têm algumas diferenças morfológicas, principalmente ao nível do caule (altura, diâmetro e constituição interna), das folhas (número e área) e da forma da inflorescência – o órgão que reúne as flores da planta, no caso uma panícula (similar ao que encontramos também na aveia e no arroz, por exemplo). No caso dos sorgos forrageiros, existem no mercado algumas cultivares com digestibilidade melhorada (menos teor em lenhina) a qual acontece estar associada a uma particularidade morfológica das folhas de tais plantas, que apresentam a respetiva nervura acastanhada (cultivares BMR, de “Brown Mid Rib”).

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Relevância económica da cultura

Dados recentes da FAO (2012) apontam para uma área mundial de cultivo do sorgo grão na ordem dos 38 milhões de hectares, de que resultaram cerca de 58 milhões de toneladas de grão [5]. Neste mesmo ano, nos países da União Europeia foram cultivados cerca de 112.000 hectares, com uma produção a rondar as 580.000 toneladas. Os dois principais produtores da UE são a França (239.200 t) e a Itália (230.000 t). Em relação aos outros tipos de sorgo não há dados estatísticos fidedignos.

Atualmente, o sorgo é igualmente cultivado no Sudeste Asiático, bem como na Austrália, na América do Norte (EUA, desde finais do Séc. XVIII [6]), Central (México) e do Sul (Argentina), bem como em África (com predominância para a Nigéria, em termos de área e de produção). Recentemente tem-se assistido a um interesse crescente em relação a esta cultura também na China e no Brasil. Em termos europeus, há muito que o sorgo é também cultivado. Como já foi mencionado, na Europa destacam-se como produtores países como a França e a Itália. Mas a Hungria, a Roménia e a Sérvia têm também alguma tradição nesta cultura (embora com uma importância relativa menor), estando a cultura a ser bastante divulgada recentemente também na Alemanha, neste caso com propósitos muito próprios (substituição do milho na produção de biogás).

Particularidades agronómicas da cultura do sorgo sacarino

Focando a atenção na cultura do sorgo sacarino, convirá definir as condições de base necessárias à instalação e ao desenvolvimento da mesma.

Em termos pedológicos, a cultura adapta-se bem numa vasta gama de solos (se possível, mas não obrigatoriamente, com alguma argila), preferencialmente bem estruturados e que apresentem alguma capacidade de retenção de água ou, em alternativa, desde que haja garantias de que a cultura poderá vir a ser regada. Como acontece na generalidade das culturas, para poder exprimir todo o seu potencial, o sorgo sacarino produzirá melhor em solos mais profundos. Mas a versatilidade da cultura permite-lhe atingir resultados interessantes mesmo em solos teoricamente menos bons.

Já quanto ao clima, esta é uma cultura que não gosta de frio, o que por vezes condiciona a data da sua sementeira em algumas regiões de Portugal. A temperatura de germinação, por exemplo, ronda os 14 ºC, valor que por vezes só é atingido com segurança em fins de abril ou, muitas vezes, apenas durante o mês de maio. Logicamente, esta realidade condiciona por vezes a possibilidade de semear na altura mais consentânea com o ciclo de vida da planta, que pode ir de 70-90 dias (variedades/cultivares de ciclo curto) até 110 dias (ciclos longos [3]). Na verdade, o zero vegetativo do sorgo anda pelos 8 ºC, mas a planta necessita de um somatório de temperaturas entre os 2600 e os 4600 ºC, encontrando as plantas condições ótimas para o seu crescimento entre os 26-30 ºC (apesar de resistirem no verão a temperaturas até 38 ºC).

Quanto a infestantes, nas fases iniciais do seu desenvolvimento, a planta sofre bastante com a concorrência daquelas, pelo que é aconselhável aplicar um herbicida em pré-sementeira e/ou em pré-emergência. No entanto, este é um aspeto que, por exemplo em Portugal, pela novidade da cultura, não é fácil de resolver, nomeadamente no que a herbicidas de pré-emergência diz respeito. Em termos de pragas e doenças, o sorgo pode ser atacado praticamente pela mesma gama de inimigos que fragilizam a cultura do milho pelo que, com os devidos cuidados, os tratamentos a aplicar serão, em princípio, os mesmos.

Uma vez que o sorgo se propaga por semente, esta cultura é caracterizada por um conjunto de operações culturais comparável ao que se aplica a outras gramíneas, nomeadamente às que se cultivam no período primavera-verão.

No sentido da otimização da fertilização do solo, esta deve ser calculada em função dos resultados de análises ao mesmo. Apesar do risco que tal implica, ousamos apontar, a título meramente indicativo, como necessidades médias de fertilizantes por hectare, 100-150 kg de azoto (1/3 aplicado à sementeira; restantes 2/3 quando o sorgo estiver com cerca de 0,40 m de altura); 60-100 kg de P2O5 e de K2O, estes aplicados à sementeira. Mas este é um aspeto da cultura que vai depender dos já mencionados resultados das análises do solo e das necessidades próprias da variedade/cultivar a explorar. Por outro lado, é de referir também que o sorgo se adapta bem a solos com um pH entre 5,5 e 8,5 e que tolera alguma salinidade [4].

Dado que a cultura responde positivamente a boas condições de sementeira, nomeadamente quanto à qualidade da cama de sementeira, em geral o trabalho do solo começa por uma lavoura ou outra operação de cultivo do solo adequada, a uma profundidade razoável (por exemplo, por utilização de um cultivador pesado a trabalhar a 0,40-0,45 m). Seguem-se as operações secundárias de mobilização, com duas gradagens cruzadas ou uma gradagem e uma escarificação leve (consoante o terreno esteja mais ou menos entorroado e irregular). Se o sorgo aparecer inserido numa rotação de culturas, então a preparação primária do solo talvez possa ser evitada, resumindo-se as mobilizações às duas gradagens cruzadas, eventualmente complementadas por uma escarificação ligeira.

A sementeira do sorgo sacarino é realizada por meio de um semeador em linhas do tipo monogrão, com linhas a 0,60-0,75 m de distância e a semente colocada a 0,04-0,05 m. O povoamento real a obter deverá situar-se entre as 90.000 e as 120.000 plantas por hectare, embora nos EUA sejam comuns povoamentos de 140.000 plantas/ha, com linhas a 0,45 m.

Dependendo do correr do ano, a rega pode começar no início de junho (ou mesmo até em finais de maio). Relativamente à data de início da rega, a nossa prática mostra que o sorgo é uma cultura algo delicada, já que, se após o início da rega se registarem temperaturas muito elevadas e algum vento, estas condições propiciam a formação de uma crosta na terra sobre as sementes, que estas não têm capacidade de perfurar durante a fase de emergência. É pois preferível semear “no pó” e apenas iniciar a rega após a emergência. Ainda quanto à rega, o pico de aplicação acontece entre o fim do lançamento da panícula e a altura da floração, que em princípio deverá acontecer cerca de 50 a 70 dias após a sementeira, consoante a cultivar utilizada. Depois desta fase, a rega poderá ser reduzida, já que, embora as plantas ainda precisem de água, apresentam então necessidades cada vez menores. As necessidades totais de rega variam de região para região, mas em geral aceita-se que, para condições edafo-climáticas similares, o sorgo necessita de cerca de 2/3 da água de rega do milho.

Entretanto, a colheita irá estar condicionada pelo tipo de sorgo (finalidade) e pelo estado de maturação da cultura, que deverá ser acompanhada a partir da floração, no sentido da otimização dos resultados da cultura. Em geral a colheita deverá acontecer quando o grão do sorgo estiver no estado de grão pastoso, caso a cultura se destine à produção de etanol. Para outros fins - grão, fibra - o estado de maturação da cultura à colheita terá que ser mais avançado. Pelo contrário, as cultivares forrageiras serão colhidas mais cedo, mas proporcionarão em regra mais do que um corte.

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Finalmente, o sorgo sacarino poderá ser colhido por meio de equipamento de colheita de caules (similar ao que é utilizado na cultura da cana-de-açúcar), embora esta seja uma opção bastante onerosa e que só se justificará para elevadas taxas de utilização do equipamento. Mas, com uma logística de colheita adequada, que leve a que a cultura, após colhida, entre no respetivo circuito de processamento muito rapidamente (idealmente nas primeiras 24-48 horas; excepcionalmente até 72 horas após a colheita, mas com grave risco de perda de açúcares), também é possível proceder à colheita com equipamento de colheita de forragens, com corte e recorte (idêntico ao utilizado na produção de silagens). De resto, esta será a opção a tomar se eventualmente o sorgo se destinar à produção de biogás.

Dos resultados dos ensaios, alguns realizados em ambiente de empresa agrícola, que entretanto já realizámos na região da Beira Interior (concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Vila Velha de Ródão, sempre em condições de regadio), com as cultivares atualmente disponíveis, são possíveis rendimentos na ordem das 60 a 90 t/ha (em verde), ou seja, de 18 a 30 t/ha de matéria seca. A doçura (medida, por aproximação, em graus Brix) rondou em média, nos nossos ensaios, os 16 a 17,5 graus Brix (quatro anos de ensaios).

Bibliografia:
[1]     Consultative Group on International Agricultural Research – CGIAR. Sorghum – Origin and use. Disponível em http://www.cgiar.org/our-research/crop-factsheets/sorghum/ tal como consultado a 4 de fevereiro de 2014;
[2]     USDA - Natural Resources Conservation Service. Classification for Kingdom Plantae Down to Species Sorghum bicolor (L.) Moench. Disponível em http://plants.usda.gov/java/ClassificationServlet?source=display&classid=SOBI2, tal como consultado a 4 de fevereiro de 2014;
[3]     Sweethanol – sustainable ethanol for EU project. Difusión de un modelo sostenible en la EU para producir bioetanol de 1.ª generación a partir de sorgo dulce en plantas descentralizadas. Manual Técnico. C.E.T.A. – Centre for Theoretical and Applied Ecology (Itália), 2012. http://www.ceta.ts.it;
[4]     ALMODARES, A. and HADI, M., September 2009. Production of bioethanol from Sweet sorghum: a review. African Journal Of Agricultural Research 4 (9), pp. 772-780;
[5]     FAO (2013). FaoStat. Disponível em http://faostat3.fao.org/faostat-gateway/go/to/download/Q/QC/E, tal como consultado a 5 de fevereiro de 2014;
[6]     Kansas Grain Sorghum Producers Association (2004). Milo mania! Let’s learn about grain sorghum. Garnett, Kansas, EUA.

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